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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

21
Mar18

Nós, os homens


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XXVI

 

Comecei a enfrascar-me todos os dias, a procurar no álcool o que não queria encontrar na vida. Tinha medo de tudo, tinha pavor de pensar que podia ser a próxima vítima e isso deixava-me num estado de torpor que estava a atingir proporções inaceitáveis.

 

Se por um lado eu tinha consciência do que me estava a acontecer, também era verdade que não conseguia por termo àquilo, se bem que racionalmente achasse um perfeito disparate tudo o que andava a não fazer. E só parei no dia em que o meu amigo me arrombou a porta de casa, porque eu não lha abria, e me disse olhos nos olhos:

 

- Agora que eu estou curado é que tu decides adoecer!?

 

Deu-me dois pares de estalos e eu fiquei imóvel.

 

Abriu a torneira da casa de banho, despiu-me, enfiou-me numa banheira de água fria e disse:

- Acabou! Veste-te, vamos sair! Tenho uma coisa para te contar.

 

Nessa altura eu já não era bem um ser humano, tinha-me transformado numa máquina que assegurava apenas a sobrevivência, por uma necessidade básica de animal faminto. Comia pouco, bebia muito e dormia o suficiente. Quanto ao ar que respirava, estava confinado ao interior da minha casa. E quanto ao resto, nem pensar.

 

Saímos em silêncio e quando chegámos ao parque, à sombra da árvore onde brincávamos quando éramos crianças, disse-me:

- Estou apaixonado!

 

E as minhas palavras foram:

- Sabes onde ela mora?

 

Riu-se e terminou a frase:

- Desta vez, é pela vida!

 

A expressão do meu rosto foi de tal forma desprendida, alheada e distante que o meu amigo não resistiu a perguntar-me:

- O que é que tu tens?

- Nada.

 

Mas esta resposta não lhe serviu, continuou com o olhar a espiar-me e eu incomodado, sem saber o que fazer, perguntei-lhe:

- Estás a olhar para onde?

- Para o outro que há em ti.

- Ah, já o encontraste?

 

Aqui há uns tempos peguei no meu revólver de 9 mm e disparei-o. Quis “a providência divina”, em oposição ao livre arbítrio, que tivesse falhado. Não tivesse sido isso e tinha dado cabo da minha vida ou do que resta dela.

- O que é que tu tens?

- Nada, absolutamente nada. É só isso.

 

Levou-me ao médico, desta vez a um médico que nunca tinha tido anoxias cerebrais, nem durante o sono nem nos momentos de vigília.

 

Fiquei internado oito dias sem diagnóstico, passando mais tempo a dormir do que acordado, até que o médico me deu alta dizendo ao meu amigo o que só me confessou anos mais tarde:

- O seu amigo não tem nada, absolutamente nada. É meio marado dos cornos, mas isso até eu e estou aqui a fazer diagnósticos, como o senhor vê.

 

Foi assim que me curei de um estado patológico que nunca se definiu, mas de que todos padecemos: o medo de sermos enganados e percebi que só há uma forma de evitarmos isso! Andar pelo nosso próprio pé, decidir apenas com a nossa cabeça e compreender que só é imperativo que haja uma pessoa a gostar de nós, o próprio.

 

Tendo isto por princípio, vive-se relativamente bem.

 

É claro que estas palavras só podiam ter saído da boca do meu grande e sincero amigo que, talvez esteja na altura de vos dizer, é meu irmão gémeo!

 

E, como tal, sempre houve entre nós muita cumplicidade, como em todos os irmãos gémeos. Se só nos verdadeiros ou também nos falsos não sei, em qualquer caso gémeos, em qualquer caso cumplicidade. O que um sente, o outro tem.

 

Dos dois, só um sobreviveu. O segundo disparo não falhou. Quis a “providência divina”, em concordância com o livre arbítrio, que no sítio errado e na hora errada estivesse a pessoa errada. Desta vez escreveu torto por linhas tortas! Até eu fazia melhor!

 

Cristina Pizarro

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