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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

15
Mai18

Passar ao lado de uma grande carreira...


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Nestes momentos de introspeção que às vezes nos invadem, dou comigo a pensar como deixei que grandes carreiras me passassem  ao lado, mesmo ali ao alcance da mão. Hoje arrependo-me de não ter lançado mão a algumas delas, de ter desprezado outras, de minimizar algumas… Hoje já é um pouco tarde para algumas, teria gostado de ser, por exemplo, músico, um bom músico de jazz, dominar a música e alguns instrumentos. Mas enfim, no tempo em que me devia ter dedicado a ela, dediquei-me a outras coisas e hoje tenho de me conformar apenas a ouvir música, o que até nem é mau de todo, mas ser músico, isso é que era… outra coisa para a qual penso que teria jeito era ser artista plástico. Sou bom a imaginar e ver coisas, arte, a vê-la onde ninguém a vê, a senti-la, enfim. Deixo-vos o exemplo daquilo que poderia ser uma tela (ver a foto por cima destas palavras), cujo título seria “o homem que estava a coisar, a fugir de uma onda do mar”. Sim, poderia ser, aparentemente um pouco naif, mas com pormenores de elevado recorte, e haveria de enveredar sempre por títulos que rimassem, transformando-se em poesia pintada, sendo cada tela um ou dois versos, para que os títulos das restantes telas,  encadeados uns nos outros,  pudessem dar  num sublime momento de poesia.  Isso sim, é que seria arte. Não sei, a esta carreira de ser pintor poeta, talvez um dia, se conseguir chegar à reforma, ainda me possa dedicar a ela… penso que ainda poderei ser bom nela! Pelo menos bem melhor que muitos que conheço e que presumem… bem, é melhor ficar-me por aqui que a prosa já vai longa.

 

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Entretanto há também que cair na realidade,  e a minha obra de arte, afinal, não é mais que o nº5 de uma porta qualquer, com um buraco para meter cartas e uma campainha que se calha já não toca para ninguém…  É isso que acontece quando se passa ao lado de uma grande carreira, ou serão puros devaneios!? O melhor é ir-me deitar. Boa noite e até amanhã!

 

 

 

15
Mai18

Chaves D´Aurora


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  1. NOITE DE ANGÚSTIA.

 

– Ai meu Deus, que tudo se põe a perder! – assim gritou Aurita, dentro de si mesma, em certa noite de muita angústia e perigosas consequências.

 

A princípio, estava tudo bem calmo. Antes de descer ao pomar, como de costume, ela deixou armado o velho e universal truque de fazer um enchido de roupas em seu leito, sob as cobertas, à guisa de falsear o contorno de seu corpo, como se estivesse a dormir. Certificou-se de que todos os mais estavam, de facto, entregues a Morfeu e correu a se encontrar com Hernando. O problema surgiu quando ela, de repente, começou com o rapaz uma dessas tolas briguinhas de namorados. Por estarem em demanda alguns ciumezinhos, desses próprios de mulher muito jovem e insegura, o cigano começou a se exaltar e, algumas vezes, alteou um pouco a voz, sem considerar a aflição que se apossou da moça, nem a sua desesperada súplica por silêncio.

 

Viram então luzes acenderem-se na casa e ouviram as vozes nervosas de Papá e dos manos, a se somarem com o barulho de passos descendo a escada que dava ao quintal. – Ele está no pomar. – Vamos pegar esse patife! – E se for mais de um? – Está a me parecer que são dois. – E se forem mais de dois? – É melhor ir de mansinho, que eles podem estar armados! – Tem que ser, tem que ser! Todo cuidado é pouco!

 

Para completar o inevitável desastre, a Patusca, acostumada a não ladrar senão quando algum animal de sua espécie passasse perto da Quinta, pôs-se a ganir entre as pernas dos homens da casa que se dirigiam ao pomar. Com o coração a lhe sair pela boca, Aurora viu os três cavalheiros caminharem depressa, rumo aos fundos do quintal, dos quais Reis empunhava a velha pistola e os manos, cacetes e lampiões.

 

Correu a se esconder debaixo de uma velha carroça desativada, cobriu-se com os lençóis que trazia de volta e se deixou ficar, bem quieta. Pôs-se, todavia, a pedir baixinho a São Lázaro que, àquela altura, a boa e velha cadela não se chegasse perto dela para fazer festas, latir e abanar o rabo, como sempre fazia, em momentos menos impróprios. Por certo que também rezou a todos os santos que conhecia, pela vida e segurança do amado. Orou até mesmo a quem, só agora, começava a lhe ser íntima, Santa Sara la Kali.

 

Eis, no entanto, que... Sus! Ouviram-se dois tiros. Aurora benzeu-se, mortificada – Ai que o matam ou aleijam para sempre! – e, para o completo piorio – Ai Deus Pai! E se pra já descobrem tudo, entre mim e o...?! – mas logo se aproveitou do instante em que percebeu Afonso abrir o portão e os três saírem, para além do pomar – Ai que vão deitar o corpo do meu rico à estrada! – ao que correu, então, na direção oposta aos bravos caçadores de gatunos.

 

Como sentisse os passos de Flor a descer até ao porão, Aurita enfiou-se a um cantinho do quarto das criadas e ali se aquietou, até que Mamã fizesse meia volta. Esperou, então, que todos os mais lá de cima voltassem ao bom sono, para que ela, também, pudesse tornar ao leito, no qual já “dormia profundamente” o seu “avatar”. Por muita sorte a lhe bafejar os ânimos, Zefa e Maria também dormiam o sono dos justos, já prestes a alcançarem o dos injustos. Pois o sono destes últimos, com tantos habeas corpus e tão mal concertadas leis a lhes favorecer, além das pecúnias de suborno que se distribuem à sorrelfa, entre autoridades corrompidas e corruptoras, é, no mais das vezes, uma dormida melhor do que a dos honestos.

 

No quarto que dividia com Arminda, a irmãzinha também já estava entregue a um sono pesado, em contraste com os seus leves e singelos sonhos de menina.

 

 

  1. NOTICIÁRIO MATINAL.

Não se falava de outra coisa, à manhã seguinte, desde Mamã até às criadas – Mas esses larápios… eles são tão atrevidos! – Vê lá o que estavam a querer! – Ora pois, queriam levar as galinhas e os recos! – Ora pois, os recos, não, esses porquinhos fazem muito barulho. – Chegaste a vê-los, meu Reis? – Não, só tive o azar de deitar a vista a um deles, mas bem malzinho, só de longe.

 

Afonso e Alfredo mostravam-se os intrépidos guardiões da Quinta e da família – O que eu gostava, Papá, era botar as mãos na goela de um deles, ao menos de um desses patifes! – E eu queria mesmo é que o Papá atirasse ao cu deles, com a pistola! – Chegou a dar uns tiros em um deles, não é, Papá? – ao que o patriarca respondia, envaidecido – Foi, foi, mas não sei se o magoei como gostava. O velhaco escapou-se com os mais para os quintos do Inferno! – Pois acho que se o canalha pegou bala, não há de ter ido muito longe. – A mim o que passa é que ele escapou lá para as bandas de São Bento e pegou a estrada que vai dar a Santo Estêvão.

 

Mamã e raparigas ponderavam – Ai Jesus, meu maridinho, tu e os meninos devíeis ter cuidado! – É sim, Papá, são homens maus, bandoleiros! – Ai Deus meu, que perigo, senhor Bernardes! – O Papá e os manos... Todos vós fostes muito corajosos! – E quantos eram, ao todo, esses gatunos?! – mas João Reis abrandava o temor das mulheres – Calma, calma, por agora, já não importa mais nada. Deixá-los pra lá, Menina Flor. Esqueçam tudo isso, minhas filhas. E vós também, Maria e Zefa. Sei apenas que, ao me dirigir à casa de banho para urinar, escutei umas vozes estranhas, que pareciam vir lá de baixo, à altura dos fundos do pomar.

 

Chamei então os nossos rapazes e ora, portanto, que os malditos meliantes... pois, ao que me diz o Alfredinho, eram mais de um, não é mesmo?

 

O rapazola confirmava – Sim, Papá, havia de ser pelo menos dois, mas só um deles é que estava a correr… – e o Reis – Está que os outros se puseram por aí, a esconder suas imundas carcaças – ao que o intrépido Alfredo – Ah se os pegasse de jeito… esfandegava-os! – enquanto Afonso conferia apenas o que tinha visto, realmente – Pois cá me chega sempre que era apenas um. Só escutei os passos de um gajo a correr lá pra fora. E o Papá, quando atirou, foi num só... – no que este asseverava – É sim, de facto, só me lembro de atirar ao bucho de um gajo, apenas; disso me vai certeza.

 

Todos esses ditos, bem ditos e mal ditos faziam palpitar em altos brados o coração de Aurita, ainda que inaudíveis para os mais. Ora a temer pelo cigano ferido, que estaria a falecer nos braços da mãe; ora por ela mesma, presa do mais intenso pavor. Tudo isso vinha a se transformar em um ladrão de verdade no pomar de sua alma, a lhe roubar a paz e, quem sabe, tudo o mais em volta.

 

Ao patriarca não escapara, a possível suspeita de que, na Quinta, alguma das criadas estava a receber um namorado ao porão! Ou ambas, pois que se dizia serem dois, os meliantes. Nem por sombra lhe viria à mente pensar em qualquer uma das filhas a se pôr abrindo portões a um estranho. À última vez em que conviveram com Hernando, ao São João, não viu, nem soube de momento algum em que este e Aurora estivessem a um colóquio mais próximo, embora tal houvesse ocorrido de facto, mas sempre a espertos e prudentes intervalos no tempo.

 

Quanto às barrosãs, coube à Florinda tirar tal cisma da cabeça do marido. Contou que, ao acordar com a insólita movimentação na Quinta, ficou a passar mal e, ao justo momento em que os homens da casa desciam em sua nobre e valorosa missão, ela foi até às acomodações das serviçais, para que uma das moças lhe viesse acudir com um chazinho calmante. Zefa, que já vinha há alguns dias muito resfriada, com tosses e um tantinho febril, adormecera sob o efeito de umas mezinhas especiais. Quanto à de Tourém, esta dormia como sempre, feito uma pedra.

 

fim-de-post

 

 

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