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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

23
Mar16

Chá de Urze com Flores de Torga - 123


1600-torga

 

Carvalhelhos, 24 de Junho de 1956

 

Conhece-nos,  o sexo fraco! E tanto monta que a psicóloga seja uma requintada Madame de La Fayette, como qualquer parola de Trás-os-Montes. Esta tarde, em Vilar, povoação serrana que visitei para ver uma tábua bem bonita, porque só me apareciam velhas à porta das casas, meti conversa com uma, a tirar nabos da púcara.

- Quantas viúvas há cá na terra?

- Quarenta e duas.

- E viúvos

- Três.

Espantado com semelhante desproporção, perguntei-lhe a causa.

- É que os homens são mais aflitos…

Miguel Torga, in Diário VIII

 

 

1600-cova (48)

 

 

Carvalhelhos, 25 de Junho de 1956

 

Olho a serra. E diante desta natureza sem disfarces, aberta para todos os horizontes, sinto como que uma centrifugação do espírito. Ando, e parece que voo; tento localizar-me, e perco-me na indeterminação. Uma espécie de nomadismo da alma descentra-me e liberta-me das amarras mesquinhas da vida compartimentada. E compreendo de repente a força universal que impregna os gestos e as palavras destes barrosões, puros na impureza, que lavam as mãos no sangue dum semelhante e há mil anos que descobriram o cepticismo moderno. Homens para quem o absoluto é o relativo clarificado, e que por isso entregam desta maneira a filha ao namorado que lhe pede casamento:

Pastora é,

Gado guardou;

Sebes saltou;

Se alguma se picou,

Tal como está

Assim vo.la dou…

Miguel Torga, in Diário VIII

 

 

16
Mar16

Chá de Urze com Flores de Torga - 122


1600-torga

 

Carvalhelhos, Barroso, 18 de Junho de 1956

 

Tarde de pesca, mas só a ver. Não sou homem de anzóis. Seja qual for o sonho que me apeteça prender, luto com eles de caras, sem isca. Entro nos matagais aos tiros, a avisar as perdizes que lá vai metralha. Agora que deve ser cómodo atirar um engodo fingindo à realidade e puxá-la depois até nós com a manivela da astúcia, deve. Enche-se o cabaz, e volta-se para casa fresco como uma alface, mesmo que se tenha chafurdado o dia inteiro – ou a vida inteira…- num baixio de águas turvas…

 

Miguel Torga, in Diário VIII

 

 

1600-barroso XXI (334)-1

 

 

Carvalhelhos, Barroso, 21 de Junho de 1956

 

PASTOREIO

 

Uma cabra montesa no pascigo;

Fiel ao seu balido,

Um fauno apaixonado;

Entre os dois, um açude adormecido,

Imagem do instinto represado.

 

Corcunda como a vida,

Uma ponte arqueada de suspiros

A ligar as arribas do desejo;

E um guarda ao passadiço, uma presença humana,

- O pastor, a moral quotidiana…

 

Miguel Torga, in Diário VIII

 

1600-pereiro-agra (209)

 

Carvalhelhos, Barroso, 23 de Junho de 1956

 

Confesso a minha pena: tenho medo de trovoadas. Quando o rosto da natureza se começa a congestionar, começo eu a empalidecer. É que não tenho defesa. Contra o ódio dos homens, nunca o instinto se sente inteiramente desamparado: há sempre outros homens, limpos de alma, capazes de nos acudir. Mas diante da violência obtusa e cega dos elementos, parece que o mundo se despovoa, esvazia, e tudo à nossa volta se rende, abdica e acobarda. No auge da aflição – e isso aconteceu-me há pouco, no alto da serra -, chega-se a gente a um castanheiro, vegetalmente hercúleo e oficialmente acéfalo, e o desgraçado treme como nós!

 

Miguel Torga, in Diário VIII

 

 

09
Mar16

Chá de Urze com Flores de Torga - 121


1600-torga

 

Negrões, Barroso, 28 de Maio de 1955

 

Por mais que tente, não consigo reduzir estas vidas de planalto a uma escala de valores comuns. Foge-me das duas mãos não sei que força incomensurável que, exactamente por ser assim, se alcandora nos olimpos possíveis do mundo. Nada existe aqui de notável a testemunhar uma actividade humana superior ou singular. Seres esquemáticos , num ambiente esquematizado. E, contudo, cada indivíduo parece trazer à sua volta um halo de intangibilidade divina.

 

Talvez seja a própria pobreza do meio que, despindo-os de todo o acessório, lhe evidencie a essência. E a nossa perturbação diante deles seria a perplexidade de pobres Adões cobertos de folhas diante de irmãos que permanecem nus.

Miguel Torga, in Diário VII

 

1600-negroes (1)

 

Gerês, 12 de Agosto de 1955

 

Serra. Sempre que me encontro aqui, quando chego a este dia, perco-me pelas fragas. Vou fazer anos à Calcedónia, ao Cabril ou à Borrajeira – aos picos mais altos da Montanha. Que ao menos o espírito, que vai morrendo no corpo, tenha assim um vislumbre de ressurreição.

Miguel Torga, in Diário VII

 

1600-carvalhelhos (1)

 Carvalhelhos

 

Carvalhelhos, Barroso, 17 de Junho de 1956

 

A doença tem-me dado muitas horas amargas, mas devo-lhe também uma intimidade com a pátria de que poucos portugueses se podem gabar. Obrigado a procurar a esperança em cada fonte, passo a vida de terra em terra, com as tripas na mão. E até a este Barroso vim parar! O problema, agora, é estar à altura das alturas onde me encontro. O escrúpulo dos tempos em que comungava, tenho-o presentemente quando me aproximo do povo. Estarei puro para lhe ouvir a voz?

 

Miguel Torga, in Diário VIII

 

 

02
Mar16

Chá de Urze com Flores de Torga - 120


1600-torga

 

Chaves, 3 de Setembro de 1993

 

Hoje foi a minha vez de atravessar a fronteira sem cancelas de nenhuma ordem. Nem fiscais alfandegários, nem polícia a carimbar o passaporte. Apenas um painel de doze estrelas a mandar seguir. Mas nem por isso andei por Espanha dentro de coração solto. Confrontado com a realidade do poder crescente que por toda a parte nela verifiquei, a minha velha suspicácia de ibérico livre veio à tona agravada. A arrogância e o desprezo, que lia na cara de cada interlocutor, causava-me ainda mais engulhos do que no passado. A tese de Franco na escola militar foi a ocupação desta faixa ocidental em poucas horas. E a da generalidade dos demais espanhóis, mesmo civis, é indisfarçadamente a mesma. No rótulo de uma caixa de melões que me mostraram há dias, vinha escrito: «Origem – Espanha. Região – Portugal.» Para todos os nosso vizinhos, somos independentes, sim, mas provisoriamente, enquanto os iluminados governantes que temos não acabem de abrir mão dos nossos últimos trunfos nacionais, e um outro Filipe II nos integre submissos no grande redil peninsular , desta vez sem necessidade de herdar, de comprar e de conquistar o rectângulo rebelde. Recebe-o gratuitamente de bandeja.

Miguel Torga, in Diário XVI

 

1600-fronteira (43)

1600-fronteira (44)

 

Após este registo no diário XV, Miguel Torga apenas fez mais vinte e oito registos no seu diário, todos escritos em Coimbra, terra que o Poeta escolheu para viver grande parte da sua vida, sendo o último registo datado de 10 de dezembro de 1993, intitulado Requiem Por Mim. São as últimas palavras publicadas de Miguel Torga que viria a falecer pouco mais de um ano depois em Coimbra a 17 de janeiro de 1995.

 

Coimbra, 10 de Dezembro de 1993

 

REQUIEM POR MIM

 

Aproxima-se o fim.

E tenho pena acabar assim,

Em vez de natureza consumada,

Ruína humana.

Inválido do corpo

E tolhido da alma.

Morto em todos os órgão e sentidos,

Longo foi o caminho e desmedidos

Os sonhos que nele tive.

Mas ninguém vive

Contra as leis do destino.

E o destino não quis

Que eu me cumprisse como porfiei,

E caísse de pé, num desafio.

Rio feliz a ir de encontro ao mar

Desaguar,

E, em largo oceano, eternizar

O seu esplendor torrencial de rio.

 

 Miguel Torga, in Diário XVI

 

Miguel Torga, pseudónimo do médico Adolfo Correia da Rocha, nasceu em S.Martinho de Anta em 12 de agosto de 1907 e faleceu em Coimbra, com 88 anos, no dia 17 de janeiro de 1995.

 

De acordo com o desejo do poeta, repousa em campa rasa no cemitério de S.Martinho de Anta, com uma torga plantada a seu lado.

 

1600-s-martinho-danta (35)

 

Terminadas que estão as referências à cidade de Chaves na obra de Miguel Torga, esta crónica “Chá de Urze com Flores de Torga” bem poderia terminar aqui, e com ela terminar uma pequena e merecida homenagem, como flaviense grato por Miguel Torga nos visitar e registar na sua obra e no seu diário ao longo de 38 anos (1955 a 1993), com mais de uma centena de textos (119). Poderia terminar aqui, mas não vai terminar ainda. Vai continuar por mais uns tempos, talvez não com a regularidade que teve até aqui, mas vai continuar com os diários e algumas referências de proximidade (em falta), que Miguel Torga também escreveu em Chaves, ou durante o período em que se hospedava em Chaves, mais concretamente textos sobre o Barroso aqui tão perto e de Verin e outras terras galegas próximas, assumindo-se assim toda uma região que já é habitué aqui no blog e Verin, que pomposamente faz parte dessa tal eurocidade Chaves-Verin.

 

 

17
Fev16

Chá de Urze com Flores de Torga - 118


1600-torga

 

Chaves, 24 de Agosto de 1993

 

Num molho, mas cheguei. O que me vale é saber Portugal de cor tão bem sabido, que, mesmo a atravessá-lo ofegante e mareado, o vejo sempre inédito e deslumbrador como da primeira vez.

Miguel Torga, in Diário XVI

 

 

Chaves, 25 de Agosto de 1993

 

Sabe tudo do Barroso. Mas falta-lhe o principal: não é capaz de o imaginar.

Miguel Torga, in Diário XVI

 

1600-larouco (172)

 

Chaves, 27 de Agosto de 1993

 

Envelhecer não é para covardes. E, morrer, muito menos. Corajosamente, envelheci, e corajosamente morro. Mas levo comigo uma dúvida: fui, realmente, corajoso, ou vivi sempre em pânico, com medo de o não ser?

Miguel Torga, in Diário XVI

 

 

03
Fev16

Chá de Urze com Flores de Torga - 116


1600-torga

 

Na última publicação de “Chá de Urze com Flores de Torga - 115”, dedicada às palavras que Torga deixou escritas no seu diário após a visita a Curral de Vacas, à Pedra da Pitorca, além de transcrever o que Torga escreveu sobre o assunto, nós acrescentámos alguns apontamentos sobre a importância do local e mencionámos os achados feitos no local em 1980 (?) de um anel em ouro em espiral e um machado de bronze. Pois a nossa curiosidade levou-nos até esse anel e machado que estão patentes ao público no Museu da Região Flaviense, com o achado datado de 1990 (?).

 

1600-achados (5)

 

Isto da data do achado são coisas da História e de como ela é abordada e por quem. Todos os documentos a que tive acesso (de especialistas na matéria) apontam os achados para 1980, inícios dos anos 80, no entanto no Museu Municipal a data que consta é de 1990. A diferença destes 10 anos até nem tem importância para o caso e só vem dar razão àquilo que eu penso da História e da sua exatidão ou credibilidade, coisa sem importância neste caso que até eu, um leigo da História, facilmente poderei averiguar e chegar à data exata, mas é só um pequeno apontamento para demonstrar que quase sempre só temos acesso à História de quem a escreveu e não à verdadeira, que às vezes pode coincidir ou não. Claro que me vem à lembrança o caso Silveira/Pizarro das 2ªs Invasões Francesas… mas isso são contas de outro rosário que não está encerrado aqui no blog.

 

1600-curral-vacas (616)

 

Com isto quero dizer que hoje vamos outra vez até Curral de Vacas e de novo até à Pitorc(ga), com imagens do anel, do machado, do parque de penedos que acompanham a dita cuja, mas também com um apontamento que o nosso amigo Luís Fernandes, colaborador deste blog, teceu após a leitura do de “Chá de Urze com Flores de Torga - 115”, que passamos a transcrever:

 

πORGA”

 

O POST(al) de  4ª feira, 27 de Janeiro de 2016, do BLOGUE “CHAVES” – Olhares sobre a cidade, para além do regalo para a vista das esplêndidas fotografias e da sempre bem-vinda transcrição das palavras de MIGUEL TORGA, causou-me cá um formigueirinho na papila gustativa da molécula da memória!

 

O "Chá de urze" activou a minha circulação imaginativa.

 

A Pitorca de Curral de Vacas começou a dançar uma valsa com a Pitorga do Nando.

 

Apanhei-lhes a cadência e solfejei umas diatribes comentaristas.

 

Pitorga daqui, Pitorca d’acolá, lembrei-me da paixão assolapada que alguns pedantes intelectuais, uns tantos consagrados intelectuais e uns entusiasmados «curiosos» pelo conhecimento têm mostrado pelas “PEDRAS”.

 

1600-curral-vacas (627)

 

Bem, aqui ponho de fora os «derretidamente apaixonados» pelas “Pedras” gasosas, convenientes e oportunas em tantas circunstâncias, as mais famosas do que os «pedantes intelectuais», tão famosas e conhecidas tanto (ou quase tanto) como os “consagrados intelectuais” tão afeiçoadas às “Pedras” e a proclamarem-lhes o seu imorredoiro amor.

 

E deixo de fora as «preciosas», não vão ficar algumas Preciosas e Diamantinas engalfinhadas comigo por eu preferir a Esmeralda, a Ágata … e o topázio.

 

A ele se acolhiam os primitivos habitantes da região, assediados por ursos, lobos, javalis e outros inimigos. Nele se refugiaram foragidos da Inquisição e da sanha miguelista e liberal, e perseguidos da Guerra Civil espanhola, que a raia não defendia da raiva nacionalista. Labirinto granítico oculto num matagal de giestas e carvalhas, nele me apeteceu resguardar também a dignidade de poeta neste tempo sem poesia que me coube”.

 

1600-curral-vacas (597)

 

Ora aqui está o segredo pré-histórico e contemporâneo a ser revelado!

 

Já nem precisamos de ir a DELFOS, visitar e sentarmo-nos na ônfala deixada por Zeus, (aquele meu amigo muito especial de quem já vos tenho falado em “Conversas” … fiadas) para cantarmos hossanas a uma «Pedra»: “O Torga” revelou-nos uma “πTORGA”, na NOSSA TERRA, neste Blogue “CHAVES” muito bem divulgada.

 

A Pitorca de Curral de Vacas, tal como o “pedregulho” de Outeiro Machado, ou as «crastas» (de que me falaram lá) de CARVELA- NOGUEIRA da MONTANHA, da NOSSA TERRA, aí estão, à mão de semear… ou de colher, como «locus consecratus» onde os simples mortais podem comunicar harmoniosamente entre si, com o mundo dos mortos ou com a(s) divindade(s).

 

1600-curral-vacas (575)

 

A «pedra», ensina-nos Eckhart de Hochheim, é sinónimo de conhecimento.

 

E quem «ama o conhecimento» tem mesmo de «amar as pedras».

 

E este amor não vem de ontem nem de hoje: vem do tempo … das “Pitorcas” e, provavelmente só depois, das ônfalas!....

 

Pedantes intelectuais “exitistas”, contemporâneos, porque um dia escreveram duas linhas ou fizeram três rimas em louvor do amor às «pedras», não querem consentir que outros, do seu tempo, quanto mais os «doutros tempos» amem as pedras. E ai de quem delas falar: ladrões, que lhe roubam a sentença e o sentimento!

 

Os “Salomés” cantaram:

Eu hei-de amar uma pedra
deixar o teu coração
uma pedra sempre é mais firme
tu és falsa e sem razão.

 

Mas foi quando um dos «consagrados intelectuais» titulou uma das suas obras com o primeiro verso desta cantilena um dos pedantes intelectuais “exitistas” fez de virgem ofendida!

 

1600-curral-vacas (547)

 

Como se as «Pedras» num tivessem estado na moda, desde a criação do mundo!

 

Desde essa altura, a pedra era, para o Homem, a residência de Deus.

 

A “Pedra do Destino”, serviu para a «sagração dos reis da Irlanda, da Escócia e da Inglaterra».

 

AS «pedras erguidas» e as «pedras de chuva» são, por igual, símbolos da fertilidade. Não admira que os invejosos Pedantes-intelectuais-“exitistas” queiram ser só eles a falar no «amor pelas pedras».

 

Quem não me deixará pensar que as «grandezas e pequenezas da vida» transportadas na «Jangada de pedra» foram «colhidas» pelo “Zé d’Azinhaga” num «oubir» falar dessa «Pitorca de Curral de Vacas”?!

 

Quanto a mim, bem que lá terei de meter a mão por uma «pedra furada», não vá o diabo tecê-las e mandar que me sejam atiradas mais sete pedras por algum «homo siliceus» com «calculus»!

 

Quem tem pedra no sapato?!

 

“Crominho”!

 

M., 28 de Janeiro de 2016

Luís Henrique Fernandes

 

 

27
Jan16

Chá de Urze com Flores de Torga - 115


1600-torga

 

Curral de Vacas, Chaves, 4 de Setembro de 1991

 

Com metade da povoação a guiar-me, visita penosa à Pedra Pitorga, um abrigo pré-histórico gigantesco que deu segurança através dos tempos a sucessivas aflições. A ele se acolhiam os primitivos habitantes da região, assediados por ursos, lobos, javalis e outros inimigos. Nele se refugiaram foragidos da Inquisição e da sanha miguelista e liberal, e perseguidos da Guerra Civil espanhola, que a raia não defendia da raiva nacionalista. Labirinto granítico oculto num matagal de giestas e carvalhas, nele me apeteceu resguardar também a dignidade de poeta neste tempo sem poesia que me coube.

Mas o homem já não sabe identificar-se no seio da natureza. Nem mesmo os candidatos à santidade se retiram nos cenóbios e nos desertos para conhecer na solidão os limites da alma, e meditar na hipocrisia humana. Cépticos também, procuram compungidos no seio escancarado das multidões e justificação da farsa da sua medular incredulidade. Os poetas, esse serão sempre presenças por si próprias devassadas em todos os recônditos do mundo. Em nenhum sítio real ou imaginário se podem evadir dos seus demónios interiores e da incompreensão demoníaca dos outros

Miguel Torga, in Diário XVI

 

1600-curral-vacas (612)

 

Menos penosa que a visita de Torga à pedra da Pitorga ou Pitorca, também eu fui conhecer a dita cuja, mas sem povoação ao qualquer guia a guiar-me. Assim, só da segunda vez que fui por lá é que a encontrei, e pensei que só à terceira é que era de vez. Acontece que acertei com a fotografia na Pitorc(g)a, pelo menos a julgar pela imagem reproduzida na Revista Aquae Flaviae nº41. Acertei com a fotografia mas foi impossível chegar perto dela. O mato não deixa. Pena que aquele campo de penedio não tenha qualquer indicação para se chegar até lá e que a Pedra da Pitorc(g)a não esteja assinalada e limpa de mato à sua volta. Como fica lá para o meio do monte, não interessa… embora arqueólogos e historiadores não pense o mesmo. Aliás a única informação que há sobre este achado é mesmo dos especialistas e profissionais do tema.

1600-curral-vacas (613)

 

Pela minha parte agradeço a Miguel Torga a descoberta pois até ao momento em que a conheci no seu diário nunca tinha ouvido falar da Pitorc(g)a, mesmo aquando dos achados em 1980 a fiquei a conhecer, talvez por na altura andar preocupado com outros interesses que não estes de conhecer a minha terra.

 

Fica para todos aprendermos mais um bocadinho sobre a Pitorc(g)a o que Alexandra Vieira escreve sobre a mesma e o local. De salientar que popularmente na aldeia de Curral de Vacas se referem a pedra da Pitorga, talvez por isso Miguel Torga assim se refira a ela. Nos estudos dos profissionais todos grafam a pedra como Pitorca. Apenas um pormenor, ou então é o Poeta forçou a grafia de modo a ir de encontro ao seu apelido Pi(Torga) – Isto já sou eu a inventar.

1600-curral-vacas (585)

Algumas rochas na envolvência do abrigo (Pitorca)

 

“ O Fragão da Pitorca consiste “num aglomerado de formações graníticas que conferem ao local uma posição destacada na paisagem. O conjunto dos rochedos gera promontório que descai em forma de penedia sobre o seu sector ocidental.” Foi neste abrigo de médias dimensões, que nos inícios dos anos oitenta do séc. XX foi encontrada uma espiral em ouro (Portal do Aqueólogo, em linha). Armbruster e Parreira (1993:25) referem-se ao achado como “ (…) um anel espiralado de ouro [que] estava associado a um machado plano de cobre e a cerâmica (…) Ana M. S. Bettencourt refere que neste sítio arqueológico teriam sido realizados enterramentos “provavelmente, desde o Calcolítico até ao Bronze Inicial. Aqui, a par de ossadas humanas, apareceram cerâmicas lisas e decoradas, assim como uma espiral em ouro e um machado Plano, ainda com rebardas de fundição” (Bettencourt, 2009:18).

 

Alexandra Vieira

“Alguns dados para o estudo da Idade do Bronze no Norte de Portugal”

In Antrope – A Idade do Bronze em Portugal: os dados e os problemas. 2014

 

 

20
Jan16

Chá de Urze com Flores de Torga - 114


1600-torga

 

Hoje é dia de S.Sebastião e desde que o descobri celebrado no Barroso, vou por lá todos os anos neste dia 20 de janeiro. Gostaria dizer que é promessa, mas não, não sou o católico suficiente para as fazer e tão pouco vou lá pelo santo. Antes pelo povo, pelas tradições, pelo comunitarismo e pela simplicidade da festa, enfim, sinto-me em casa.

 

1600-dornelas-11 (141)

 Couto de Dornelas

Hoje neste dia que aqui no blog também também dedico a Miguel Torga, penso que ficará bem trazer aqui o Barroso que Torga também percorreu. Penso que Torga nunca teria ido a estas celebrações do S.Sebastião, mas andou pelas aldeias onde o santo hoje é festejado. Já em oportunidades anteriores deixei aqui as palavras que Torga dedicou às Alturas do Barroso, que conjuntamente com o Couto de Dornelas são as duas aldeias onde hoje há festa comunitária. Para não me estar a repetir deixo hoje três passagens por outras terras do Barroso, mas também em imagem as aldeias do S.Sebastião

 

1600-s-sebastiao (885)

 Alturas do Barroso

Negrões, Barroso, 28 de Maio de 1955

 

Por mais que tente, não consigo reduzir estas vidas de planalto a uma escala de valores comuns. Foge-me das mãos não sei que força incomensurável, que, exactamente por ser assim, se alcandora nos olimpos possíveis do mundo. Nada existe aqui de notável a testemunhar uma actividade humana superior ou singular. Seres esquemáticos, num ambiente esquematizado. E, contudo, cada indivíduo parece trazer à sua volta um halo de intangibilidade divina.

 

Talvez seja a própria pobreza do meio que, despindo-os de todo o acessório, lhe evidencie a essência. E a nossa perturbação diante deles seria a perplexidade de pobres Adões cobertos de folhas diante de irmãos que permanecem nus.

Miguel Torga, in Diário VII

 

1600-negroes (5)

 Negrões

Carvalhelhos, Barroso, 21 de Junho de 1956

 

PASTOREIO

 

Uma cabra montesa no pascigo;

Fiel ao seu balido,

Um fauno apaixonado;

Entre os dois, um açude adormecido,

Imagem do instinto represado.

 

Corcunda como a vida,

Uma ponte arqueada de suspiros

A ligar as arribas do desejo;

E um guarda as passadiço, uma presença humana,

- O pastor, a moral quotidiana…

 

                                                                     Miguel Torga, in Diário VIII

 

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Negrões, Barroso, 24 de Setembro de 1960

 

Tanto monta ser aqui, como no Terreiro do Paço. Ouvir um político, é ouvir um papagaio insincero.

 

Miguel Torga, in Diário IX

 

 

13
Jan16

Chá de Urze com Flores de Torga - 113


1600-torga

 

Chaves, 26 de Agosto de 1991

 

Viver clandestinamente. Que outra maneira airosa tem um poeta de o ser neste mundo de hoje, senão a parecer uma coisa por fora e ser outra por dentro? Mas sê-lo, então, de verdade, frontal e desassombradamente, com a prova insofismável da poesia.

 

Miguel Torga, in Diário XVI

 

1600-curral-vacas (304)

 

Curral de Vacas, Chaves, 3 de Setembro de 1991

 

À semelhança de tantas outras que me ocorrem penosamente à lembrança, também esta terra, infelizmente, perdeu a identidade. Mudou de nome, alindou as moradias, secou-lhe no largo o negrilho centenário que a tutelava, deixou apagar o forno do povo, pôs fim às representações do Auto da Paixão, que a notabilizavam e aqui me trouxeram pela primeira vez. Com todas as raízes cortadas, ninguém se orgulha mais do tapete de bosta que lhe almofadava os passos logo ao nascer. Cada morador, com quem falo e comento a degradação, parece ter perdido a memória das antigas feições. Até o patriarca, que foi durante a vida inteira titular da figura de Cristo no drama sagrado, e era pelo ano adiante a figura carismática da povoação, no que diz e me diz é um estranho a si próprio, um zé ninguém indigno da majestade que dantes lhe nimbava a rude fisionomia de cavador. Nem o consigo ver, como vi, a morrer santamente na consternação de todos pregado na cruz do calvário, nem, depois, a festejar alegremente com os amigos, lascas de presunto e copos de vinho tinto, a sua ressurreição.

Miguel Torga, in Diário XVI

 

 

06
Jan16

Chá de Urze com Flores de Torga - 112


1600-torga

 

Chaves, 8 de Setembro de 1990

 

Os gestos que não fazemos à espera que outros os façam por nós. E assim perdemos a vida, que é uma expressão permanente que não pode ser adiada, nem diferida. Nenhuma prova de comunhão devemos esperar receber que não formos capazes de primeiro ousar.

Miguel Torga, in Diário XVI

 

 

Chaves, 25 de Agosto de 1991

 

Cá cheguei, Deus sabe de que maneira. Mas eu sou como as lampreias: ou subo os meus açudes, ou morro.

Miguel Torga, in Diário XVI

 

Chaves, 26 de Agosto de 1991

 

Não é possível… E foi o rastilho:

— Ó rapaz, acaba-me lá com essa ladainha do possível! Fala-me do impossível. Do impossível triunfo do teu clube. Da impossível moderação alcoólica do teu pai, da impossível atenção oficial às legítimas aspirações desta tua cidade natal. Vê se olhas a vida de uma vez para sempre sem muros à volta da imaginação.

 

Miguel Torga, in Diário XVI

 

 

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