09
Jan08
Chaves, Termas, Torga e uma homenagem que tarda.
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Quando se fala das termas ou caldas de Chaves temos que falar obrigatoriamente em dois nomes e duas pessoas que estão ligados a elas, por sinal ambos médicos, mas um como director clínico e outro como aquista. Claro que me refiro ao Dr. Mário Carneiro (ou Dr. Carneirinho se preferirem) e ao Dr. Adolfo Rocha ( ou Miguel Torga se preferirem também).
Quanto ao primeiro médico, a cidade já lhe prestou algumas homenagens justas, mas nunca são demais, e este blog, oportunamente, também lhe prestará a devida homenagem, não só como médico, mas também como um flaviense exemplar.
Mas hoje quero mesmo é falar da homenagem que devemos ao poeta e escritor Miguel Torga, à sua fidelidade às termas de Chaves e à cidade e concelho, ao médico e homem simples que mais que a cura, procurava a paz das caldas e da cidade de Chaves. Ao poeta e escritor que repetidamente leva a cidade de Chaves ao mundo na sua obra.
Uma justa homenagem é devida a Miguel Torga e, Chaves (entidades responsáveis), deveriam entender essa homenagem como uma honra para a cidade, pois é um nome maior da literatura do século passado, que sempre escolheu as termas e Chaves para recobro da sua paz e forças, quase até aos últimos dias da sua vida e sempre o reconheceu na sua basta obra publicada.
Da minha parte, já fiz duas tentativas de uma justa homenagem a Miguel Torga, apresentando um projecto interessante (de pessoa idónea na matéria) em tempos diferentes, à mesma entidade (responsável) mas a pessoas diferentes, com políticas diferentes, e a resposta de ambos, foi a mesma, ou seja: nada!
Da minha parte, mais uma vez, vou-lhe fazendo a minha humilde homenagem, falando do grande homem que foi Torga e também trazendo aqui um pouquinho, muito pouco, do seu ser e da sua obra.
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Fiquemos então mais uma vez com Miguel Torga, o médico Adolfo Rocha, fiel “cliente” das termas e fiel amigo de Chaves, além de flaviense sem nunca o ter sido.
Chaves, 28 de Agosto de 1992
Sem forças para cumprir o costumado ritual de banhos e massagens, espero pelos companheiros, que o levam a cabo compenetradamente, entretido a ver-me espelhado nos ímpetos e desânimos dum repuxo no jardinzinho envidraçado do balneário. Entretanto, o formigueiro de aquistas movimenta-se afanosamente. É uma procissão infinda de doentes frenéticos, alguns já meus conhecidos doutros anos, que caminham curvados, a mancar, de bengala, de muletas, obesos, esqueléticos, ictéricos, cirróticos, tolhidos de reumatismo, apostados em viver, como eu, que os observo em silêncio, a perguntar porquê e para quê semelhante freima, tão obcecada e inútil repetição de curas sem cura, tanta vontade de continuar no mundo contra os ditames da natureza, quando todos sabemos que nada vale a pena, que apenas nos espera a boca aberta da sepultura. Mas somos incorrigíveis. E persistimos no absurdo, mesmo a verificar que descoramos as flores ao passar, que ridicularizamos o amor a imaginá-lo, que estreitamos de cada mirante a largueza dos panoramas.
Pobres humanos! Nem sequer temos a justificação dos bichos, que existem sem o saber e sofrem sem consciência. Dantes, ainda nos valia a convicção de que éramos criaturas de Deus, cumpríamos na terra os seus altos desígnios, e havia um Paraíso para os mais bem-comportados. Desgraçadamente, até essa ilusão se nos foi. Agora, é por nossa própria conta que respiramos o ar empestado do ambiente, que exibimos as mazelas, a decadência e a covardia de nos escravizarmos resignadamente ao desespero.
Miguel Torga, In « Diário XVI»
E para terminar, mais palavras de Torga que, com todo o gosto subscreveria se tivesse a sua grandeza.
Chaves, 4 de Setembro de 1988
Dava tudo para que me compreendessem. Mas já me contento quando me respeitam.
Miguel Torga, In « Diário XV»
Até amanhã, como sempre nesta nobre cidade de Chaves.