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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

31
Out16

Quem conta um ponto...


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313 - Pérolas e diamantes: mentiras e andorinhas

 

Harold Bloom, o cânone acidental, defende que o pensamento em grupo é a praga da nossa “Era da Informação”, pois o estudo da mediocridade, seja ela de que origem for, gera mediocridade.

 

Quem sabe de tudo isto é Michel Houellebecq que, de uma pernada, define muito bem toda esta atmosfera decadente do neoliberalismo.

 

No Mapa e o Território, Jed e o seu pai jantam juntos em ocasiões muito especiais, sobretudo na noite de Natal. Um porque está viúvo e o outro porque não tem namorada fixa no momento.

 

Na ceia ocupam o tempo a falar da política, passando em revista ministério a ministério, até à chegada do carrinho dos queijos.

 

Segundo o narrador, nos países latinos a política consegue satisfazer as necessidades da conversa entre machos de meia-idade ou até mais velhos. Nas classes inferiores é muitas vezes substituída pelo desporto. Já nos indivíduos influenciados pelos valores anglo-saxónicos, o papel da política é principalmente exercido pela economia e pelas finanças. Podendo a literatura desempenhar um papel complementar.

 

No caso de Jed e do seu progenitor, nem um nem outro se interessam verdadeiramente pela economia e muito menos pela política. O pai, de uma maneira geral, aprova o modo como a França é dirigida e o filho nem sequer tem opinião. Entre uma coisa e outra, limitam-se a comer a tradicional ceia.

 

Depois dos queijos, o pai de Jed anima-se um pouco e pergunta ao filho acerca dos seus projetos artísticos. Infelizmente Jed, naquele momento, encontrava-se a marcar passo. Mas nem isso lhe diz, já que ninguém, e muito menos ele, pode fazer seja o que for. Aliás, ninguém pode fazer nada, pois, mesmo que fizesse essa confidência, o seu pai, como a generalidade das pessoas, apenas se pode entristecer ligeiramente, porque, na opinião do narrador, isto das relações humanas não é lá grande coisa.

 

Houellebecq carateriza muito bem este meio burguês e medíocre que medeia e modela a nossa sociedade neoliberal. Os tipos entendidos que interferem no meio das raparigas peritas em qualquer coisa são do tipo alto e um pouco flácidos, meio-gordos, de cabelo meio-comprido, de olhar meio-inteligente meio-estúpido.

 

O Mapa e o Território, para estar de acordo com os tempos, é mesmo um romance didático, que nos ensina que engordamos por causa da secreção de testosterona, pois esta diminui com a idade, daí a taxa de massa gorda aumentar, quando chega a idade crítica.

 

É também um livro carregado de desilusão. O pai de Jed, já muito doente, conta ao filho que aos dez anos tentou construir um ninho para as andorinhas que passavam o verão na cocheira. Para isso, procurou numa enciclopédia indicações precisas do modo como as andorinhas constroem os ninhos, com terra e saliva, e passou semanas nisso. Mas elas nunca quiseram usar o seu ninho. Nunca. Até deixaram de fazer os ninhos na cocheira. Depois começou a chorar.

 

Jed, vendo que o seu pai banhado em lágrimas e sem conseguir parar de soluçar, informa-o de que as andorinhas nunca usam os ninhos construídos pela mão do homem. E se um homem lhes tocou no ninho, até o abandonam e vão construir um novo.

 

O seu pai pergunta-lhe como é que sabe isso. Ele responde que leu alguma coisa sobre o assunto há alguns anos atrás num livro sobre comportamento animal, quando estava a documentar-se para um quadro.

 

Era falso, Jed nunca lera nada disso, mas o seu pai pareceu aliviado e logo se acalmou. Jed pensou então como é que uma pessoa consegue carregar durante mais de sessenta anos um peso daqueles no coração.

 

Jed, como artista, ensina-nos algo de muito importante. Pode-se trabalhar solitariamente durante muitos anos – na sua perspetiva, essa é até a única maneira de trabalhar –, mas acaba sempre por chegar o momento em que o autor sente a necessidade de mostrar o trabalho ao mundo, não na perspetiva de o expor a julgamento, mas antes para ficar seguro da sua existência, e até da existência do próprio autor, pois no seio de uma espécie social, a individualidade não passa de uma breve ficção.

 

Hoje, por causa das coisas, apetece-me terminar citando Clarice Lispector: “E eu não aguento a resignação. Ah, como devoro com fome e prazer a revolta.”

 

Balelas!

 

João Madureira

 

 

31
Out16

Professor José Henrique - “Reconhecer o Génio de Nadir Afonso – Diálogo(s) Sobre a Obra”


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Eu sei que hoje deveria trazer aqui um pouco da Feira dos Santos do dia 30 de outubro, mas ontem, nem todos os caminhos se dirigiam à feira. Assim, optei por outro caminho que me levou até ao Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso, onde Nuno Dias ia fazer o lançamento do livro “Reconhecer o Génio de Nadir Afonso – Diálogo(s) Sobre a Obra” , e a opção deste caminho foi pela autoria dos diálogos serem de José Henrique e fui lá em jeito de homenagem a esse autor que um dia, felizmente, se atravessou no meu caminho como professor de português no Liceu de Chaves.

 

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Eu sei que nestas coisas há sempre quem apareça porque é “politicamente correto” aparecer, porque parece bem… principalmente para quem quer fazer nome na praça intelectual, mas acredito que a maioria dos que lá estiveram presentes, estiveram lá em jeito de homenagem, porque conheceram o Professor José Henrique.  Não é que eu seja um prosador, mas na minha modesta e sincera prosa, com aquela que sei e à qual às vezes, despretensiosamente, recorro, gosto de reconhecer e agradecer àqueles a quem estou reconhecido e agradecido. Para o provar deixo-vos aqui as referências que este blog fez ao Professor José Henrique:

 

 

Quinta-feira, 19 de Janeiro de 2012

 

Duas imagens e um poema

 

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No meu percurso estudantil tive a sorte de ter um professor que me despertou para a poesia. Nunca até então tinha lido verdadeiramente um poema. Até aí a poesia era uma sucessão de palavras com algum sentido, outras vezes sem sentido nenhum e que tanto rimavam, como não, onde se brincava com as palavras que se apresentavam sempre de uma forma esguia que saíam fora do formato normal de um texto de prosa. Com esse professor aprendi que a poesia não deveria ser olhada e muito menos lida com essa leviandade. Com ele, aprendi que a poesia é a verdadeira arte da palavra e do dizer, que pode até ter o poder e mais força que a de um verdadeiro exército, ou, como diria o José Carlos Ari dos Santos – a palavra é uma arma – e eu até aí não sabia.

Gosto sempre de deixar os créditos das fontes, dos despertares e daqueles que verdadeiramente me ensinaram. O professor a que me refiro chamava-se José Henrique e tenho-o como uma referência do Liceu de Chaves.

 

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Tudo isto a respeito das duas imagens de hoje, que são a mesma, mas não o são. Numa há a tal poesia colorida, cheia de música e rima que encanta pela forma e pela luz doirada. É um cliché feito com um olhar leviano sobre um entardecer, apenas isso, mas, se apurarmos o olhar veremos que há muito mais que entardeceres doirados, que há muitas imagens, sentimentos e até um porto de partida ou chegada onde alguém espera ou se despede de um momento que nunca mais irá acontecer.

 

 

 

Mais tarde, a propósito da Linha do Corgo, a Associação de Fotografia Lumbudus publicou um livro onde contribuímos com um texto que trouxemos ao blog em:

 

Terça-feira, de de fevereiro de 2016

(…)

a Linha do Corgo, da Régua a Chaves, depois da regueifa e dos rebuçados de açúcar torrado, era feita na varanda do comboio, mas há uma viagem, a última, que nunca mais esquecerei, não por saber que era a última, pois não sabia então que passado pouco tempo, traiçoeira e irrefletidamente a linha iria ser encerrada, mas porque nessa viagem tive uma companhia inesperada à varanda, uma companhia que a família (mulher e filhos) tinha deixado na estação da Régua para apanhar o comboio para Chaves, uma companhia que eu há anos já admirava e da qual tinha saudades, sobretudo da sua sabedoria, do seu amor à poesia e do seu conversar. Era o meu antigo professor de português do Liceu, o Dr. José Henriques, que ainda antes do 25 de abril de 74, através da poesia e dentro das quatro paredes da sala de aulas nos falava da liberdade. Foi a minha última viagem na Linha do Corgo e a última conversa com o meu antigo professor, espaçada de silêncios, explicados pelo êxtase da apreciação da paisagem ou pela apanha e descarga de passageiros nas estações e apeadeiros.

(…)

 

Fica agora a notícia do lançamento do livro “Reconhecer o Génio de Nadir Afonso – Diálogo(s) Sobre a Obra”, apenas isso, pois ainda não o lemos, mas pela certa que futuramente teremos oportunidade de trazer aqui algumas coisas deste livro.

 

 

30
Out16

Feira dos Santos, uma voltinha no seu primeiro dia


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Como neste fim de semana se iniciou a Feira dos Santos, é por lá que vamos andar até à próxima terça-feira, com imagens da feira e de alguns eventos, mas como os fins de semana aqui blog costuma ser das aldeias, iniciamos o post de hoje com uma foto da pequena cantora e Grupo Tradicional de Ventuzelos, ficando também como um bom exemplo daquilo que os jovens das nossas aldeias (onde ainda os há) podem fazer.

 

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Hoje apenas uma pequena voltinha pelos Santos, pois não fomos além do Jardim do Bacalhau e da Rua de Stº António, tudo porque a obrigação voluntária ligada à abertura da feira do vinho,  onde está patente ao público a exposição de fotografia ontem aqui anunciada, fez com que estivéssemos por lá.

 

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Mas com tempo para a tal voltinha com temperatura e tempo de verão  de que quase não há memória, pois ano ou Santos assim, só recordo mesmo os de (se não me engano) 1975, aquando a feira se instalou entre à beira rio, entre a ponte romana e a ponte nova, com invasão de todo o Tabolado. Infeliz ideia por sinal, pois a partir de aí o Tabolado nunca mais voltou a ser o mesmo.

 

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Aparentemente este ano os Santos têm menos barracas, mas pode ser que apenas se deva a este ano ter iniciado a 29 de outubro e durante a noite os espaços vazios acabem por ser preenchidos, como penso que serão.

 

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E para hoje, dia 30, dado ser domingo, espera-se que seja um dia em grande. Logo se verá.

 

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E na nossa voltinha de hoje terminamos com uma foto dos “Bombeiros de Baixo” a marcar presença numa praça que já foi sua.

 

 

29
Out16

A Feira dos Santos em fotografia, em exposição e agora em vídeo


 

 

Inaugura hoje a exposição de fotografia a "Feira dos Santos" com fotografias que ao longo dos anos foram passando por este blog e mais algumas inéditas. Para quem não puder vir à feira ou passar por lá , na Feira do Vinho a decorrer no Pavilhão  ExpoFlávia (junto à PSP) onde a exposição está patente ao público, ficam aqui as imagens num arranjo em vídeo.

 

Ainda hoje passaremos por aqui com mais imagens da Feira, edição 2016 e mais eventos que hoje estão previstos para a cidade de Chaves. Até logo!

28
Out16

A Feira dos Santos em duas exposições de fotografia


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Esta Feira dos Santos, de 2016, vai contar com duas exposições de fotografia. A primeira, que já está patente ao público desde o início de outubro, na Adega do Faustino, é de autoria de Humberto Ferreira e intitula-se “ Feira dos Santos – Raças Autóctones”, organizada pela Associação de Fotografia Lumbudus.

 

cartaz

 

A segunda exposição é de autoria de Fernando DC Ribeiro, intitula-se “ A Feira dos Santos” e estará patente ao público nos dias 29 a 31 de outubro e 1 de novembro, no Pavilhão ExpoFlávia – Pavilhão do Vinho e é organizada pela ACISAT/Blog Chaves.

 

 

27
Out16

Flavienses por outras terras - Vitor Fernandes


Banner Flavienses por outras terras

 

Vítor Fernandes

 

Nesta crónica do espaço “Flavienses por outras terras” vamos até ao Litoral Alentejano, mais concretamente até Vila Nova de Santo André, uma cidade construída de raiz, no meio de pinhais e arrozais, para servir de apoio ao grande complexo industrial e portuário de Sines.

 

É lá que vamos encontrar o Vítor Fernandes.

 

Mapa Google + foto - Vítor Fernandes.PNG

 

Nos tempos de estudante, em Chaves, que escolas frequentou?

 

Frequentei a Escola Primária de Nantes, a Escola Primária do Caneiro, a Escola Preparatória Nadir Afonso e a Escola Secundária Fernão de Magalhães.

 

Em que ano e por que motivo saiu de Chaves?

 

Saí de Chaves no ano de 1992 para ir para a Universidade, em Vila Real (UTAD).

 

Em que locais já viveu ou trabalhou?

 

Já vivi em Alijó, em Sines, em Alvalade do Sado e em Grândola.

 

Diga-nos duas recordações dos tempos passados em Chaves:

 

Uma das melhores recordações que tenho dos meus tempos em Chaves foi o tempo vivido no Grupo de Jovens da Madalena e tudo o que aprendi nessa altura. Recordo também o grupo “Musivida”, com 4 bons amigos.

 

Proponha duas sugestões para um turista de visita a Chaves:

 

As Caldas e o Miradouro de S. Lourenço.

 

Estando longe de Chaves, do que é que sente mais saudades?

 

Sinto saudades dos meus pais e dos meus amigos.

 

Com que frequência regressa a Chaves?

 

Regresso a Chaves 2 a 3 vezes por ano.

 

Gostaria de voltar para Chaves para viver?

 

A vida é feita de mudanças. Os tempos vividos em Chaves foram bons, mas a minha vida profissional e pessoal não me permite voltar para Chaves.

 

 

O espaço “Flavienses por outras terras” é feito por todos aqueles que um dia deixaram a sua cidade para prosseguir vida noutras terras, mas que não esqueceram as suas raízes.

 

Se está interessado em apresentar o seu testemunho ou contar a sua história envie um e-mail para flavienses@outlook.pt e será contactado.

 

Rostos até Vítor Fernandes.png

 

 

26
Out16

Quente e Frio!


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(...)

Mas aquela “SRª DA SAÚDE” tinha-lhe deixado muita consolação e maior ilusão.

 

XVII

Chegou o tempo de a «Bila» voltar a encher-se de estudantes.

 

Cumpriu-se o “Regadinho”.

 

A avaliação escolar, no Liceu, era trimestral; na ESCOLA NORMAL, semestral.

 

E a viagem de “Férias de Natal”, quer para a “TERRA QUENTE”, quer para a “RAIA”, quer para a “TERRA FRIA” foi igualzinha à do ano passado, à das “Férias de Páscoa» e à das “Férias Grandes”.

 

Os «TINOS» foram de férias contentes com as notas.

 

As “Lindas”, preocupadas com o “EXAME DE SAÍDA” a fazer lá para fins de Fevereiro.

 

Nos meses de Inverno, Marão estava cobertinho de neve. Caíam flocos na Avenida Carvalho Araújo.

 

Nem por isso arrefeceu o ardor apaixonado que consumia o coração do “Rapaz da Terra Quente” e do “Rapaz da Terra Fria”.

 

Com o «EXAME DE SAÍDA» feito, as “Lindas” entraram em estágio nas “ANEXAS”  - conjunto de Escolas Primárias frente ao Seminário.

 

Para conclusão do CURSO, em finais de Junho, havia o “EXAME DE ESTADO”.

 

***E a viagem de “Férias de Páscoa”, quer para a “TERRA QUENTE”, quer para a “RAIA”, quer para a “TERRA FRIA” foi igualzinha à do ano passado, à das “Férias de Natal» e à das “Férias Grandes.

 

Os «TINOS» foram de férias contentes com as notas.

 

As “Lindas”, preocupadas com o “EXAME DE ESTADO” a fazer lá para fins de Junho.

 

Nos meses de Verão, o Marão está verdejante. Os canteiros da Avenida Carvalho Araújo cobrem-se de flores e recebem mil cuidados de jardineiros dedicados.

 

As “Lindas” passaram com «nota alta», o que lhes deixava boas perspectivas para fiarem colocadas perto de casa.

 

Os «TINOS» tiveram «média alta», o que lhes garantiu a entrada nas respectivas Academias: o “TINO da TERRA QUENTE”, para Coimbra; o “TINO da TERRA FRIA”, para Lisboa.

 

Aflito com os novos destinos das suas vidas, o “Rapaz da Terra Quente” encheu-se de coragem e «guardou» uma saída de casa da Carmelinda.

 

Da porta do mistério saiu um grupo de cinco «NORMALISTAS»: a Natália, a Fernanda, a Céu e as duas “Lindas”.

 

Já todas sabiam que o Celestino era um «apaixonado» da Carmelinda. Por isso, mal o viram aproximar-se até se juntaram mais as outras quatro, dando espaço e distância para que o “TINO da TERRA QUENTE” pudesse chegar à fala com a «Linda».

 

Ele saudou-as e, dirigindo-se à (sua) «linda», perguntou-lhe se podia acompanhá-la e ter uma pequena conversa com ela.

 

A «linda» assentiu com um aceno de cabeça e um tímido «’stá bem!».

 

Com a colaboração das amigas, a distância do grupo aumentou três ou quatro passos.

 

- «linda», o CURSO da Linda está terminado, o meu, do Liceu, igual. Eu sigo para Coimbra, para frequentar Medicina; e a «linda» será colocada numa Escola algures.

 

Perdem-se cada vez mais as oportunidades de nos vermos.

 

Isto aflige-me e preocupa-me. Queria saber se a «linda» quer ou não ficar comprometida comigo. Esteja eu onde estiver, escrever-lhe-ei com assiduidade e visitá-la-ei sempre que possível.

 

O silêncio respeitou a comoção do par.

 

Para o «doutor», os segundos contavam-se por eternidades.

 

Sem se dar conta, a «linda» tocou com a sua mão na mão do “TINO”.

 

Sem se dar conta, a mão do “TINO” abraçou a mão da «linda».

 

E a «linda» assentiu com um aceno de cabeça e um tímido «’stá bem!».

 

Um bando de passarada soltou-se dos plátanos do Largo da Igreja de S. Pedro, e, num chilreio troante, esvoaçou para os quintais pendurados nas margens escarpadas do Corgo!

 

Encorajado pelo sucesso do colega, ***o “TINO da TERRA FRIA” encheu-se de coragem e «guardou» uma saída de casa da Ermelinda.

 

Da porta do mistério saiu um grupo de cinco «NORMALISTAS»: a Natália, a Fernanda, a Céu e as duas “Lindas”.

 

Já todas sabiam que o Clementino era um «apaixonado» da Ermelinda. Por isso, mal o viram aproximar-se até se juntaram mais as outras quatro, dando espaço e distância para que o “TINO da TERRA FRIA” pudesse chegar à fala com a «Linda».

 

Ele saudou-as e, dirigindo-se à (sua) «linda», perguntou-lhe se podia acompanhá-la e ter uma pequena conversa com ela.

 

A «linda» assentiu com um aceno de cabeça e um tímido «’stá bem!».

 

Com a colaboração das amigas, a distância do grupo aumentou três ou quatro passos***.

 

- - - «LINDA», acabei o Liceu e agora sigo os estudos em Lisboa. Vou para a Academia Militar. A LINDA vai dar aulas ainda não sabe para onde. Sabe da afeição que lhe dedico. Agora com o Curso terminado, penso que não terá inconvenientes em namorar comigo, se assim o desejar. Será um namoro sacrificado pela distância. Mas eu escrever-lhe-ei muitas vezes e espero vê-la nos períodos de Férias».

 

Se estiver de acordo em ser minha namorada, eu ficaria muito feliz.

 

O silêncio respeitou a comoção do par.

 

Para o «militar», os segundos contavam-se por eternidades.

 

Sem se dar conta, a «linda» tocou com a sua mão na mão do “TINO”.

 

Sem se dar conta, a mão do “TINO” abraçou a mão da «linda».

 

E a «linda» assentiu com um aceno de cabeça e um tímido «’stá bem!».

 

Um bando de passarada soltou-se dos plátanos do Largo da Igreja de S. Pedro, e, num chilreio troante, esvoaçou para os quintais pendurados nas margens escarpadas do Corgo!***

 

XVIII

*****.                 

O Celestino foi para

25
Out16

Chaves D'Aurora


1600-chavesdaurora

 

  1. QUINTA GRÃO PARÁ.

 

Ainda hoje remanescente, a casa principal da Quinta é um prédio de dois pisos, com paredes de granito calcário aparente, similares às de muitas casas de pedra da região, na qual, ao meio da frontaria superior, rodeada por quatro janelões, uma porta se abre para uma pequena varanda com proteção de ferro, em belo trabalho de Art Nouveau. Fica bem rente à encruzilhada da Avenida Dom João I com a Estrada do Raio X, em posição oposta à da Quinta Caneiro.

 

À parte da frente, no andar de baixo, erroneamente chamado de porão, há uma porta que era usada como entrada de serviço, entre as janelas que correspondiam aos quartos usados pelas serviçais da casa. No andar de cima, ao lado esquerdo, sobressaem outros janelões, os que então correspondiam aos quartos, à sala íntima de Papá e à sala dupla de estar e refeições. No telhado, vemos ainda hoje uma chaminé aos fundos, por onde sai a fumaça do lume. Na lateral direita, uma escada com corrimões de ferro conduz até à entrada social da casa, na parte superior, cuja porta se abre, antes, para uma varanda murada com ripas de madeira em forma de xadrez. Desse outro lado, além da sala de visitas, ficava mais um quarto e, aos fundos, a cozinha, onde uma escada interna dava acesso ao porão. Na parte externa posterior da habitação, desce do primeiro piso uma escada que, então, conduzia ao pomar. Em baixo, além da porta central, havia uma portinha de acesso à arrecadação de utensílios diversos. Outra portinhola servia de entrada para o abrigo da Patusca, uma cadela que, como guardiã da Quinta, de tão mansa, velha e dorminhoca, era de pouca ou nenhuma serventia. Eram duas as casas de banho, uma em cima e outra em baixo. Além de uma pequena adega, os outros cómodos inferiores da casa serviam de dispensa e lavandaria. Esta era de uso apenas das serviçais e para lavagem de algumas peças íntimas da família.

 

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 Fotografia e croquis do possível local da Quinta Grão Pará, na Rua do Raio X, nº135, CF.

Croquis em poder do autor (Raimundo Alberto) – Fotos comparativas

 

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Entre os flavienses de maiores posses, era usual entregar a maior parte da rouparia a lavadeiras que moravam nas aldeias próximas, onde não estaria a se ver exposta, na contiguidade dos vizinhos, uma parte da intimidade familiar.

 

No caso dos Bernardes, era a gorda Manuela. Pelo menos duas vezes na semana, com seu vestido negro de viúva, a saia até quase os pés, meias cinzentas, uma bata de azul desbotado, o xaile encarnado e um lenço à cabeça, lá vinha ela a descer à vila e a subir de volta com os seus socos, por quilómetros, desde São Lourenço. Estava sempre a se queixar da vida e de não saber porquê, apesar de toda a labuta, ainda continuar uma leitoa. Os demais sorriam, discreta ou jocosamente, sabedores do gosto de Manuela pelo folar, um pão trasmontano, feito de trigo cozido com ovos, azeite, fermento, sal grosso, porções de carne gorda de porco, presunto, linguiças e chouriças, consumido em qualquer parte do ano, mas com maior frequência na Páscoa. Ao folar de cada dia, ela ainda adicionava uma estranha mistura de vinho e mel e, é claro, tudo o mais que lhe oferecessem para merendar.

 

fim-de-post

 

 

24
Out16

Quem conta um ponto...


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312 - Pérolas e diamantes: A Piada Infinita

 

De facto, A Piada Infinita (Infinite Jest, no original) é mesmo um livro grande, ou um grande livro, se preferirem. Ou melhor ainda: o calhamaço de David Foster Wallace é um livro enorme. E quando digo enorme é enorme mesmo. Em todos os sentidos.

 

A edição portuguesa (Quetzal) tem 1198 páginas, composto em caracteres Sabon, 1100 páginas em tamanho 10, e as outras 98 compostas por notas a tamanho 8, quando não a 6.

 

Segundo o Sunday Telegraph ainda não inventaram uma definição para aquilo que ele escreveu.

 

Apesar de sofrer de problemas de depressão (suicidou-se em 2008, com apenas 46 anos), DFW escreveu uma comédia tresloucada, onde misturou várias e pertinentes reflexões filosóficas, sobre os vícios da nossa sociedade, sobre as relações familiares e o papel do entretenimento nas nossas vidas.

 

David Foster Wallace estudou Inglês e Filosofia e, durante a adolescência, foi praticante federado de ténis, atividade que viria a ser essencial na sua obra. Era admirador de Thomas Pynchon. Eu, pela parte que me toca, acho-o bem melhor do que o seu putativo mestre.

 

A Piada Infinita é uma obra de um fôlego imenso, que escapa a qualquer definição, parecendo mesmo uma obra vinda de um outro universo diferente do nosso. O homem escrevia como quem respira.

 

Uma das partes que mais me tocou é um diálogo, versando a tristeza, estabelecido entre os dois irmãos (Hal e o deficiente Mario) sobre o seu irmão mais velho (Orin) e o resto da família Incandenza: uma mãe invulgarmente bela e um pai genial que se suicidou enfiando a cabeça dentro de um micro-ondas.

 

Mergulhar de cabeça, ou melhor, com cabeça, n’A Piada Infinita é uma experiência alucinante e arrebatadora. A sua ação passa-se à volta de uma Academia de Ténis e um centro de reabilitação de alcoólicos e toxicodependentes. No centro da narrativa encontra-se um filme realizado por James Orin Incandenza Jr., intitulado precisamente Infinite Jest, do qual se diz que deixa os espectadores num estado de apatia permanente, incapazes de se preocuparem com outra coisa que não seja ver de novo o filme.

 

Para Hal, algumas pessoas quando mentem ficam muito quietas e pensativas e o olhar delas adquire uma grande intensidade e concentração. Dessa forma tentam dominar a pessoa a quem mentem. Outras começam a ficar agitadas e pouco fiáveis, alternando as mentiras com pequenos movimentos e sons autodepreciativos, como se a credulidade fosse a mesma coisa que a pena. E existem outras que escondem a mentira com tantas voltas e apartes que tentam fazer passar a mentira de forma despercebida no meio de toda a informação supérflua que nos transmitem. Emitem uma espécie de ruído incomodativo.

 

Há ainda os mentirosos kamikazes, que nos contam uma mentira surreal e basicamente inacreditável, para de seguida fingirem uma crise de consciência, retratando-se dessa mentira original e logo nos obsequiaram com outra que querem impingir-nos realmente, para dessa forma a mentira verdadeira nos parecer uma espécie de cedência, um ajuste com a verdade. Felizmente, lembra-nos Hal, esses mentirosos são fáceis de detetar.

 

Existe uma variante de mentirosos que são mestres em complicar demasiado as mentiras, sustentando-as com criações muito elaboradas, repletas de detalhes e aditamentos. Esses são sempre apanhados.

 

Desta variante, surgiu uma análoga, que é o mentiroso que dantes complicava muito as coisas mas que acabou por se aperceber que as suas criações muito elaboradas o lixavam sempre. Por isso mudou de estilo e passa agora a mentir de forma abreviada e esparsamente, sugerindo aborrecimento, como se estivesse a dizer uma verdade tão óbvia que nem vale a pena perder tempo com isso.

 

Existem também pessoas que simplesmente são demasiado boas, demasiado complexas e idiossincráticas, que proferem mentiras muito próximas do cerne da verdade para conseguirmos perceber a diferença.

 

Hal Incandenza, nos seus dezassete anos, acha que acredita que os únicos monstros verdadeiros talvez sejam os mentirosos que não conseguimos perceber que o são. Aqueles que não revelam nada.

 

João Madureira

 

 

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