Intermitências
Sobre a Invencível força das circunstâncias
(Segunda parte)
Quando olhou para a fotografia, apenas viu um local paradisíaco onde nunca tinha estado e provavelmente nunca estaria. O jovem de olhos azuis cristalinos apenas sorriu. "Um dia explico-te, se quiseres".
"Vivo para que o meu espírito não adormeça". Lembrava-se várias vezes dessa frase que o jovem lhe dissera. Que quereria ele dizer?
Dia após dia, via o jovem no Arquivo sempre alegre, sempre feliz. Até ao dia em que lhe perguntou sobre aquela frase. Sim, queria que ele lhe explicasse. Então o rosto do jovem iluminou-se, todo ele se encheu de entusiasmo e excitação, pegou-lhe no braço e levou-o para a sala de reuniões. Ficaram lá fechados durante uma hora.
Aí, o jovem confirmou-lhe a teoria da mente: 95% de lama e 5% de água clara. Na fotografia, estava um local paradisíaco, mas também muita lama à volta. "Não vês? Tu estás na lama, mas podes libertar-te. Só tens de te deitar na areia branca ou chegar até ao barco...". O jovem também já estivera preso nessa lama e, tal como ele, acompanhara durante a maior parte da sua vida a mecânica do mundo e a incrível força das circunstâncias. "Porque como na tua mente, na minha também estava tudo turvo. Como podia ver claramente o que me faria feliz?"
Praias de Ubatuba, Brasil, Dezembro 2014. - Fotografia de Sandra Pereira
Em tempos, continuou o jovem, "era uma pessoa negativa, depressiva, com vícios e sempre insatisfeita, mesmo estando num perfeito local paradisíaco". Até um dia em que questionou a mecânica de todas as coisas e a incrível força das circunstâncias.
- "Como?"
- "Parei e meditei"
- "Só isso?! Como meditaste?"
- "Sim, meditei. Meia hora por dia, ao acordar, simplesmente sento-me e concentro-me sobre o nada."
Mal queria acreditar no que ouvia. Concentrar-se sobre o nada? O jovem sorriu. "Sei que parece loucura, mas pensa que as ideias mais poderosas vêm sempre das coisas mais simples..."
Nessa meia hora de meditação por dia, o jovem esvazia a mente dos pensamentos do quotidiano e, no meio do nada, surge o essencial. Aos poucos, descobre-se, vê mais claro, sem barreiras. "Vai diluindo a lama... e a mecânica das coisas transforma-se em génio criativo. Porque não tenho medo de experimentar coisas novas, e as minhas ideias e vontades vão-se definindo..."
Mal queria acreditar. Nesse momento, o seu espírito acordou.
Fim
Sandra Pereira