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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

15
Jul18

O Barroso aqui tão perto - Loivos


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Hoje no “Barroso aqui tão perto” vamos até Loivos. Os de cá interrogar-se-ão — e desde quando é que Loivos pertence ao Barroso!? É certo que eu defendo que o Barroso não se fica pelos concelhos de Montalegre e Boticas, aliás José Dias Batista, autor da Toponímia de Barroso, inclui como barrosãs algumas aldeias do concelho de Vieira do Minho e de Ribeira de Pena. Pois eu estou com os flavienses mais idosos, os da montanha da margem esquerda do Rio Tâmega que, mais do que uma vez me disseram que “para lá do rio Tâmega é tudo Barroso”.

 

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Eu também acho que sim, além do mais o que define uma região  (do latim regio, regionis 'direção, linha reta; caminho direto, frequentado', de regere 'dirigir, guiar, governar[i])   é uma certa homogeneidade de elementos naturais, humanos e culturais num determinado território. É por aqui que deveremos ir, pois o Barroso não é uma região administrativa que termina onde os concelhos (administrativos) terminam. Daí, o rio Tâmega ser uma excelente fronteira natural para o Barroso, além de, de certa maneira, ser também naturalmente a fronteira entre a “Terra Fria” e a “Terra Quente”. Quanto ao fator humano e cultural, se há diferenças, não se notam, comungamos dos mesmos traços culturais e fisionómicos, da mesma pronúncia e o mesmo falar (léxico/glossário da região além dicionário da língua portuguesa).

 

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Esta minha “insistência” neste tema das fronteiras do Barroso poderá parecer uma noia minha de, como flaviense, me querer incluir no Barroso. Longe disso, pois o sangue barrosão já me corre nas veias desde que nasci e depois, se fosse verdade, estava-me a excluir do território Barrosão, pois nasci e vivo na margem esquerda do Tâmega. Mas com isto estamos a fugir à conversa inicial que era Loivos.

 

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Pois para os de cá mais distraídos ou que não sabiam, este Loivos não é aquele que fica ali junto ao vale da Ribeira de Oura, não, este pertence mesmo ao Barroso e ao concelho de Montalegre, alí a seguir a Vilaça, entre Fiães do Rio e Paradela, na croa do monte com vistas lancadas para a Barragem de Paradela e a Serra do Gerês. É para lá que vamos agora.

 

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Engraçado que faz hoje precisamente dois anos (15 de julho) que passámos por lá para fazer a nossa recolha fotográfica para o post de hoje. Eram 9 horas e tal, já tínhamos deixado Fiães do Rio para trás, à entrada, entre o contraste da luz e sombra desenhada na estrada e produzido pelo Sol ainda baixo, avistava-se a figura de um homem. Se fosse há uns bons anos atrás poderia pensar que se tratava de uma patrulha da GNR à estrada, mas a ausência de um camarada do outro lado da estrada e a sachola que levava ao ombro deu para logo perceber que era alguém que já vinha ou ainda ia dar umas sacholadas na terra.

 

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Logo a seguir entrámos na aldeia e vemos a segunda figura humana. Uma senhora já com certa idade, de pé, parada no meio de uma escadaria. Primeiro não percebemos o que fazia ali no meio da escadaria, sozinha, parada, de pé. O vestir de preto chamou-nos a atenção. Estávamos em terras em que o luto é sagrado e quando se faz por um filho ou pelo cônjuge, é para o resto da vida. Só então, andados mais uns metros é que nos apercebemos que a senhora estava também ela num momento sagrada de oração ou meditação a meio da escadaria que davam para a capela.

 

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Continuámos mais um pouco até que desaguámos num largo, suponho que o largo principal da aldeia, com umas alminhas, um banco de pedra, umas vistas de encantar para a serra do outro lado da barragem de Paradela e mais ao lado um chafariz do tipo meados do século XX, tendo por trás uma espécie de casa aberta, um coberto talvez ou mesmo um coreto, ou ambas as coisas, onde na parede estava também colocado um expositor de avisos e editais da Junta de Freguesia.

 

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Foi nesse largo que vimos também a terceira pessoa de Loivos, igualmente uma senhora, igualmente sozinha, igualmente de pé e parada, mas no meio do largo e mais nova que a anterior, mas igualmente vestida de preto, com o mesmo luto, o mesmo pesar.

 

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Tinha com ela um saco plástico dobrado debaixo do braço. Cumprimentámos a senhora e começámos a conversar. Dissemos ao que íamos e ela disse-nos ao que estava. Estava à espera do pão, pois o padeiro já tinha apitado no início do povo. Fomos conversando daquilo que é habitual nos inícios das conversas. O tempo, o calor, as vistas, onde estava as pessoas da aldeia. Entretanto chega o padeiro, “os de Pitões”, um velho conhecido nosso mesmo sem o conhecermos, mas já é habitual coincidirmos nas aldeias que visitamos.

 

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Comprado o pão a conversa continuou, não por muito tempo, pois tinha os seus afazeres, que tinha de levar as vacas à pastagem. Vacas e gado nas aldeias são motivos que fazer despertar logo as objetivas das máquinas fotográficas, mesmo que estejam em sono profundo elas despertam de imediato. Perguntámos à senhora se a podíamos acompanhar porque queríamos fotografar o momento. Que sim, que estivéssemos à vontade, e lá fomos e lá fotografámos de rajada todos os passos das vacas enquanto estiveram ao alcance da objetiva. 16 fotografias conto eu no meu arquivo, mas só fica uma, aquela que julgo que melhor congelou o momento.

 

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As vacas lá partiram para o pasto, pachorrentas como sempre, com a dona atrás, não para lhes indicar o caminho, que esse as vacas já o conheciam, mas talvez para abrir ou fechar o cancelo. E nós partimos para a descoberta da restante aldeia. Apreciámos os canastros, estas curiosas construções que mais parecem casinhas de brincar, mas que têm ainda a sua utilidade de secar e guardar o milho.

 

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E no meio das minhas apreciações, um pormenor de uma construção chamou-me a atenção. Trata-se de uma construção de paredes resistentes em pedra (granito) à vista e assente com junta seca, com dois pisos e tipicamente a construção tradicional transmontana e que fica aqui nesta foto:

 

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Na foto seguinte (após este parágrafo) deixo a mesma construção onde manchei a amarelo as principais partes estruturantes da construção, nomeadamente as dos cunhais e a de uma porta carral.  Em todas as estruturas de pedra tradicionais é utilizado este método, no entanto há um pormenor nesta construção que faz a diferença e que sem o qual, o mais provável, a construção já teria ruído. Trata-se daquelas duas pedras que formam uma espécie de laço, colocadas por cima da padieira da porta carral. Estruturalmente falando é sabido que o granito apresenta grande resistência à compressão, mas muito pouco à flexão, ou seja, pode empilhar granito um em cima do outro que ele resistirá sempre (compressão), no entanto, se o granito não for totalmente apoiado por baixo, as zonas sem apoio têm pouca resistência às forças que se exerçam sobre ela. É o caso da padieira da porta carral da foto, que dada a sua largura, pouco mais resistiria para além do seu peso próprio. É aí que com a mestria do pedreiro aparece aquela espécie de laço por cima da padieira, que mais não é que um arco de pedra resumido a um triângulo que vai absorver toda a força da restante parede (até ao telhado), libertando assim o peso sobre a padieira da porta carral, daí ainda se manter intacta, pois sem o “laço”, o mais provável é que a padieira já tivesse rachado a meio e a construção malhado no chão.    

 

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É por estas e por outras que eu gosto do nosso mundo rural, principalmente quando com alguma sabedoria e até mestria se encontram estas soluções construtivas, soluções populares de gente que nunca foi engenheiro ou arquiteto e que se calha nem sabia ler e escrever, mas que aprendeu com outros mestres de forma ágrafa.

 

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E das nossas apreciações pessoais sobre Loivos ficamos por aqui. Vamos agora ao melhor itinerário para se chegar a Loivos, que também traçámos no nosso habitual mapa, que ficará a seguir. Pois para Loivos o melhor itinerário é o da estrada de S.Caetano/Soutelinho da Raia até Montalegre. Atravessa-se a vila e desce-se a encosta em direção ao campo de futebol (M308) até Sezelhe. Aqui abandona-se a M308 e vira-se à esquerda para a M514, passa-se por cima do paredão da albufeira de Sezelhe e 2km à frente, logo à entrada de S.Pedro, vira-se à direita (não siga em frente pois vai enganado, ou seja, se a seguir a S.Pedro chegar a Contim, vai enganado, volte para trás até S.Pedro). A seguir a S.Pedro temos Vilaça e depois Fiães do Rio, 1Km à frente estamos em Loivos, a uma altitude entre os 870 e o 920m. Fica o nosso mapa:

 

mapa-loivos.jpg

 

O que nos diz a Toponímia de Barroso ao respeito de Loivos.

 

Loivos

Há quem julgue que é um nome pessoal. Não vejo como é possível: primeiro por causa do plural, uma vez que há o topónimo Loivo e depois porque de loba ou lobo, mesmo do germânico Leura nunca chegaríamos a Loivos com as regras fonéticas que nos regem e devem reger.

Comecemos por informar que é de origem e significados obscuros e até desconhecidos e as opiniões conhecidas são insuficientes ou mesmo erróneas. Na realidade as propostas a partir do nome germânico “Leuba” ou do latino “Lupus” não têm pernas para andar.

Um documento de L.F. 1091 «petazo de loivo»  f.132 induz-me para uma leira, “um pedaço de terreno cultivado de loivo”. Com efeito, diz o texto-escritura duma Audia que doa bens à Sé de Braga, em Mondrões, Vila Real: “ 1º petazo de loivo quomodo levatur de illo rego rerillas cessaria et de alio parte per illa Tauza carveliza ad in prono pro ad aqua et 1º petazo de terreno in caput de illo…” etc.

Trata-se, sem dúvida de bens campestres, com formações de forraginosas (possivelmente até regados — “de illo rego”) junto de terrenos de pousio e da outra e da outra parte uma touça de carvalhas.

Conjecturo que loivos serão as “línguas de ovelha”, ou as “labaças” ervas de que muito gostam os animais, tanto os bois como, porcos e coelhos.

- 1258 «et de terreno de Lovyos similiter dant terciam partem» INQ 1515 e.

-1288 «aldeã de Lovyos que é de filhos dalgo… e fazem mal e sobervia aos das outras aldeas derredor de ssi…tanto lansam no alleo ca no seu e os filhos dalgo som. Dona Maria Mendes e Rodrigo Mendes de Frieeira e mosteyro das Juyas.

No Arq.Hist. Port. Já aparece Loivos, com 7 fogos e o topónimo vigorante.

 

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No livro “Montalegre” encontrámos:

Património Arqueológico

Megalitismo

A cultura megalítica floresceu na pré–história, no período Neolítico, que se caracteriza pelo aparecimento de utensílios de pedra polida, pela domesticação de alguns animais e início de actividades agrícolas primitivas que levaram à descoberta da cerâmica. O material mais utilizado era o sílex, com que se faziam facas, raspadeiras, pontas de seta e lanças, etc. A sedentarização do homem deixou-lhe tempo para o progresso social e religioso e, muito mais tarde, para

 a indústria metalúrgica. Contudo, a roda de oleiro e o arado parece terem surgido apenas na Idade do Bronze. Nessas eras a habitação do homem era ainda a gruta natural e a cabana rudimentar. Com os avanços referidos transferem-se os abrigos para sítios defensáveis em montes cónicos, próximos da água, constituindo povoados de várias famílias. No concelho de Montalegre aparecem e existem muitas provas da passagem desses povos em todo o território. Era com tais artefactos que o homem primitivo fazia as gravuras rupestres, caçava, pescava e descarnava os animais que abatia, em grutas como as de Loivos, junto ao Cávado.

 

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E ficamos por aqui, mas antes as habituais referências às nossas consultas e dizer-vos que as abordagens que já fizemos às aldeias e temas de Barroso estão agora no menu do topo do blog, mas também nos links da barra lateral. Se a sua aldeia não está lá, em breve passará por aqui, num domingo próximo, e se não tem muito tempo para verificar se o blog tem alguma coisa de interesse, basta deixar o seu mail na caixa lateral do blog onde diz “Subscrever por e-mail”, que a SAPO encarregar-se-á de lhe mandar um mail por dia com o resumo das publicações, com toda a confidencialidade possível, pois nem nós teremos acesso ao vosso mail.

 

BIBLIOGRAFIA

 

BAPTISTA, José Dias, Montalegre. Montalegre: Município de Montalegre, 2006.

BAPTISTA, José Dias, Toponímia de Barroso. Montalegre: Ecomuseu – Associação de Barroso, 2014.

 

 

 

 

 

[i] HOUAISS & VILLAR, Antônio & Mauro (2001). Dicionário Houaiss da língua portuguesa. [S.l.]: Instituto Antonio Houaiss/Editora Objetiva

 

15
Jul18

Pergaminho dobrado em dois


pergaminho

 

O barco do amor desfez-se com a repetição monótona da vida

 

 

Aquando miúdo a vida inteira ainda um mar de sonhos possíveis, o cheiro a amora do quintal do Sr. Domingos ou o cheiro da terra molhada que cheirando ainda era a melhor coisa do mundo, a casa da minha avó onde morei onze anos da minha vida num suplicio gritante de choro de alegria e onde o pátio e os vasos com girassóis jacintos se vergavam perante a circunspeção da minha avó quando em dias de falta de pão fresco na mesa ela se mostrava desolada criando logo alternativas, aquele molete do dia anterior transformado em tosta mista era a melhor coisa da existência, aí que saudades dos melhores momentos da vida, depois de passar anos a gente recorda como se fossem ontem, a vóvó a gritar

 

                 aí meu netinho sai daí que ainda te vais aleijar

 

quando eu em cima de uma árvore buscava o fruto impossível e algumas nêsperas perdidas, maduras, bem laranjinhas que já se podiam comer com agrado gosto

 

                avó achei meia dúzia que ainda estão boas para comer

 

e ela perdida em mil sorrisos e agarrada à parede que segurava a porta da entrada abanando a cabeça ficando com tonturas de orgulho por me ver, seu neto, a ter uma infância, a vóvó a dizer-me baixinho

 

                pega este docinho mas não digas à tua mãe

 

e eu logo consentia, abanava a cabeça como um soldado ao capitão e então corria para os braços da minha mãe perguntando-lhe se podia comer e obviamente não podia, a minha mãe para mim

 

                isto não é bom para os dentinhos filho

 

e eu acreditando como se eu também possuísse os poderes dos desenhos animados que via quando acordado de manhã

 

                eu também tenho aqueles poderes mamã

 

e ela dizia-me que tinha esses e muitos mais numa voz que ainda recordo esboçando uma saudade baça defronte dos meus olhos espelhados agora, no final

 

                mãe eu sou diferente de todos

 

e corria logo para os vários cadernos deitados no chão como se me estivessem esperando e escrevia ao mesmo tempo que tocava na sala Sinatra, o homem da vida da minha avó, e o que escrevia deitava sempre ao lixo tal como agora esperando a minha Memória de Elefante do António que apareça e comece a escrever-se sozinha e eu olhando imaginando eu pequeno, de pés sujos de terra e mãos pintadas devido à caneta permanente do meu pai, escrevendo escrevendo e sem que ninguém soubesse imaginando futuros para mim e eu já certo que isto seria tudo o quanto desperdiçaria a minha vida, escrevendo escrevendo, o meu pai para mim

 

                ainda vais ser um Ronaldo

 

e todos os pais querem que os filhos sejam imortais, eu para o meu pai

 

                não quero ser nenhum Ronaldo quero apenas morrer como o Sr. Domingos

 

e o Sr. Domingos que morrera de velhice já com os seus noventa e dois anos, uma vida repleta de dicotomias já distante agora, quero apenas morrer como o Sr. Domingos ter pouca gente na despedida tal como tive na vida porque a vida e a morte são parentes próximos mais do que cada um imagina, a minha avó morreu como o Sr. Domingos num anonimato conhecido por pouca gente pois nunca se morre de verdade no coração de quem julga ser eterno, eu para o meu pai

 

                quero viver muitos anos mas ter poucos amigos

 

já sabendo naquela idade que a quantidade manipula a qualidade, e nisto resumia-me à Catarina vizinha mais velha o primeiro beijo foi a ela atrás do campo de hortaliças da minha avó, rápido e molhado, um gosto distante e próprio daquela idade, e na minha lápide uma frase de Maiakovski:

 

              O barco do amor desfez-se com a repetição monótona da vida

 

enquanto roubo as amoras ao Sr. Domingos e fujo para o nosso pátio que agora é terra molhada e desprezada por todos aqueles que a pisam como se nunca tivesse existido um neto e uma avó.

 

Herman JC

 

 

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