Em vez de feijoada, hoje há Torga
Miguel Torga - Retrato a Carvão de Isolino Vaz
Chaves, 7 de Setembro de 1982
Nenhuma terra da pátria me cansa. Em todas a minha curiosidade insaciável de ver e conhecer encontra sempre qualquer novo motivo interessante. É o que se dá com esta. Hoje descobri que é nela que renovo todos os anos, infelizmente só por alguns dias, o prazer calmo e urbano de viver.
Miguel Torga, in Diário XIV
Quanto mais leio e conheço Torga, mais convencido estou da sua grandeza e, é com orgulho e até vaidade flaviense que, em muita da sua prosa, da sua poesia e dos seus diários, vejo e leio Chaves, vista pela humildade e grandeza de escrita de Torga.
Assim, além da ideia fixa, mantenho a teimosia de trazer aqui Torga e, de cada vez que o faço, insistir que Chaves deve uma homenagem digna a Miguel Torga. Digna e a perpetuar no tempo.
Não é só pelo facto de Torga mencionar Chaves na sua obra, ou de vir cá religiosamente todos os anos no seu “ ritual terapêutico”, mas pelas palavras que ele deixou escritas sobre a cidade e o concelho, pela divulgação que faz também da nossa história e do nosso povo, mas sobretudo, pelo elogio constante que faz das nossas termas e das suas águas, colocando-as ao lado de Anteu e filhas da mesma Deusa Gea a Deusa Terra.
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Chaves, 2 de Setembro de 1984
Integrado no ritual terapêutico dos mais anos, desde o amanhecer que sou um devoto em devoção, inteiramente alheado do resto do mundo. Quando o Outono se aproxima, toda a minha natureza doente me pede esta cura revitalizadora. E bebo religiosamente doses de água como se bebesse doses de energia. O mito de Anteu, para mim, vai até às entranhas da terra.
Miguel Torga, in Diário XIV
Mas tal como o Presunto de Chaves é afamado nos quatro cantos de Portugal sem que Chaves lhe tire o proveito da fama e publicidade ou sequer o saboreie, também Torga é da grandeza dos maiores escritores e poetas, à altura de qualquer Nobel, sempre cantou a cidade de Chaves e, como médico, o melhor publicitário (porque utilizador) das Caldas de Chaves, e a cidade, simplesmente ignora-o…certo que tem nome numa avenida, mas numa cidade onde os nós, a moca, ou até o “olho do …” são topónimos, apenas dar nome a uma avenida, nada significa. Torga merece muito mais.
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Chaves, 29 de Agosto de 1987
Os habituais 15 dias terapêuticos a ingerir linfas cálidas. Sou médico, mas acredito mais na natureza do que na ciência. E tenho inscrições votivas em todas as fontes de Portugal.
Miguel Torga, in Diário XV
Mas enfim, tal como dizia Torga, “em Chaves não há raças, mas castas”, que tal como na vinha, uma má casta nunca dá bom vinho!
A indiferença da natureza! Será ela que faz com que em Chaves nada permaneça de Torga e que por cá não haja resquício sequer das suas passagens por Chaves!? Ou serão outras indiferenças!?
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Chaves, 28 de Agosto de 1993
A indiferença da natureza! Revejo os lugares que há anos me são familiares e onde, num poema, numa frase ou num simples estremecimento emotivo, cuidei que qualquer cousa de mim permanecia e ficaria identificado. E em nenhum deles há resquícios sequer de que por ali passei. Ou então sou eu, que, de tão desfasado do mundo, me vou perdendo de vista até nos Tabores das minhas passadas transfigurações.
Miguel Torga, in Diário XVI