Pergaminho dobrado em dois
Uma crónica de felicidade e cautela
Da minha janela, imagino Shakespeare a gritar, lá para as três da madrugada ajeitando de esguelha o seu colarinho felpudo tão másculo: - Puto, planta o teu jardim e decora a tua alma, ao invés de esperares que alguém te traga um raminho de flores, aquelas que até fazem chorar os paralelepípedos da calçada. Isto acontece-me sempre quando reflito na insipida e rápida vida que temos e o quanto somos tão vulneráveis e impotentes perante ela, ou todas as vezes que recebo notícias que sobreaquecem o coração, algo do género: “Resultado: Colocado”. Então aí, nestes pequenos momentos, não precisamos de mais nada do que ler Shakespeare às escuras ou de tomar um banho de humildade, nunca descorando a sábia frase do meu tio, “vamos todos morrer, não te estejas para aí a gabar”. É verdade tio, é preciso ter cautela.
Entrei em Teatro e Artes Performativas, primeiro porque se não for pela Arte ainda fico como toda a gente. Segundo, como sou jovem ainda tenho muita energia para me masturbar de criatividade. Terceiro, para um dia fazer pouco dos meus colegas bem-sucedidos enquanto exponho com toda a criatividade a minha apetência em fazer de Rei Lear enquanto tiro uns finos no Avante. Vida de artista, é o que é.
Os meus pais ficaram muito contentes, viram no filho uma vontade exacerbada de nunca mais desejarem outro. “Este chega”, diziam eles e agora percebo o porquê. Há que ter um orgulho naquilo que o filho poderia ter sido. Agora estão na fase de adaptação, parece que têm um chacal em casa a recitar teatros de Bretch. Tenho que entrar no drama e nos recitais agora. Estou tão feliz que parece que vou fazer de Alladin num musical da Broadway.
A minha mulher permanece hirta e cheia de dúvidas num futuro próximo. Já lhe chegou aos ouvidos que – dizem – me meti nisto do teatro e assim porque era a via mais infalível de adormecer nos lábios da madrinha de praxe. Tudo mentira, é claro. Vão dizer isso a ela. Para não dizer que – segundo ela – já era tempo de parar de me coçar e fazer-me à vida.
Em suma, é tudo muito divertido isto de ser universitário, eu que tinha uma opinião tão própria acerca dos transeuntes que lá estudavam. Bem, agora é matricular-me o mais rápido possível e começar o bem-bom. Espero é que esse bem-bom não venha com muito álcool, senão já estou a prever o desfecho. Mas como sou um rapaz equilibrado misturo sumo e bebe-se que nem ginja.
Estou a brincar, achavam mesmo que imaginava Shakespeare de colarinho felpudo?
Herman JC