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Ontem calhou almoçar com um amigo de infância que já não via há alguns longos meses e, é um dos que vou vendo com mais frequência. Com a brevidade de uma conversa de almoço e o olho posto no relógio para o regresso ao trabalho, deu mesmo assim para regressarmos ao nosso antigo bairro, a Casa Azul, aos tempos em que os putos mais putos e os putos mais graúdos povoavam a rua do bairro. Contava-me o meu amigo que uma vez se deram ao trabalho de nos contar e éramos mais de cem, todos naquela sala de convívio que era a rua com ponto de apoio na taberna do bairro, de onde todos os mais velhos, as famílias, eram clientes de caderneta da mercearia, do pão e onde os filhos iam passando o tempo, mais ou menos organizados em pequenos grupos de interesses ou de conversas, de brincadeiras ou passatempos, que transformavam a taberna, num centro social ou de convívio, onde os putos mais putos eram rejeitados das conversas e diversões dos putos maiores, mas que podiam contar com eles, sempre que eles eram necessários para uma emergência de um tombo mal dado com a bicicleta, de um peão que acertou na cabeça dum parceiro, ou de outra qualquer coisa.
Para a cidade vinha-se aos bandos, de 10, 15, 20 ou mais, dependia do dia e dos trocos contados ainda em tostões, coroas ou poucos escudos, mas ninguém ficava de fora, havia sempre para todos, para ir ao cinema, às verbenas, tomar um café com direito a fazer sala toda a noite.
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Recordámos alguns amigos há muito ausentes, lamentámos os que já nos deixaram, relembrámos aventuras de então, algumas bem arrojadas, mas que sempre terminaram em bem e de novo recordar um ou outro amigo que ainda vamos vendo por aí, às vezes, e coincidimos, do fundo do coração e com toda a sinceridade do mundo, que mesmo não nos vendo há 10, 15, 20, 30 ou 40 anos, os anos da nossa juventude foram marcantes e importantes na nossa formação e que mesmo ausentes a tanta distância, mantém-se e manter-se-á a amizade para sempre, pois aquilo que então se vivia era mesmo uma amizade ligada por laços de família, de sangue, mesmo sem sermos nada uns aos outros, a não ser um irmão ou irmã que sempre havia por perto, pois nenhum de nós era filhos único, no tempo ainda não se usavam.
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Coincidimos também em recordar um amigo que anda sempre por aí, igual ao que era há 40 anos atrás, quer fisicamente quer no seu modo de vida. Todos lhe reconheciam a amizade e a loucura saudável que tinha, sempre bem disposto, inteligente mas para quem a vida nunca sorriu, foi a tropa, fugiu da tropa, uma duas, três, quatro, não sei quantas vezes, tantas, que se cansaram de o vir buscar, e todos, os amigos da Casa Azul, reconhecem que poderia ter sido alguém se tivesse estudado, se a família tivesse dinheiro para o estudar, se tivesse família para além dos amigos do bairro, se…, se…, se. Continua a habitar o lado de cá do rio, o lado da veiga, agora a Madalena porque a Casa Azul há muito que morreu, mas conhece toda a cidade, percorre-a sozinho, com um olhar muitas vezes triste mas sempre pronto a dar um sorriso a quem o cumprimenta porque o conhece e, quando os amigos da Casa Azul lhe dão um bocadinho de companhia ou conforto, o seu sorriso é acompanhado de um brilho nos olhos. É o Bino, nunca lhe conheci um apelido e o Avelino, foi companheiro de almoço e deste pequeno regresso ao passado.