Pecados e Picardias - Por Isabel Seixas
A Maluca
Consciente da curiosidade que suscitava a mulher assumiu o seu ar mais provocador e caminhou imune ao escárnio e mal dizer dos olheiros habituais da esplanada da praça mais concorrida da cidade.
Envergava com segurança de quem quer dar nas vistas o chapéu vermelho a condizer com a carteira o cinto e os sapatos, acessórios de um fato saia e casaco preto, justo, que fazia jus às medidas protocoladas de um corpo elegante e feminino.
Sentia a liberdade conquistada a pulso, como quem enfrenta um tumulto e sai de pé defendendo o direito à autodeterminação dos seus sentimentos, como um nutriente constante da sua auto-estima, considerava-se corajosa e capaz de articular um não mesmo em ambiente adverso…
Sentia nas costas os murmúrios gerados à sua passagem, sabendo de antemão que simbolizavam o regozijo que traz a pseudoprevaricação da norma instituída e da ousadia de ousar…
Passo firme congruente com um respirar fundo e amplo de oxigenação merecida por sentimento de bem estar consigo mesma.
Finalmente livre.
Entrou no café sem sentir ao de leve sequer as queimaduras dos olhares da censura com um tapete disfarçado de inveja pura servido em sorrisos de arrogância de quem não admite diferenças no estilo de vida.
Sentou-se confortável e aguardou o café, pretexto para poder aparecer e ser mote.
Sorriu divertida indiferente a olhares peregrinos e especuladores…
Pensavam que sabiam, oh louvado seja Deus, nada melhor que o sabor da fama com duplo proveito , sorveu o café encerrou o sorriso e gozou a atmosfera de dúvida que tinha gerado, cumprimentou com um estudado e discreto acenar o casal consensual, e pensou.
Nada que o tempo não apazigúe…
A tempo ainda de ouvir, sem lhe dar ouvidos, o mais atrevido outorgando-se direitos,” lá está a maluca.”
E ficou sem saber quem peca ou quem é pecador…
Isabel Seixas
In Espólio



