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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

30
Abr20

Crónicas Estrambólicas

Crónica de um Primeiro-Ministro sobre Barroso - 1


estrambolicas

 

Crónica de um Primeiro-Ministro sobre Barroso - 1

 

A seguinte crónica foi escrita pelo antigo Primeiro-Ministro António Granjo, um ilustre flaviense. É a primeira de quatro crónicas sobre o mesmo tema, publicadas no jornal A Capital em 22, 26, 27, e 30, de Agosto de 1915. Reproduzi as crónicas exactamente como saíram, no português de 1915, incluindo algumas gralhas tipográficas, como as seguidas “mysteriosas” e “misteriosa”. A cópia digital encontra-se aqui  . As crónicas foram escritas numa forma simples, despretensiosa, mas com um vocabulário rico, revelando um homem culto que se interessava pelo povo mais simples e pela natureza.

 

Agradeço ao Doutor João Silva [brilhante autor de obras como: Entertaining Lisbon, Oxford Press] que, aquando das suas pesquisas históricas, encontrou uma destas crónicas e fez o favor de nos a fazer chegar.

 

O “nos” anterior é gozo, eu não sou plural, esse tipo de pirosadas para armar ao profissional não tem, nem nunca vai ter, lugar aqui nas crónicas estrambólicas, aqui não há paneleirices, nem em dia de PM.

 

Luís de Boticas

 

 

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TERRAS MYSTERIOSAS

 

O povo desconhecido de Barroso

 

Uma interessantissima região portugueza que se recommenda aos turistas, aos pintores e aos homens publicos

 

Quem passar alguns dias nas Pedras Salgadas ou Vidago ouvirá falar de uma região misteriosa, o Barroso, em que um povo desconhecido, de costumes primitivos e bizarros, vegeta n’um planalto cerrado sem vias de communicação nem linhas de agua; seis mezes enterrado na neve, arrancando das lombadas dos montados e das estreitas tiras das varzeas um sustento parco e medíocre. E' a terra em que se caça o javali, a corsa, e onde o regedor convoca a cada passo os caçadores para uma batida aos lobos.

 

Se esse aquista despreocupado fôr a Chaves, poderá comprar alguns postais illustrados com motivos barrozões, ou uma barrozã sorrindo ingenuamente sob a sua capucha, ou um carvoeiro levando pela arreata o burro com os sacos de carvão e o lenço do Alcobaça atado em forma de turbante em volta da cabeça lanuda. Se esses tipos o intrigarem e lhe despertarem o desejo de lançar o auto por essas terras ignotas até Montalegre, esse aquista duvidará se os seus olhos contemplam terras de Portugal ou alguma vaga scenographia alpina. As montanhas succeder-se-hão,  escalvadas, sem uma mancha verde, com as arestas dentadas das penedias arreganhando-se para as nuvens; aqui ou acolá, uma fila de amieiros denunciando um fio de agua, uma touça de carvalhos occupando um pequeno valle alerto entre as encostas abruptas ou um souto de castanheiros resguardando das vistas estranhas as aldeias de tectos de colmo; às bordas das estradas, vigiando os pequenos rebanhos, algumas raparigas de saias de tomentos puxadas á cintura e as pernas avermelhadas á mostra; olhando espantadas o monstro que passa, emquanto as ovelhas e as cabras trepam pelo cabeço. A Paisagem agressiva e nua desenrolar-se-ha até Montalegre como um quadro primitivo em que porventura os trogloditas ainda habitem as suas cavernas e ranjam, de longe os dentes aos- estrangeiros que de ves em quando perturbam o silencio augusto da montanha.

 

O aquista despreocupado que assim se aventurar até Montalegre, subirá ao castello e verá para o norte o Larouro, onde se criam os cabritos de cesto, o veado salta, o javali se acoita e onde a neve meio anno ostenta o seu penacho branco. Cercam-n’o as nuvens e as lendas, e dos seus três seios brotam o Tamega, o Cavado e o Lima. Em frente, descortinará os Cornos da Fonte Fria, onde o Larouco e o Gerez juntam as cabeças graniticas, como dois touros de forças eguaes eternamente luctando. Para nascente, verá estenderem-se até á fronteira gallega as terras centeeiras, sobre as quaes planam o milhafre e o bufo á espreita que o coelho e a lebre deixem as suas luras e se atrevam a comiscar a magra herva rasteira que a humidade faz nascer á beira de algum corrego. Para o poente, para além do horisonte, adivinha-se uma Iarga região onde todo um povo, disputando á descaroavel natureza o direito de viver, se terá organisado fóra das leis e das vistas do poder, com as suas instituições e os seus costumes, com os seus olhos reflectindo o azul lavado dos seus acumeos ou a negridão espessa das suas noites, os seus corações ressumando a bondade terna e fecunda das suas aguas de regadio e os seus pulsos fortes e tenazes como as torgueiras das serras.

 

Eis o que verá o aquista despreoccupado das Pedras ou do Vidago; e eis tudo quanto lá por baixo se sabe de Barroso.

 

Foi esta região que sugeriu ao dr. Leão Poinsard a idéa de que viera, em pleno seculo XX, descobrir um povo, que tantos outros descobrira quatro seculos antes. E’ uma terra por abrir aos turistas, aos pintores, aos homens publicos. Começou-se há 60 annos uma estrada que, partindo de Braga, atravessaria de lez a lez a pitoresca região e ligaria directamente o Minho com o norte de Traz-os-Montes. E' possível que outros 60 annos decorram antes que a estrada se complete. Emquanto e não, afigura-se-nos ser uma obra de misericordia revelar aos portuguezes este bocado de Portugal.

 

Antonio Granjo

 

 

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