Pedra de Toque - O Olhar
O OLHAR
Se não eras tu, era alguém com os teus olhos.
Verdes, fundos, mas mais baços, mais tristes...
Outrora eram brilhantes e sorriam a cada esgar.
Ruborizavam quando no jardim atapetado de Outono te murmurava que contigo encantaria todas as noites e que sem ti o futuro seria breu.
Passaram cinquenta longos anos.
No bulício da rua na grande cidade, revi o teu olhar sedutor, envolvo em pequenas rugas que vincavam tua pele sedosa.
O teu semblante e o teu corpo não exalavam a frescura que ainda consegui respirar na momentânea viagem pela memória que me levou ao passado.
O tempo é inexorável. Cruel, muitas vezes.
Porque impiedosamente degrada, enruga, definha.
Para nos salvarmos é importante resguardar a memória, perscrutar a beleza que permanece por dentro.
Nem que seja através dos silêncios.
Nem que seja através do olhar.
António Roque



