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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

30
Set24

De regresso à cidade...


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Mais uma segunda-feira e mais um regresso à cidade, pela rua Verde, mas a preto e branco, e não é para contrariar, nem para contrastar, é por nada em especial, apenas apeteceu-nos trazer aqui um p&b para variar, sem o ruído da cor, isto enquanto não chega a magia das cores de outono, que não tarda muito e estão por aí…

 

Uma boa semana!

 

 

 

 

 

30
Set24

Quem conta um ponto...


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700 - Pérolas e Diamantes: O papagaio e as gralhas

 

Era entusiasmante, depois dos estudos, sair junto com os amigos do bairro para fazer voar o papagaio de papel. Era comovedor ver o papagaio subir a grande altura. O papagaio era feito de velhas folhas de jornal que continham, muitas delas, notícias preocupantes, mas, uma vez o aparelho no ar, deixávamos de pensar nisso e entretínhamo-nos a puxá-lo, aos sacões, com um fio. Queríamos acreditar que, como nos sugeria a linda catequista, o objeto voador nos arrancava do espírito as preocupações terrestres e nos levava consigo – ó credulidade juvenil! – para as regiões celestiais. Quando chegava a hora de enrolar o cordel, e quando o papagaio começava a descer pouco a pouco, abandonando aquele espaço de luz esplendorosa, para aterrar, oscilando, no chão, inerte como uma criatura morta, todos nos sentíamos a emergir de um sonho. Depois algum de nós apanhava o papagaio, olhando em redor com um ar alucinado, como se a ave de cana, papel e cola tivesse sido abatida por algum caçador furtivo. Tão entusiasmados andávamos que prometemos uns aos outros construirmos um papagaio de papel maior do que o primeiro.

 

Mas promessas leva-as o vento.

 

Aquele papagaio fazia-me sempre lembrar do vitral da igreja e do seu brilho suave, onde pontificava a pomba do Espírito Santo que irradiava luz sobre a cristandade. A crer nas notícias que enchiam as páginas dos jornais de que era feito o papagaio, parece que a luz da ave divina, em vez de iluminar os seres humanos, os cegava. A guerra é a guerra, no céu e na terra… cruzado, cruzado, segundo diz o Fausto Bordalo Dias.

 

E o soldadinho na guerra colonial a matar e a morrer, como um passarinho a quem expulsaram do ninho antes de saber voar, em defesa de uma terra que não era a sua. E a bonita catequista à espera e a rezar para que o seu mancebo, feito militar à pressa, viesse da guerra são e salvo. 

 

O soldadinho não voltava do outro lado do mar, avisava José Afonso. Mas o papagaio voava sob o céu do nosso bairro.

 

Os próximos éramos nós.

 

A ir para a guerra.

 

E as gralhas desciam da torre da Sé para deambularem por ali e nos meterem medo. Os mandantes de então estavam quase tão enferrujados como os ferros que encimavam o muro do velho cemitério. Aos domingos, os homens jogavam o chinquilho para entreterem a pobreza e o pavor. Concediam aos que passavam um olhar sem brilho. Pareciam cavalos cegos a pastarem no meio dos caminhos.

 

Tudo era lacónico, sobretudo as palavras. Os olhares eram receosos e os gestos tímidos. Cada um encolhia-se como podia. Uns pareciam cansados. Outros desiludidos. A tristeza libertava nas pessoas uma espécie de marcas viscosas como as que deixam os caracóis. A esperança numa vida melhor era semelhante à chama de uma vela a tremeluzir ao vento. O velho ditador, de voz metálica e roufenha, era ao mesmo tempo bispo, padre e sacristão. Vigiava até o olhar de quem ia tomar a hóstia. Os rostos dos indivíduos pareciam janelas fechadas.

 

As personagens mediúnicas contorciam-se para exaltar os seus sentimentos, para abrandar a sua fúria. A sua monomania litúrgica enchia o país do cheiro a cera, incenso e a naftalina. O povo vivia mergulhado em ignorância e inocência. Esse era o estrume da ditadura.

 

O velho ditador residia no meio das gralhas que vigiavam tudo. As gralhas tinham o tenebroso hábito de aparecerem na casa das pessoas desbocadas, durante a noite, para as prenderem. O ditador tratava o seu povo com condescendência e rudeza. Com distância. E ele, o povo, retribuía-lhe com penitência, pejo, orgulho, amor, lealdade. E humilhação.

 

Este nosso lar parecia uma velha casa abandonada, onde no quintal nascia erva ruim e as folhas caídas cobriam os passeios com o seu aspeto de tapete húmido. O vento de inverno uivava em redor. A chuva fria batia na vidraça das janelas. O luar criava fantasmas nas paredes dos quartos, velando toda a noite a solidão.

 

Enquanto as gralhas vigiavam o nosso sono, o velho ditador fazia amor com as suas amantes, que tanto podia ser uma loira e pecaminosa francesa como uma beata, a morena portuguesa que lhe tratava das pitas e dos láparos.

 

Depois oravam em conjunto. E lavavam os preservativos para poderem ser utilizados uma segunda vez. E não mais.

 

Agora invoco José Mário Branco, e enquanto o papagaio de papel sobe no ar, e enquanto eu e os meus amigos de outrora nos emocionamos com a antiga emoção do seu voar, com tantas guerras travadas, já não sou capaz de fazer as pazes. São milhões as flores que destruíram as ruínas, inclusive os cravos. E as rosas. E os lírios. Cá dentro só inquietação, inquietação. E giestas. E urzes. E tojos. E eu a olhar para as poldras. E eu a ficar pelo caminho. Porquê, não sei.

João Madureira

 

 

26
Set24

O Factor Humano

Os Rios Impossíveis


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Os rios impossíveis

(8)

 

Poucos sabem já como se chega até ela.

 

Ninguém a atravessou nos últimos anos, e no entanto lá continua, não necessitando de olhares para se manter firme, em terras perdidas de um Barroso que não mais existe.

 

Já se fizeram pontes para dar acesso a um só moinho, num tempo em que o pão era o sonho dos pobres; pontes para comboios e para cabos eléctricos, até para lobos, mas aquela ponte, de arquitectura notavelmente simples, toda em granito poético e rugoso, foi feita para a água atravessar o rio, da margem direita para a margem esquerda.

 

Águas por cima de águas, correndo perpendiculares, numa delicada cruz de vida.

 

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Fotografia de Inês Torrado

A levada, agueira, como eles lhe chamam, nasce numa presa a montante, numa altitude superior à da aldeia de C. e trazia com ela a água de que todos necessitavam. Às vezes esta vinha recheada com rãs e até com trutas.

 

A orografia obrigou a construi-la na margem norte do rio e a poesia dos construtores permitiu-lhes imaginar a tal ponte, na qual a água atravessa o rio, para então se dirigir a C. situada na margem sul.

 

Um rio que dá à luz, e à escuridão, outro rio, que depois de um trajecto de infância próximo da mãe, dá a volta por cima e afasta-se para uma nova vida. Escolhe desaguar naquela aldeia e não ir morrer num qualquer oceano longínquo.

 

(Com um abraço para o Sbou, que me ensinou o caminho, e um dia atravessou a ponte comigo.)

  Manuel Cunha (pité)

 

 

23
Set24

De regresso à cidade com o equinócio de outono


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Pois é, fomos de fim-de-semana ainda no Verão, mas estamos de regresso à cidade já no outono. Não sei se deram conta, mas o equinócio de outono aconteceu ontem às 12H44, ou seja, veio para almoçar, com chuva, que desta vez, mesmo para quem não gosta dela, agradeceu, já todos andávamos fartos de tanta secura, fumo e incêndios.

Para celebrar o regresso do equinócio de outono, deixamos uma imagem a condizer, com chuva, embora a chuva já seja doutro outono, mas não muito distante, pois é do último outono. Chegou o outono, cegou a chuva a seguir lá virá o frio e os Santos, que não tardam estão aí. Venham eles, o frio, os Santos e tudo que vier, nós cá estaremos para os receber.

 

Uma boa semana, e ao que parece hoje será sem chuva, mas estará já de regresso amanhã, passado amanhã e depois…

 

 

23
Set24

Quem conta um ponto....


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699 - Pérolas e Diamantes: Isto está uma confusão pegada

 

Isto está uma confusão pegada: marxistas burgueses, fascistas democráticos, fidalgos proletários, camponeses e frades motoqueiros, gente espirituosa cheia de celulite, gente com máscara por cima da careta, intelectuais destruídos pelo seu saber, parvos a escreverem versos, poetas a fazerem-se de parvos, romancistas a redigirem madrigais sobre a infelicidade carnal. E como se tudo isto ainda não fosse bastante, os políticos de agora não passam sem decifradores de enigmas, intérpretes de adivinhas e criadores de ambientes ambíguos. Os capitalistas até se pelam por patrocinarem fundações onde os caniches, por eles subsidiados, se afirmam defensores das letras e do bom gosto e elogiam o estímulo às artes por parte de quem as detesta. Visitar salões ainda continua a ser mais divertido do que ir ao teatro ou à ópera. É sempre delicioso apercebermo-nos da agitação, das intrigas políticas, empresariais e amorosas, da comovente estirpe dos dominados, do sonho vaidoso dos aristocratas e das preciosas ridicularias dos burgueses. Como diz Rubem Fonseca, artistas em geral e escritores em particular, são as mais invejosas das criaturas. Coitados dos caniches. De certa maneira, a inveja é uma forma de elogio. Já Montaigne dizia que era melhor ser invejado que amado. Provavelmente Montaigne nunca afirmou isto, mas eu prefiro acreditar que sim. Gente pura, amante e amada só nos contos de Charles Perrault. Provavelmente já não já charlatões, hipócritas e gente libidinosa. Tartufos são gente de antigamente. Nesses tempos mandavam-se os pecadores profundos para o inferno. Mas como agora extinguiram os domínios ardentes do Demónio, para onde irão essas criaturas? Provavelmente para o limbo. A liberdade religiosa tem destas coisas. Acaba com umas coisas e não sabe o que fazer com outras. Os privilégios dos protestantes e dos islâmicos são agora imensos, bem assim como os dos imigrantes e os dos ciganos. Cura, cura-te dos pecados, se é que podes! Anjos. Demónios. Jesus. Jesus? Ai Jesus! Aí vem o Lobo Mau a tocar o berimbau. O Capuchinho Vermelho que se cuide. Vá lá, caniche, levanta os olhos do iPhone e vai dar banho ao dono. Dobrar os joelhos e fazer mesuras nas festas dos poderosos é agora menos doloroso. Alguns dos convidados até conseguem vir de lá com uma ou duas medalhas de mérito e bons serviços. Vamos lá pacificar os verdadeiros devotos. Vamos lá lembrar as palavras do bom Montaigne: “O meu espírito não foi feito para se dobrar, mas os meus joelhos sim.” Os sectários, religiosos ou não, apenas entendem aquilo que querem entender. O ódio é um sentimento duradouro. As pessoas muito vingativas são também as mais pacientes. Quem se esconde atrás de palavreado fá-lo para esconder a sua ignorância. Na verdade, somos todos um pouco hipócritas. Mas a falsa devoção é a sua forma mais comum. E a mais abjeta. A maior fraqueza humana reside no amor que se tem pela vida. Os caniches também têm crises de melancolia. Os caniches são interesseiros, por isso não cometem desatinos que os prejudiquem. Mas entre os caniches e os seus donos estabelecem-se relações estranhas. O caniche ama o seu dono, sem o estimar. Enquanto o seu dono estima o caniche, sem o amar. Pobre caniche. Pobre dono. Tanta estima mal aproveitada. Chegam mensagens e mensageiros de todos os lados, apesar da mensagem ser sempre a mesma, mas com palavras aparentemente diferentes. Na Torre de Babel moderna  todos falam a mesma língua para trabalhar, o inglês. E as outras línguas, as que agora são utilizadas para as conversas em família e para o amor, acabarão por se render. Com razão, ou sem ela. O que vem a dar no mesmo. A verdade é que não é preciso ser muito sábio para escrever banalidades e agradáveis zombarias. Mas desde aqui faço um pedido para que os leitores mais benevolentes reservem o seu riso para os dichotes dos escritores mais sábios, conhecidos como mestres ou escritores premiados. Ou para aqueles que começam por fazer piadas sobre gatos que cheiram mal e acabam a ganhar bom dinheiro sobre isso, sobre aquilo e sobre mais não sei o quê, com a devida autorização e beneplácito do homem do bolo. Ser bobo da corte ainda continua a ser uma boa maneira de ganhar a vida. Sobretudo se se for politicamente correto.

 João Madureira

19
Set24

O Factor Humano

Os Rios Impossíveis


1600-cab-mcunha-pite

 

Os rios impossíveis

(7)

 

Quando se olhava desde o cimo da serra, era nítida a definição de um trajecto, de nordeste para sudoeste, como quem procura o mar.

 

No entanto era um rio sem correntes, descontínuo. Ia nascendo múltiplas vezes, em cada um dos seus generosos poços, alguns com mais de dez metros de diâmetro.

 

Apesar da transparência das suas águas, a profundidade dos poços não permitia que se avistasse o seu fundo, indefinido e misterioso.

 

A cor e o sabor das águas eram iguais em todos os poços e quando trovejava no cimo da serra, subiam os níveis das águas e estas tornavam-se barrentas, de montante para jusante.

 

Era neste estranho rio que Manuel pescava, com a minhoca, em especial nos dois poços iniciais, próximos da cumeada.

 

7-imagem.JPG

Desenho de Inês Torrado

Um dia prendeu, no poço a jusante, uma truta gigante, que acabou por lhe partir a linha, após um curto combate, e desaparecer na profundeza das águas.

 

Manuel sorriu, conformado, e substitui o fio por um nylon bem mais grosso, capaz de levantar um garrafão do chão.

 

Durante semana voltou ao mesmo poço, todos os fins de tarde, sempre sem sucesso.

 

Finalmente rendeu-se à realidade e foi tentar a sua sorte no poço a montante. Logo no primeiro lançamento a cana dobrou-se toda e o carreto "cantou", cedendo fio, que desta vez resistiu firme a um longo combate.

 

Quando finalmente venceu a truta Manuel afastou-se das águas e abriu-lhe a boca para libertar o anzol. Nessa altura viu, para seu espanto, um outro anzol igual, ainda com um pequeno nylon atado, na mandíbula superior do grande exemplar que tinha pescado.

Manuel Cunha (pité)

 

 

16
Set24

De regresso à cidade... e às aulas

Pela Rua do Poço


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Hoje o nosso regresso à cidade é feito pela rua do Poço, um topónimo antigo “desde os tempos imemoriais” segundo Firmino Aires da “Toponímia Flaviense” e que se mantém, mesmo não se sabendo se realmente existiu por lá algum poço, pois a única coisa que existe sobre a sua existência, ainda segundo Firmino Aires é um documento oral que chegou até nós pela “tradição popular”, mas em nada contesto o que quer que seja ao respeito deste topónimo, aliás sempre conheci esta rua por esse nome e até gosto, para além de permitir aos historiadores locais os arbítrios do costume.

 

Hoje é uma rua essencialmente destinada a habitação, exceção para o Quim Sapateiro que tem lá a sua oficina, mas foi nesta rua que nasceu o Liceu de Chaves, inaugurado a 5 de outubro de 1903 e ocupava dois edifícios, um em cada lado da rua, mas ligado por um passadiço superior que, infelizmente, não chegou até aos nossos dias, e o infelizmente é apenas, e só, porque sempre os achei interessantes como uma solução arquitetónica de unir construções. Infelizmente também se perdeu o único que eu conheci ma cidade, mais precisamente na Madalena que unia a antiga capela de Santa Maria Madalena ao edifício adossado à ponte romana e confrontante com o rio, mas este da Madalena, ao contrário do da Rua do Poço, não era coberto. De ambos, hoje, apenas existem fotografias.

 

 

16
Set24

Quem conta um ponto...


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698 - Pérolas e Diamantes: A direção correta

 

Os burros da democracia são pequenos. Os burros do fascismo eram grandes. Bem vistas as coisas, nem sequer os historiadores percebem bem a História. Nem as histórias. Os burros pequenos são bons de substituir. Já os grandes eram outra coisa. Morriam vitimados pela fome urgente. Tudo era tão lento antigamente! As horas infinitas. As segundas-feiras cheias de urtigas. A tristeza perpétua. A esperança inexistente. A pátria a chamar por nós. Ultramar. Mentiras e derrotas transformadas em vitórias e verdades. Nós sempre os peões do xadrez. O silêncio. O amor e o silêncio. O amor. O silêncio. O silêncio. O silêncio. O ultramar. Nós na escola a afagar mentiras. E a suportar as reguadas do professor. E a rezar orações para que a palmatória do verdugo de crianças se quebrasse e lhe batesse na testa para o fazer chorar. Ou arrepender-se. Por vezes o passado irrompe pelo presente e provoca calafrios. Tanta coisa começou a correr para tropeçar e cair a meio do caminho. Faz parte da história. Continua a ser triste ver homens a vender passarinhos engaiolados. Ou lembrar beatas a espanarem o pó aos santos. Ou a recordar o som cavo do vómito dos bêbados ao saírem das tabernas. Ou a rememorar a ida às hóstias para o padre Zé e a recompensa de ficar com as sobras do pão ázimo. Ou as manhãs de domingo a ler os livros de banda-desenhada do Mandrake, do Flash Gordon, do Cisco Kid, do Luís Euripo e do Príncipe Valente. Ou os mergulhos de mar na colónia de férias. Ou as cabeçadas dos robertos nas feiras. Não sei se me consigo salvar no meio deste turbilhão de memórias. Há gente que diz escrever crónicas. E escreve-as, de facto. A ser assim, porque assim é, eu escrevo outra coisa. Situações, intrigas e pretextos de superfície ficam para os sábios, que são os sabidolas de sempre. É duro andar atrás da verdade e encontrar a mentira. É ainda mais duro investigar a mentira e encontrar a verdade. Nada é aquilo que parece. Olhamos para o interior e vamos perdendo o sentido. Consomem-nos os anjos e os demónios, as leituras, as abordagens e a solidão. E os mal-entendidos e os despojos dos dias. E as narrativas sem factos. E os factos sem narrativas. Em verdade, em verdade vos digo, o bem não é feito de círculos concêntricos. Eu procuro, como muitos outros, o sentido da vida, mas nesse descaminho apenas encontro os Monty Python a escreverem as piadas mais sinistras e inteligentes do mundo. Always look on the bright side of life. Na volta cá os espero. Todos almas do Purgatório a aquecerem-se nas labaredas das palavras e nas imagens do catecismo. A piedade é toda gasta em churrasco e minis. Mas, verdade seja dita, cada um de nós oculta dentro do seu peito um coração sensível. A verdade é que no Purgatório apenas se apanham queimaduras de segundo grau. Ou seja, dá para aguentar. O vento traz da serra o cheiro enjoativo das mimosas. Não sei que horas são neste mundo onde elas estão por todo o lado. O tempo antigamente ficava lá longe. Agora está aqui perto de nós. À espera. E nós à espera dele. E ele à espera. De nós. Não há como fugir-lhe. Jesus tinha razão quando avisava, no Evangelho de São João : “Não entendeis o que eu digo porque não entendeis o que eu penso.” Uns morrem de juventude e os outros de velhice. Isto continua a não fazer sentido. Dizem que o furor poético nasce da desordem. Isto continua a não fazer sentido. Metáforas indiretas são agora a minha fonte de alimentação. Provavelmente, não se desce de uma cruz vivo. Essa é a minha certeza religiosa. Saint-Exupéry dizia que é preciso gostar das pessoas sem o mostrar. E eu a tropeçar neste entendimento, nessa ternura vigilante. A revolução faz-se por dentro. Será que os anjos usam óculos? Alguém voa por cima dos pesadelos. E eu a beijar o orvalho. À espera. A embrulhar um sorriso como se fosse um pastel de Chaves. A inclinar-me para trás por causa da dor nas costas. A cruzar as pernas em sentido contrário. A esconder a aflição debaixo da ironia e a discutir a ilusão da literatura. A vigiar o desleixo. As palavras não consolam. Os anjos, além de míopes, ficaram obesos. Nos sonhos de criança não cabiam as angústias da prosa. A direção correta é uma coisa invisível.

João Madureira

 

 

 

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