Quem conta um ponto...
487 - Pérolas e Diamantes: Nós até temos potencial
Nós até temos potencial para sermos pessoas decentes. Aprendemos desde jovens que nunca podemos discordar dos superiores e nunca devemos concordar com os subordinados. Apesar de querermos ser estimados por ambos.
Nós adoramos clichés e simplificações revestidos de uma boa dose de verdade. Democracia é mesmo assim: devemos gostar das pessoas em abstrato e não em concreto
A nossa revolta, ou indignação, manifesta-se com ligeiras quebras de disciplina. Nós tentamos sempre manter as coisas dentro dos limites.
Quando decidimos ir para a frente pensamos que podemos voltar para trás. Gostamos de aguentar. Aguentamos até na hesitação. Mas não aguentamos os paradoxos.
Os portugueses têm tendência para apreciarem tiranos com voz doce.
Uma coisa nos distingue de muitos povos do mundo: a vulgaridade. E a docilidade. Somos muito compreensivos.
Algumas vezes a nossa presença de espírito faz-nos ter razão, mesmo quando a não temos. E isso acaba por confundir-nos.
Nós, por cá, gostamos muito de pertencer a panelinhas ou grupos para que na confusão geral se safem os protegidos. Os melhores de nós adoram organizar e dinamizar o “Clube dos Chatos”.
Nós somos muito de arrumar as coisas, desarrumá-las e voltar a arrumá-las de novo.
Gostamos muito de rezar, menos por esperança e mais para mostrar respeito.
A verdade é que continuamos a ver o Sol acima da linha do horizonte. E somos capazes de aguentar uma tempestade e ainda nos rirmos disso.
A verdade é que também temos sido heróis na resistência à hostilidade dos outros. Apesar de insistirmos na arte da ilusão, continuamos a caminhar de cabeça erguida. Continuamos a manter uma certa fé na humanidade.
E vivemos confortáveis no meio de centenas de insignificâncias que dão algum sentido à vida. Nós somos daqueles que prensam os trevos de quatro folhas nos meios dos livros pensando que eles dão sorte.
Caros compatriotas, ao contrário daquilo que nos dizem, a pobreza é degradante. A realidade e sempre permeável. O entendimento através da perspetiva das classes sociais é sempre enganadora.
Estar habitualmente entre pessoas que partilham os mesmos pontos de vista é não só redutor, como basicamente estúpido. Ninguém consegue aprender ouvindo o seu próprio eco.
Mas por que razão desejamos parecer-nos com as pessoas que desprezamos?
A verdadeira sabedoria resulta sempre de um certo sofrimento.
Quer queiramos ou não, o país continua a ser provinciano. E não existe nada mais ridículo do que a leviandade dos benzedores que se querem armar em curandeiros dos aprendizes de feiticeiro.
Todos nós sabemos que a esponja totalitária costuma funcionar em momentos dramáticos. Sempre foi assim. E sempre assim será. Mas todos sabemos o resultado da sua praxis: ilibar os culpados e condenar os outros.
Os medíocres pensam que a ordem está sempre na ponta do bastão e que a inteligência e a cultura são potencialmente perigosas, ou diabólicas.
A maioria dos nossos dirigentes e estadistas não passam de epifenómenos, mal saem das luzes da ribalta já ninguém se lembra deles.
Nós passamos do fatalismo à exaltação, e vice-versa, com uma facilidade digna de estudo.
A verdade é que a esquerda radical ao investir cegamente contra a União Europeia faz o jogo do neofascismo. E ele, como todos sabemos, é um vírus perigoso. O problema é que essa esquerda é, também ela, geneticamente virulenta. Apesar das mutações ensaiadas, tanto o neofascismo como o esquerdismo leninista, não deixaram de ser letais quando chegaram ao poder.
A ofensiva antieuropeia continua a ser uma espécie de ato gratuito e desastroso planeada por políticos revanchistas, populistas ou fracassados.
A União Europeia não pode ser um espaço de oposição inconciliável entre sindicatos e empresas, entre povos e nações ou entre tecnocratas e intelectuais. Tem que ser uma realidade política que nos englobe a todos. A todos sem exceção. Só dessa forma deixaremos de ser provincianos.
Mas uma coisa temos de exigir, que essa União Europeia, quando nos escreve, seja clara e se deixe, definitivamente, de nos enviar cartas com trechos onde não sabemos se nos elogia ou nos ofende. Ou as duas coisas ao mesmo tempo, o que não deixa de ser patético.
João Madureira