![avatar-1ponto]()
744 - Pérolas e Diamantes: Andava eu com...
Andava eu com a minha máquina fotográfica a tirar retratos aos participantes de uma dita festa dos povos cheia de romanos embonecados e de arraia-miúda enroupilhada de dourado e coisas assim, quando me vi ali no meio dos políticos do poder autárquico, e afins, em campanha eleitoral disfarçada de inauguração do evento, onde não faltaram as chefias das forças militares, ajaezadas de gente que é capaz de ir para a guerra fardada mas que não participa numa já lá vão para aí 50 anos e apenas disparam tiros sei lá de quê nas carreiras de tiro. Reparei que o clero primou pela ausência (será que os pagãos ainda lhes metem medo?), bem assim como a oposição autárquica, que, ao que me disseram, anda muito dividida, pois em vez de escolherem um homem da casa, que o havia sério, competente e disponível, foram convidar um independente, já pretendente ao cargo vai para muito tempo, que não se mostra capaz de unir uma família desunida. E carente. E desnorteada. Senti-me, na verdade, insuficientemente embonecado para participar naquele circo ambulante. Senti-me como um palhaço triste a colaborar naquela alegre palhaçada. A ver umas bonitas e competentes bailarinas a dançar para dar nas vistas, um par de senhores a brincarem aos imperadores e um presidente de câmara com cara de caso. Pensei que é notória, nessa tal festa dos povos, uma glorificação pelo invasor, pelo colonizador, pelo opressor. E os ditos povos nem vê-los. Mas. Existe neste país a atração fatal pelo endeusamento de quem sempre o tratou mal. Começando pelos romanos e acabando nos franceses. Ou espanhóis. Ou ingleses. No final da pantomima, depois de uma piada grossa do dito imperador, e do seu assessor, sobre orgias, o senhor presidente, entre o atarefado e o presciente, convocou os jornalistas, uns mais do que outros, convém dizer, para proferir umas banalidades sobre a tal festa, que os jornalistas engoliram, que remédio, e acabaram por difundir como se fossem factos. Ou coisa parecida. No fundo, os presidentes das autarquias gostam de transformar pantomima em factos que os jornalistas reproduzem, muitas das vezes, sem crivo ou critério. Uns mais do que outros. Claro está. Pois a vida custa a todos. Mas, ao que sabemos, o senhor presidente gosta de trazer os jornalistas sempre atrás de si. Ele vive deles. Eles respondem-lhe na mesma moeda. Porque será? Não é por causa da comunicação social que o senhor presidente, com ares de George Clooney, perderá as eleições. A comunicação social é-lhe favorável, fiel, confia nele. E esse badalado descuido da atribuição de subsídios a um clube de futebol já passou à história. Falou-se dele, mas à boca pequena. Quase toda a gente vive dependente da Câmara ou da gente que nela manda. Os pequenos descuidos críticos são pagos com língua de palmo. Esta campanha eleitoral está a ser uma festa pegada, com foguetes, bailaricos, inaugurações, beberetes. E à volta, os montes a arder. As sirenes dos bombeiros a tocar. As chamas do inferno a iluminarem as noites. E o povo da urbe na festa. A fazer ouvidos de mercador. Sensível no palavrório e indiferente nos atos. A vida são dois dias. E Portugal que arda. São necessários aviões para combater os incêndios? Para o ano vamos pensar nisso. Agora vai de gastar o dinheirinho nas festas, seja dos pontais, dos povos, dos santos populares, das jornadas da juventude. Tudo num virote. Todos a colecionar cadernetas de cromos autárquicos. Devem ser às dezenas de milhares a encherem as rotundas deste país de caras larocas. Uns mais assim, outros mais assado, mas tudo vinho da mesma pipa. Um faz que vaz ou vaz que faz, aquele ama, o outro merece mais, uns mais assim e outros mais assado, uns a rirem outros a olharem fixamente o transeunte nos olhos, como a cobra faz aos passarinhos. Uns garantem ir realizar tudo e mais alguma coisa. E os outros afiançam dobrar a dose. Todos prometem o que o povo quer alcançar desde que o povo é povo: sol na eira e chuva no nabal. E o povo povinho povo faz mais um esforço inglório para acreditar. E lá vai com os da feira e vem com os do mercado. E até é tão altruísta, crente e benévolo, que vota nos que lhe andam sempre a mentir, ou a fugir à verdade – e digo isto desta forma para não ferir a sensibilidade dos leitores mais sugestionáveis – em troca de uma esferográfica, ou coisa que o valha. Pergunto-vos, será que o vosso voto vale assim tão pouco? Faço agora uma pausa e ponho-me a ler os programas políticos, de olhos piscos. Adormeço a cantarolar a canção dos Heróis do Mar: “Não há ninguém capaz de me dar o que eu queria, alegria, alegria…”
João Madureira
PS: Notei que nesta festa havia três imperadores, um que se limitava a pronunciar brejeirices serôdias, outro que só acenava e sorria. Afinal, qual deles era o fake? Provavelmente o terceiro.