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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

22
Jun18

Discursos Sobre a Cidade - Por Gil Santos e Lara Alves


GIL

 

NOTA PRÉVIA

 

A Lara Alves frequenta o 8º ano no antigo Liceu Fernão de Magalhães e escreveu este texto que achei curioso e merecedor de ser publicado nos “Discursos Sobre a Cidade”.

 

Curioso porque fala, com imaginação, da nossa terra.

 

Merecedor de publicação como incentivo à escrita, um predicado que vai rareando na juventude dos nossos dias.

 

Parabéns!

 

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UM ACONTECIMENTO INESPERADO

NO LICEU

 

Para mim, a escola não é, somente, um local de aprendizagem, é muito mais do que isso. Na minha opinião, a escola é o lugar onde conhecemos os amigos que nos vão acompanhar neste percurso de descobertas que é a vida.

 

Eu não sou exceção.

 

No Liceu, conheci duas grandes amigas: a Diana, paciente, meiga e generosa; e a Catarina, alegre, simpática e bondosa. Comigo participarão nesta estória!

 

Era um dia de chuva quando se deu o inesperado.

 

Estávamos na sala de aula realizando uns exercícios do caderno de atividades, quando sentimos o chão a tremer e ouvimos gritos. Os meus colegas ficaram apavorados, mas a nossa professora tentou encaminhar a turma para a saída. Enquanto tentávamos, apressadamente, sair do edifício, o telemóvel da Catarina caiu-lhe do bolso e escorregou para debaixo dos cacifos. Eu apercebi-me e tentei recolhê-lo. Porém, quando me agachei e estendi o braço para apanhar o telemóvel, senti uma força misteriosa a puxar-me para dentro de uma fenda que o tremor de terra abrira no chão. A Diana, a Catarina e a professora apercebendo-se da minha aflição agarraram-me pelas pernas. Todavia, a sua força não foi suficiente e acabámos por ser todas engolidas por aquele buraco.

 

Não se via um palmo à frente do nariz e eu só senti o rabo a aterrar numa plataforma fria e húmida, por onde escorreguei por largo tempo. Não tinha a certeza se viria alguém atrás de mim, dado que não ouvia um único ruído.

 

Aterrei!

 

Finalmente tinha chegado ao fim daquele túnel. Levantei-me e, aos apalpões, encontrei o meu telemóvel e liguei a lanterna. Não sabia exatamente onde estava. Soube, no entanto, que não estaria sozinha pois ouvi gritos. Olhei para trás e vi a Diana e a Catarina a aterrarem de cabeça uma em cima da outra. Fui ter com elas para as auxiliar e, mesmo às escuras, atónitas conseguiram pôr-se de pé.

 

– O que é que aconteceu? Onde estamos? – questionou a Diana com as lágrimas nos olhos.

 

Eu fui ao pé dela e tentei acalmá-la, enquanto a Catarina, que não estava muito mais calma, andava de um lado para o outro a avaliar o espaço. Entreguei-lhe o telemóvel, ela ficou muito contente e agradeceu-me imenso.

 

De repente, ouvimos uma voz familiar pronunciando os nossos nomes. Respondemos, pois pensávamos que era a professora.

 

Era ela de facto!

 

Tinha os cabelos desgrenhados e tremia de aflição.

 

– Estão bem, meninas? Vou acender o isqueiro para nos vermos melhor.

 

– Não é necessário, professora. A Catarina e a Diana podem acender, como eu, as lanternas dos seus telemóveis.

 

As minhas amigas fizeram o que lhes foi pedido. Conseguimos ver que estávamos dentro de uma enorme rede de tenebrosos túneis.

 

– Eu já tinha ouvido falar dos túneis por baixo Liceu de Chaves que as freiras do convento utilizavam às escondidas – disse a professora – Mas pensei que era uma lenda!

 

– O meu pai também já me tinha contado isso e até me tinha garantido que todos os túneis iam dar aos claustros. – Afirmou a Diana.

 

Durante alguns segundos ficámos paradas a pensar...

 

Depois de pormos o cérebro a funcionar, eu afiancei:

 

– Nós estávamos na sala 22 e, quando o telemóvel da Catarina caiu ao chão, já tínhamos passado a porta com a placa 21...

 

– Por isso, devemos estar por baixo da sala 20... – Interrompeu a Catarina.

 

– Logo, temos de andar naquela direção – insistindo a Diana gesticulando.

 

A professora concluiu:

 

– Bem pensado, meninas! Temos de nos dirigir para norte!

 

Pegámos nas trouxas, ou seja, nos nossos pertences e seguimos por um túnel estreito que calculámos que nos levasse aos claustros do antigo convento.

 

Enquanto vivíamos esta aventura, os nossos colegas de turma estavam no Largo das Freiras, naturalmente aflitos.

 

– Onde é que elas estarão? – Interrogou um.

 

– Será que estão bem? – Questionava outro.

 

– Claro que estão bem, elas são fortes! – Assegurava uma outra colega.

 

– Fortes!? As três juntas nem sequer têm a força de uma carriça – comentou outro rapaz.

 

– Pergunto-me se tu consegues parar de ser burro por um minuto que seja!?

 

Bem, voltemos à lavra principal.

 

– Ó Lara! Tu tens a certeza de que estamos a ir no caminho certo? – Perguntou a Diana.

 

– Tem calma e segue o meu instinto... – Disse eu.

 

– Se contarmos com a ajuda do teu instinto estamos bem cosidas! – Revelaram as duas em uníssono!

 

Rimo-nos todas (até a professora) e continuámos a andar...

 

Passados alguns minutos, parámos, a aventura fez-nos fome. A sorte foi que eu levava a minha lancheira, a qual leva sempre comida para um regimento, dado que é a minha avó que a prepara!

 

Após termos enchido a blusa, continuámos e, de repente, o nosso túnel bifurcou-se. Tínhamos outro problema. Eu e a Catarina propusemos lançar uma moeda ao ar e, se saísse cara, escolhíamos o túnel da direita, se saísse coroa, o da esquerda. Porém, a Diana e a professora acharam melhor não confiar na sorte.

 

– O problema é que não fazemos a mínima ideia de onde estamos. – Afirmou a Diana.

 

A professora concordou e todas nós ficámos tristes como a noite, por isso, sentámo-nos no chão frio e a Catarina começou a assobiar.

 

Ninguém compreendeu esta atitude, nem sequer ela mesma. O assobio ecoava nos compridos túneis.

 

Isto deu-me uma ideia!

 

Pedi à Catarina que gritasse para dentro de cada um dos túneis e que contássemos o tempo que demorava o eco.

 

– Já compreendi o que queres fazer. É uma boa ideia! – Exclamou a Diana.

 

A Catarina afinou a voz e pediu a uma de nós que se preparasse para contar o tempo. A professora voluntariou-se para isso e a Catarina fez o que era necessário.

 

As medições levaram-nos à conclusão que o túnel da esquerda era mais comprido, pois, no da direita, o eco foi quase instantâneo. Não deveria exceder os 17 metros.

 

– Excelente trabalho de equipa! Penso que o túnel da direita deve ser um beco sem saída, logo, vamos caminhar com cuidado pelo da esquerda. – Aconselhou a professora.

 

E nós, já fartas daquela escuridão, pusemo-nos a caminho...

 

Caminhámos cerca de dez minutos. Após termos atravessado este túnel, fomos encontrar um amplo pátio subterrâneo. Aparentemente, não havia nenhuma saída, porém a Catarina e a Diana encontraram uma porta de madeira não muito grande. Esta porta estava entreaberta, empurrámo-la.

 

– Deste lado existem umas escadas! – Gritou a Diana – Venham ver!

 

A professora aproximou-se, examinou o local com a pouca luz que tínhamos e afirmou:

 

– Eu penso que estas escadas nos conduzirão aos claustros. Mas só há uma maneira de descobrir...

 

Eu à frente, a seguir a Catarina, depois a Diana e no fim a professora subimos as escadas pé ante pé. No cimo, chegámos a um pequeno cubículo de pedra. Já estava quase a ficar sem esperança, quando olhei para cima e vi uma pequena frincha por onde passava a luz solar. Com toda a minha força, empurrei a pedra que não estava bem fixa e fiquei com a cabeça e com os braços no chão dos claustros da escola.

 

Uma após outra, saímos daquele buraco e fomos a correr para a porta principal.

 

Lá fora, estavam os nossos colegas desesperados.

 

Abraçámo-los.

 

De seguida, virando-me para as minhas melhores amigas questionei:

 

– É uma aventura para repetir, não é?

Lara Alves

 

 

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02
Mai18

Da bengala e cartola aos casacos de Penafiel


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Não se assustem com o frio que se “vê” na imagem, pois embora já estejamos em maio e de novo o frio invadiu a cidade, não é tanto como o da imagem, de arquivo, de um dia do mês de março de 2013.

 

Inicialmente escolhi a imagem de hoje pelo rapaz da bengala e cartola que está a atravessar a passadeira, que durante esse dia de março fartou-se de dar nas vistas, tanto que outra personagem da imagem quase passa despercebida. Contudo, uns segundos depois de escolher a imagem, a memória leva-me até à minha escola, o Liceu. Engraçado que ao longo da minha formação frequentei vários estabelecimentos de ensino, mas esta é que é a minha escola, da qual guardo a maioria de recordações e amizades do tempo de estudante. Fixei-me nas janelas, cada três uma sala. Tive aulas em todas as salas que se veem na imagem, 9 no total, mas, mas da que tenho mais recordações são das duas últimas salas da imagem, a do piso inferior, o anfiteatro, por ter sido a primeira que frequentei, ainda me lembro de todos os colegas desse ano e de todos os professores, nº 1 Adélio, nº 2 Adérito, … nº 18 eu. Mas foi na última sala do 2º piso que tive a minha grande paixão. Não pensem que é dessas que eu vou falar, pois a minha paixão foi mesmo pela geometria descritiva (então desenho), não sei se por ter queda para a coisa, o que me ajudou na minha vida profissional durante muitos anos, e ainda me ajuda em não ter dificuldade em ver para além daquilo que realmente se vê. Mas a peça fundamental dessa paixão foi mesmo o excelente professor que tive e que sabia ensinar e despertar em nós o interesse pela geometria. Um bem-haja para esse professor, o Dr. Costa ou vice-reitor, sem qualquer dúvida um dos melhores professores que tive. Mas de repente e voltando ao rapaz da bengala e cartola, a memória leva-me até outro professor. Como eu teria adorado ver este rapazito assim vestido a entrar na sala de aula desse professor, iriamos ter sessões de gozo para todo o ano e anos seguintes enquanto o rapazito andasse por lá. Um professor que me deu aulas de ciências da natureza, de física e já no 12º de geologia noutra escola. Era o terror do Liceu, tanto que após o 25 de Abril foi o primeiro professor a ser expulso em RGA. E foi de férias até ao final do ano, mas regressou no ano seguinte. Tinha uma forma peculiar de ensinar, ensinava a fazer perguntas sobre matérias que para nós eram novidade, e lá corria a sala toda com a mesma pergunta, desde o nº1 ao trinta tal, cada um com sua resposta, e no final ditava o seu veredito — Quem respondeu assim, tem um pauzinho de pé, que respondeu assado, tem três pauzinhos deitados, e só depois explicava os porquês. No final do período feitas as contas de pauzinhos de pé e deitados, dava a nota na pauta que ele entendia. Mas justiça se faça, só já mais adulto, no meu 12º ano em geologia é que entendi a sua forma de ele ensinar e penso que era bem melhor que a da maioria dos professores. Ele obrigava-nos a raciocinar e pensar bem na resposta que iriamos dar, ou seja, obrigava-nos a analisar e a aprender com os nossos próprios disparates de uma resposta a uma pergunta ainda mais disparatada — Se te caísse um meteorito na cabeça, o quê te acontecia?... mas era sobretudo na forma teatral como explicava depois e dos exemplos que dava, que ficávamos com a imagem para todo o sempre daquilo que ele queria transmitir e ensinar. Anda hoje retenho algumas imagens dos seus ensinamentos. Chamava-se Dr. Castro e pela certa que não há nenhum dos seus alunos que não se lembre dele e de meia dúzia das suas anedotas para contar. Ao rapazito da bengala e cartola, pela certa que sairia da aula com a recomendação de, quando passasse por Penafiel, não se esquecer de mandar fazer um casaco à medida…

 

 

10
Mar18

Ocasionais


ocasionais

 

Filosofia das Couves no Liceu Fernão Magalhães

 

Em 1984, quando fui para o 10º ano do liceu, disseram-me que ia ter uma disciplina muito interessante onde iria aprender a pensar e ganhar conhecimentos fascinantes. Fiquei desconfiado! Para mim, pensar é como respirar, um gajo está sempre a pensar, é uma coisa natural, até em sonhos. Ir aprender a pensar era como se alguém me dissesse que agora ia aprender a respirar... Pessoas que me dizem cenas destas, mando-as logo para o carvalho (Carvalho sem letra V, entenda-se). Lá fui, curioso e ainda com expectativas positivas. Achei a professora uma generala. Rígida, ríspida, e com um vocabulário demasiado erudito para um parolo de Boticas, que achava um disparate haver três palavras para dizer a mesma coisa. Recusei sempre usar a palavra “algibeira” depois de ter aprendido que era “bolso”, essa chegava-me bem, era estranho haver duas, um desperdício. Comigo, os dicionários iam para um quarto da grossura e o alfabeto ia para 15 letras. Começamos a aprender filosofia com coisas dos gregos antigos, uns primitivos que pensavam que as coisas resultavam duma mistura dos 4 elementos: terra, ar, fogo e água. Disse cá para mim “É isto que vamos aprender?! Andamos a gastar tempo a aprender físico-química, já sabemos como são as coisas, os átomos e as moléculas, e agora temos que perder tempo com estes chanfrados? Se vamos perder tempo com todos os burros como estes, não saímos do sítio. Quem é o tolo que não sabe que se se misturar água e terra, só dá lama? Água apaga o fogo, nada mais, não dá ouro nem prata”. Durante todo o ano, achei que só aprendemos disparates, no final nem sabia que só sabia que nada sabia daquilo. Detestei a disciplina, tirei várias negativas, e no final do ano fiquei espantado de passar com 10. Eu mal percebia as perguntas dos testes, ainda menos as de desenvolvimento, sobre assuntos como os 4 elementos, que sabia não haver nada para desenvolver.

 

No 11º, fui de pé atrás mas animei-me ao saber que íamos dar filosofia moderna. O profe era o Couves, um profe mais simpático. Começámos com o grande Descartes e com a genial descoberta dele “Penso, logo existo”. Cogitei imediatamente “Ó que carvalho, olha que novidade, se estivesses morto é que podias ter a certeza que não pensavas! Isto é alguma merda?! Isto é alguma novidade, alguma descoberta?! Vou ter que aturar mais merdas destas durante um ano?!”. Fiquei desanimado e quando descobri que o Couves não se importava com o tempo que os alunos passavam no WC, decorridos 5 minutos das aulas, pedia para sair e nunca mais lá punha os pés, em quase todas as aulas. No primeiro teste, tirei o caderno para cima da carteira para ver se copiava alguma frase que encaixasse com as perguntas que mal compreendia. O Couves era muito distraído, passava ao lado e nada, resolvi tirar também o livro. Na altura, achava que copiar não era desonesto, antes mostrava coragem e inteligência, porque eramos nós contra eles, quem não copiassem era porque não tinha habilidade ou era cagão. Quando foi da entrega dos testes, o Couves mandava-nos ao quadro para ler os testes enquanto ia pontuando as respostas. Nunca tinha visto tal! Tive nega mas fiz uma descoberta espectacular. Nos testes seguintes, já não copiei, escrevia algo. Depois, fazia o teste em casa e levava-o dentro do casaco quando ia lê-lo ao quadro. Com o Couves, trocar um teste pelo outro era de caras para um copiador de primeira classe como eu. Sabeis que nota tirei no final do ano? 18 ou 19?! Chamemos-lhe assim: um espantoso e honesto 11.

 

(O escrevinhador escreve segundo o velho e o novo acordo ortográfico, conforme o gosto. Nada de estranho porque os dois acordos continuam por aí em vigor)

 

Luís de Boticas

 

 

28
Dez17

Chaves História's - Liceu Nacional Fernão de Magalhãis


Cha-historias

 

Chaves História’s - é o nome desta nova crónica porque é isso mesmo, histórias feitas com a História de Chaves. Não pretendemos fazer História, mas apenas trazer aqui algumas palavras que vamos encontrando por aí nas publicações existentes, mais ou menos antigas. Não pretendemos fazer História,  mas, talvez, contribuir para a sua divulgação, isso sim, trazendo aqui alguns pedaços da História flaviense da qual ainda existem alguns testemunhos físicos no casco antigo da cidade, e alguns acontecimentos da História em que nela intervieram alguns atores que, ainda hoje, têm familiares flavienses. Resumindo vamos trazer aqui um pouco da História flaviense para melhor ficarmos a conhecer a nossa própria História.

 

Quanto à periocidade desta crónica, acontecerá aqui semanalmente, se puder ser, quinzenalmente quando der jeito, ou quando pudermos e tivermos conteúdo para ela. Acontecerá, isso é certo, às quintas-feiras, com exceção da quarta quinta-feira de cada mês, que essa, continuará reservada para os “Flavienses por outras terras”

 

Iniciamos hoje com a História do nosso Liceu, ainda sem estar no atual edifício. O texto é reproduzido conforme foi escrito na altura, ou seja no ano de 1937 com o português oficial da época, já muito parecido com o atual, à exceção de alguns acentos que hoje já não se usam  e do “Magalhãis”

 

O Liceu Fernão de Magalhãis

 

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Por decreto de 3 de Setembro de 1903 foi criado o «Liceu Nacional de Chaves» que, embora sustentado pelo Município local, devia regular-se em tudo pela legislação respeitante aos demais liceus nacionais do país. Deve-se a criação do Liceu aos esforços e à boa-vontade da Câmara Municipal da presidência do Dr. Miguel Máximo da Cunha Monteiro, cujo nome ficou assim ligado a um dos maiores melhoramentos conseguidos para Chaves.

 

Em Setembro ou Outubro daquêle ano, nomeou o Govêrno para o lugar de reitor do Liceu de Chaves o professor efectivo do Liceu Central de Castelo Branco, José Barros Nunes de Lima Nobre, com o encargo de instalar o novo estabelecimento de ensino. A Câmara cedeu, para êsse efeito, na Rua do Pôço, um edifício mais que modesto, o qual poucos anos depois teve de ser abandonado por não poder conter a população liceal. Tinha a casa péssimas condições pedagógicas.

 

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Chaves - Rua do Poço - O primeiro Liceu na «Casa do Passadiço»

 

A inauguração solene do Liceu fêz-se em 5 de Outubro de 1903, e as aulas começaram a funcionar com três professores, um contínuo e 60 alunos (13 raparigas e 47 rapazes), todos da I.ª classe, no dia 8 imediato.

 

O Regulamento de Instrução Secundária de 12 de Setembro de 1918, mandava passar para a administração do Estado os liceus nacionais sustentados total ou parcialmente por corpos administrativos. Não se deu, porém, cumprimento imediato a esta determinação, e o Liceu Nacional de Chaves continuou financeiramente sujeito à administração do Município, até que, em 6 de Março de 1919, por fôrça do decreto n.º 5.204, passou a ser sustentado inteiramente pelo Estado. Já nessa altura usava o nome, que pouco antes lhe tinha sido atribuído, de «Liceu Nacional de Fernão de Magalhãis».

 

Entretanto, quando a «Casa do Passadiço» foi insuficiente para recolher tôda a população liceal, a poucos anos da criação do Liceu, a Câmara vira-se obrigada a procurar prédio mais amplo e mais higiénico, para satisfazer os interêsses do ensino. Encontrava-se então vago, no Largo do Anjo, o antigo solar Casa de Santa Catarina, dos Chaves Morais Castros Pimenteis, que havia sido comprado, para servir de Colégio-internato, pelos irmãos P.e José e P.e Joaquim Fontoura. Um pouco antes ou um pouco depois da fundação do Liceu, êste Colégio de D. Joaquim (onde foi professor o actual Chefe de Estado) fechou as suas portas; e, logo após, o prédio passou a ser propriedade do Banco de Chaves, e, depois, do Município, sendo nêle instalado o Liceu.

 

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Foi o reitor Carlos Alberto Lopes Moreira, ao mesmo tempo presidente da Comissão Administrativa da Câmara, quem acabou com as últimas servidões existentes no prédio. E mercê dos esforços começados a realizar por êste reitor e não terminados ainda, o Liceu dispõe hoje de instalações sofríveis, algumas boas, que tornam menos desconfortáveis, para professores e alunos, a vida escolar: estão organizados gabinetes e laboratórios, a biblioteca dispões de uma sala de leitura e de livros que vão sendo bastantes, para dar satisfação ao interêsse dos alunos e às necessidades do ensino, existe uma Cantina Escolar, instalaram-se vestiários para alunos e professores, e retretes em número bastante; com um subsídio solicitado à Câmara, fêz-se uma instalação de aquecimento central em todo o edifício, a qual vem funcionando satisfatòriamente desde há 5 anos; adquiriu-se material didático e mobiliário escolar, instalaram-se condignamente os serviços administrativos e introduziram-se no edifício tantos melhoramentos materiais que quási o não reconhece quem o não visita há 10 anos.  

 

Com tudo isto, o Liceu continua, porém, sendo um dos piores do país, porque lhe falta o espaço e a casa não permite que se faça uma adaptação satisfatória. A solução só pode ser dada pela Junta Administrativa das Construções para o Ensino Técnico Secundário, entidade a quem compete a construção dos novos edifícios liceais.

 

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 Atual Liceu (Escola Secundária Fernão de Magalhães) no Largo das Freiras

 

Têm dirigido o Liceu de Chaves, desde 1903, os seguintes reitores: - José Barros Nunes de Lima Nobre (1903-1905), Abílio Gomes de Morais Sarmento (1905-1906), Luiz Alves Pereira (1906-1907), António Albino Gomes Saraiva (1907-1909), Joaquim Fernandes Ferreira (1909-1910), João Eloy Nunes Cardoso Júnior (1910), José Mendes de Araújo (1910-1915), Gonçalo Augusto Álvares Pereira (1915-1917), Caetano Vasques Calafate (1917-1919), Domingos Alves Grandinho (1919-1922 e 1924-1925), Cândido Augusto de Melo (1922-1924), Berto Luiz Guerreiro (1925), Alexandre Fernandes da Costa Feijão (1925-1926), Carlos Alberto Lopes Moreira (1926-1931) e Aníbal Catarino Nunes (a partir de 1932).

 

Chaves, Agôsto de 1937                                                                       

 

ANÍBAL CATARINO NUNES                                                                  

Reitor do Liceu                                                                           

 

Bibliografia:

“Portugal Económico Monumental e Artístico – Fascículo XXII – Concelho e cidade de Chaves”

onde,  no ante-rosto do livro, se pode ler: “Obra oficialmente recomendada pelo Conselho Nacional de Turismo e por êste alto organismo classificada de «interesse e útil para a expansão turística do país.»

 

 

07
Mar17

Cidade de Chaves, um momento


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É ao olhar para uma imagem como a que hoje vos deixo que sei o que é ser flaviense, e a conclusão é muito simples, é que ao longo desta rua, destes passeios, da esquina do Vilanova, das freiras ao fundo e principalmente do edifício da esquerda, o Liceu, tenho momentos passados, emoções vividas, olhares trocados, sorrisos oferecidos, alegrias vividas, brincadeiras, conversas sérias e outras que nem tanto... Mas é do liceu que mais sentimentos guardo, não só por ser uma das casas que contribuiu para a minha formação e educação, mas por todos os momentos lá vividos, amizades que se fizeram para toda a vida e claro, amores e paixões. Mas esta esquina do Liceu marca dois momentos importantes da minha vida dentro dele, as duas salas de aula. Em baixo o anfiteatro que foi a minha sala de aulas no primeiro ano que frequentei o liceu e por cima, a sala de desenho onde precisamente à disciplina de desenho (ou geometria descritiva) encontrei um dos melhores professores daquela casa, o Dr. Costa. Sala essa que foi também a minha sala de aulas do último ano em que frequentei o Liceu. Quase poderia dizer que entrei por esta esquina em criança e por ela saí já adulto.

 

 

14
Ago15

Discursos Sobre a Cidade - Por Gil Santos


GIL

 

FILINTO OSÓRIO GIRÃO

 

Filinto Osório Girão era a (des)graça de um professor de História, que muitos dos que passaram pelo Liceu Fernão de Magalhães lembrarão com saudade. Creio que não haverá ninguém que por lá tenha andado, nos anos quentes de Abril, que não recorde, com certa nostalgia e algum remorso, esta figura impar, quase mítica, do nosso velho Liceu. Gostaria até de poder afirmar que se trata de um nome lendário que povoa o imaginário coletivo do Liceu. Contudo, Filinto Osório Girão foi um professor de carne e osso, que um destino quase cruel trouxe, algures, do Douro e desterrou na cidade de Trajano, contra a sua vontade e a da própria família, dele tão carente. Isso marcou a nossa vida académica!

 

Filinto foi um lázaro, a quem nem o próprio nome favorecia. De meia-idade, era uma figura caricata, dada ao escárnio e ao mal dizer. Careca, meio-taco, óculos pequenos, redondos, com lentes de fundo de garrafa, fala maneirinha e andar de saltão, eram alguns dos predicados que faziam deste profe uma figura de um mundo outro. Mas não eram únicos!.. De fato escuro e chapéu de feltro, aluado, cai-nos na apresentação como o escravo no circo romano!

 

Osório era, apesar de tudo, um homem inteligente, culto e com o dom da palavra, mas, simultaneamente, demasiado liberal e com pouco jeito para alunos, ainda para mais, embriagados pela liberdade dos cravos e das rga’s que tudo decidiam. Quase maníaco, invocava os filmes da vida privada, quase com a mesma frequência com que o nevoeiro se instala no vale do Tâmega, nas manhãs de inverno e aos quais dava mais importância do que à Revolução Francesa ou à Grande Guerra. Por isso, bondaram cinco ou seis aulas, para que lhe ficasse traçado o destino. Os mais galferros depressa lhe tiraram as medidas, como o cangalheiro ao féretro e fizeram-no de fel e vinagre!

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Logo na primeira aula escachou a intimidade, como a rameira as pernas, pondo ao léu o que não devia! Efetuou uma preleção muito elaborada sobre a disciplina, a política, o tempo, mas sobretudo sobre si próprio: quem era, onde nascera, de onde vinha, do que gostava e do que não gostava, do que fizera e do que não fizera, do que gostaria de fazer, dos amores e dos desamores, das quimeras, das expetativas e das frustrações, da família, dos filhos e da mulher, a sua princesa, como ele dizia! Parecia a homília do Carabunhas na Semana Santa! Quase como um lãzudo desnorteado, pinchou o parapeito da trincheira e abriu o peito às balas do boche! Porém, apesar de tudo, aquele setôr foi uma espécie de bênção que nos caiu dos céus. Naquela ocasião, carecíamos de gente fraca, para expiação dos pecados mortais da liberdade, tantas vezes confundida com tantas outras coisas!

 

A segunda aula foi do mesmo e a terceira e a quarta e a quinta. Portanto, não nos tendo conseguido interessar pelos temas da História, desprezados pela natureza dos tempos e dos cábulas, conseguiu, sequer ao menos, interessar-nos por si próprio, expondo a fragilidade que rapidamente devorámos à tripa-forra. Quem caísse na aula, por acaso, desconhecendo de que disciplina de tratava, haveria de pensar ser qualquer coisa que não História Universal!

 

O circo estava armado e palhaço já tínhamos!

 

O Amaral, rapaz dado à excentricidade, tantas vezes expulso das aulas apenas pela fama de lapantim, granjeada à força de muitas injustiças e outras tantas cobras de água apanhadas nas margens do Tâmega e levadas para o Liceu entre o couro e a camisa, passou, desta feita, pelas Caretas para ver se ainda tinham peidos chocos que sobrassem do entrudo. Que sim. E que também tinham bichas de rabiar e bombas de carnaval, das fraquinhas. Mercou cinco garrafinhas de peidos, meia dúzia de bichas e algumas bombas.

 

Na aula do dia seguinte, sob a almofada da cadeira da secretária, rebuçou três bombinhas de mau cheiro. Osório entrou, e como fazia sempre, alapou-se para escrever o sumário. Não deu conta que tinha esmigalhado as garrafinhas do ácido clorídrico, que começaram a exalar um pivete quase insuportável. Escrito o dito cujo, revisões da matéria dada, esperava-se que Girão reagisse à coca e nos mandasse ausentar para gozo de um feriado tão desejado. Que nada! Sacou do bolso do paletó uma carta que havia recebido de sua esposa e preparava-se para a ler. Ainda hesitámos entre degustar as intimidades, suportando, estoicamente, o pivete, ou gozar o feriado! Apesar de a missiva prometer farta galhofa, não quisemos saber e em alvoroço manifestámos a impossibilidade de resistência àquela pestilência. Veio o senhor Capela e mais tarde o próprio Vice-reitor que nos ameaçou com severo castigo que nós sabíamos ser para inglês ver! Mandou-nos sair, reconhecendo a impossibilidade da aula continuar. Girão, ficou mais frustrado com a impossibilidade de nos ler a carta do que com a peste ou a perda da própria aula.

 

As seguintes reservariam ainda mais surpresas.

 

Na primeira aula da semana seguinte, estou que para nos sensibilizar para a desgraça do seu desterro, Filinto aprontou-se para nos ler a tal carta. Mal acabou o sumário, atirou-se a ela como um cão ao osso. E bota e bira, aquilo era de caixão à cova! Os dezeres, desde a cama à mesa, eram hilariantes! Mal a leitura acabou, tal como acontece no fim do arraial de Valpaços, houve fogo-de-artifício. Três bichas de rabiar percorreram a sala em girandola, no final dois morteiros para rematar. Cuidando tratar-se de alguma desgraça, toca a esvaziar a sala com direito a mais um feriado. Desta vez, ganhámos um sermão do próprio Reitor e a ameaça de que se voltassem a acontecer os disparates que vinham acontecendo naquela aula, íamos todos para casa, com uma semana de suspensão. Tratámos de abrandar a guerrilha mudando a estratégia.

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Então, já que não podia ser a turma toda a sair ao mesmo tempo, ao menos que fossem alguns de cada vez! Ora, depois da chamada, ao longo da oratória, sempre despropositada, quando o apanhássemos de costas ia saindo um de cada vez, até que cinco estivessem de gazeta nas Freiras. Fizemos uma escala e a coisa resultou, até que uma das levas foi descoberta pelo Sr. Mota que pôs o Reitor de sobreaviso.

 

Já que não podíamos facilitar e nos privavam dos feriados, mudámos de agulha e em vez de gozarmos fora da sala, fá-lo-íamos lá dentro.

 

Organizou-se um concurso de eructações. Muitos não sabiam como arrotar propositadamente, então, Marco, um dos mais entendidos, organizou uma ação de formação de curta duração! Quase todos ficaram aprovados e com distinção. Até as meninas, menos atreitas a estas excentricidades, alinharam.

 

Aquilo foi o fim do mundo!

 

O professor a tentar explicar a intervenção de Portugal na Grande Guerra e a ser interrompido, a cada quinze segundos, por uma enxurrada de arrotos. Que tinha sido o almoço da cantina que tinha caído mal! E, como eram muitos os que por lá almoçavam, muitos eram também os que tinham ar na canalização! Comeu-a e pacientemente foi solidário com os infelizes. Deu a aula por acabada, muito antes de tocar para sair. O desafio foi ganho pelo Arnaldo cujos arrotos pareciam roncos de um vulcão em erupção. Ninguém percebia como era capaz, por querer, de engolir tanto ar, passando largos segundo a expandi-lo com tamanha sonoridade!

 

A próxima estratégia seria mais sofisticada e não acessível a todos: um confronto de flatulência. Para o efeito, foi necessário preparar o terreno de véspera, com uma feijoada a preceito no fim-de-semana. Não vos digo nem vos conto, na aula de segunda-feira, foi tamanho o foguetório que perecia haver festa rija! Entre o ribombar de uns e o silêncio de outros, instalou-se um tal ambiente que nem as bombinhas de mau cheiro, de há duas semanas, conseguiam remedar. E para a festa ser completa, o Peixinho, a certa altura, alça a perna, levanta a nalga e solta um sonoro traque dizendo em alta voz:

 

― Oh Amaral troca-me este por miúdos!

 

E o marlante fez-lhe mesmo os trocos, com um chorrilho de rateres como se da mota do Freitas se tratasse!

 

Nunca percebi porquê, mas este concurso não deu estrilho e nem chegou ao Reitor, mas deu brado na escola. O vencedor foi o Queirós, cuja feijoada deveria ter sido a mais condimentada! A diretora de turma, envergonhada, convocou a sua mãe, para lhe dar conta daquela pouca vergonha!

1600-folares-feira 14 (6)

Que não fizesse caso, o rapaz fazia o mesmo à mesa e o pai aplaudia, defendendo que só se caga quem tem saúde!..

 

Privados dos feriados, porque o professor nunca faltava e o reitor se tinha prevenido, teríamos, então, de arrepiar caminho. Começámos a ponderar o saneamento do docente por incompetência.

 

Primeiro, alguém lhe roubou o chapéu que colocava sobre a secretária no início da aula, o que o deixou muito arreliado e mesmo ameaçador, como, aliás nos convinha. Depois, convocou-se uma rga e mandatou-se o Ernesto, autor de inusitadas teorias pedagógico-didáticas, para argumentar sobre a incompetência pedagógica e até científica do professor. Depois de acesa discussão, a assembleia, democrática, vergou-se ao argumentário e votou, unanimemente, a favor do saneamento.

 

Doravante, até ao fim do ano, deixámos, agora legitimamente, de ir à aula de História do Osório Girão.

 

O infeliz não deu parte de fraco. Ao toque dirigia-se compenetrado para a sala, com o livro de ponto numa mão e a pasta de couro na outra, escrevia o sumário, marcava as faltas, que pelos vistos não contaram para nada, e dava a aula para as paredes que não lha boicotavam. E assim andou até junho.

 

Na última aula do ano, topou, sobre a secretária, o seu amado chapéu de feltro. Parecia um pastel de Chaves por ter estado enfiado entre o colchão e a rede da cama do Felismino, durante mais de cinco meses!

 

Ao lado um manuscrito:

 

Em honra ao desterro, o seu pastel de Chaves!

 

Como diria o poeta Aleixo:

Descreio dos que me apontem

Uma sociedade sã:

Isto é hoje o que foi ontem

E o que há-de ser amanhã!

 

Filinto Osório Girão, hoje, seria apenas mais um infeliz a ter de deixar o conforto do seu lar e a segurança da sua terra para vaguear, erradamente, por esse mundo cão à cata de pão para a mesa de seus filhos!

 

Eu até gostava dele e por vezes a sua ingenuidade chegava a comover-me.

 

No fundo, Osório era um homem bom, mas como professor muito mau, por se deixar devorar, tão facilmente, pela crueldade voraz dos alunos.

 

Para se ser bom professor não basta saber-se muito, é também necessário saber colocar a máscara que mais se adeque a cada momento das nossas vidas!

 

Saudades do professor Filinto Osório Girão!

 

Gil Santos

 

 

13
Jun14

Discursos Sobre a Cidade - Por José Carlos Barros


 

Quando a Poesia Irrompeu nos Corredores do Liceu de Chaves

por José Carlos Barros

Era por finais dos anos setenta, quatro ou cinco anos depois da revolução de Abril, e a poesia invadiu o Liceu de Chaves. Francisco José Viegas, ainda em 1978, publica "O Verão e Depois", numa edição de autor que levava a chancela dos "Cadernos do Largo das Freiras". O livrinho havia de ser citado no Bookcionário do Fernando Assis Pacheco e de ser recenseado pela Maria Estela Guedes no suplemento literário do Diário Popular. "Barcelona Sobre as Águas" e "Elogio do Haxixe", assim de repente, eram poemas que saíam dos corredores do Liceu de Chaves para os jornais de Lisboa e para o conhecimento do mundo. Era o princípio de qualquer coisa que ninguém perdia tempo a perguntar que coisa era. Muitos anos antes de vencer o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, com "Longe de Manaus", o Francisco iniciava a sua carreira literária com um livrinho policopiado e vendido no espaço exíguo inscrito num triângulo isósceles com vértices na Madalena, no Café Aurora e na Livraria Ana Maria.

Pouco tempo depois da edição de "O Verão e Depois", teria eu ainda quinze anos, esperava-me o Florêncio Freitas, no intervalo grande da manhã, à saída da sala 19, para me convidar a colaborar na "Janela Aberta". Nesse suplemento escrevíamos crónicas de circunstância, poemas, contos. E se o mundo não mudou não foi por falta dos nossos ímpetos, mas pela razão simples de que o mundo muda sempre devagar e porque, a meio, um dia nos esquecemos de que um dia estivemos dispostos a mudar o mundo.

Tínhamos quinze, dezasseis anos, e tínhamos heróis literários. Os nossos heróis não eram apenas os Cristianos Ronaldos de então, que os havia, não eram apenas as Lady Gaga de então, que as havia. Nos breves intervalos da loucura de sermos jovens, num tempo em que nos começávamos a preparar para beber brancos no balcão do Faustino e girafas na Romana, e a namorar encostados aos troncos de largo perímetro dos plátanos do Jardim Público ou a olhar as águas do Tâmega sobre o paredão do Tabolado, discutíamos "As Mãos e os Frutos", os "Novos Contos da Montanha", a "Alegria Breve". E já então nos dividíamos entre os que mitificavam a escrita limpa do Torga, tão imbrincada no húmus e no destino de sermos homens como se fôssemos deuses, e os que o achavam vulgar, demasiado chão. Já então, lembro-me, alguém falava d' "O Amor em Visita", do Herberto Hélder, a caminho de querermos ser homens, que era um modo de rumarmos à tasca do Malgudo a beber uma jeropiga que sabia a petróleo.



A poesia invadia, por esse tempo, o Liceu de Chaves. Eu escrevia na "Janela Aberta" e o Fernando Ribeiro andava de cizânia com o Fernão de Magalhães Gonçalves, a enviar-lhe poemas por interposta pessoa como se não fossem dele. A ver no que dava a crítica literária em provas no escuro... E o Fernão, generoso além de sedutor, escrevia nos jornais locais sobre os poetas dos corredores do Liceu de Chaves -- e escreveu sobre um poema meu, entusiástico, e a literatura, assim de repente, era uma coisa tão mágica e simultaneamente tão próxima de nós como bebermos um fino no Sport ou descermos a Rua de Santo António e dizermos "esta é a varanda da casa do Nadir Afonso".

Também o António Manuel Alves Ramos, como o Francisco, publicava desde 1978, com "Luz Longitudinal", e depois em 1979 com "Tronco Quebrado", e depois em 1980 com "O Outono e Tu". Mais tarde, em 1981, "O Tempo dos Outros" teria uma chamada de capa com uma nota do mesmo Fernão de Magalhães Gonçalves que, professor do Liceu, atento, generoso, escrevia sobre o que escreviam os poetas do Liceu.

Daniel Pinheiro publicaria, ainda em 1980, "Urgente" e, em 1982, "Movimento Perpétuo". Havia na escrita do Daniel uma força, uma fragilidade, uma voz que merecíamos que tivesse continuado pelo tempo fora a surpreender-nos, a tocar-nos. Mas era também disso que se fazia o movimento poético dos corredores do Liceu de Chaves -- de sobressalto e esquecimento, de júbilo e perdas.



O Fernando Ribeiro, entretanto, publicava "Sempre", livro de 1980, e, no mesmo ano, "Palavras e Sombras". Com este conjunto de poemas vencera o Prémio Ferreira de Castro, destinado â literatura juvenil. Também Francisco José Viegas vencera o Ferreira de Castro, também o Manuel Francisco (que talvez viesse a ser o melhor de nós todos, se uma curva o não levasse para que nós o pudéssemos perder) vencera o Ferreira de Castro. Era como se a literatura do país não pudesse exercer-se fora dos corredores do Liceu de Chaves. Era como se alguma coisa de muito importante, na poesia, não pudesse acontecer fora de um arco de duzentos metros com centro no Largo das Freiras.

E também eu, antes de iniciada a década de oitenta, publiquei um livro de poemas. Eram edições de autor: fotocopiadas, policopiadas. Não chateávamos editores nem pelouros da cultura das Câmaras Municipais a pedir apoios ou subsídios: publicávamos por nossa conta e risco, cinquenta exemplares, cento e cinquenta exemplares. Apenas por sentirmos que éramos livres e que vivíamos num tempo em que o importante era estar, era dizer, era sentirmo-nos presentes.

Francisco José Viegas, António Manuel Alves Ramos, Daniel Pinheiro, Fernando Ribeiro, Teresa Joel e os seus "Sonhos de Pedra", Rosa do Adro (pseudónimo, se bem me lembro), o Florêncio como uma espécie de coordenador de talentos, o Humberto Teixeira, o Fernão de Magalhães Gonçalves a permitir-se o papel de tutor de uma geração, e tantos outros que agora não me ocorrem -- eis um exemplo de como a poesia pode entrar nos corredores de uma escola, pendurar-se nos tectos e nas paredes da escola, distribuir-se em folhas avulsas, em fotocópias, em volumes encadernados, em manuscritos, em suplementos literários de jornais da província, em palavras que se dizem em voz alta ou em segredo, para sempre, a um ouvido cúmplice.

É mais uma história, de entre tantas, que ainda ninguém contou. A história do tempo em que a poesia irrompeu pelos corredores do Liceu de Chaves.

 

 

20
Dez13

Discursos sobre a cidade - Por Gil Santos


 

ORNITORRINCO

 

Corria o vigésimo sétimo dia de março de 1972, uma comum quarta-feira, dia de mercado municipal em Chaves. A manhã apresentava-se com cara de cão, quiçá para não contrariar o adágio: março marçagão, de manhã cara de cão, à tarde cara de rainha e à noite corta com uma foucinha!

 

Como de facto, não havia maneira de o carambelo ir pregar para outra freguesia. E pese embora já chilrearem as primeiras andorinhas nos fios da luz do velho convento das Freiras, bem se agradeciam ainda cachecóis, luvas e carapins de merino. Para quem os avezasse, bem entendido. As mãos ainda engaranhadas e as orelhas enfrieiradas pelo inverno pareciam bombos. As pencas teimavam em pingar aguadilha, por persistência das neblinas e dos barbeiros galegos.

 

Apesar disso, a campainha do Liceu continuava a tocar, inexoravelmente, para a primeira aula das oito e meia. E os excomungados radiadores de ferro do aquecimento do vetusto convento estavam gelados. Pudera, a caldeira estava sempre avariada!

 

Pelos portões entrava a ralé. Pelo da rua de Santo António os rapazes, como gado para o pasto; pelo da rampa das Freiras/Lapa, as raparigas. A porta principal estava reservada à nobre gente: professores, funcionários e outros cachapins. Não se toleravam misturas. E que o Redes as visse!.. Cada macaco em seu galho! Às meninas era reservada uma parte do Liceu, aos rapazes outra. Aos docentes e demais povo a escola toda! Nem sequer se admitiam entradas na sala de aula depois do professor ou após o segundo toque. Quem facilitasse mamava falta no livro de ponto e na cardeneta, como alguns diziam!

 

 

Nesse dia, na sala quatro, sita sob a biblioteca, se não me alvido, no meu terceiro ano de liceu, tinha a primeira aula do dia, Ciências Naturais, com o célebre Dr. Castro, o somítico. Os vinte e cinco alunos da turma B aglomeravam-se à roda da porta da sala em conversas de ocasião, esperando a chegada do mestre. Pouco depois da tolerância dos cinco minutos, com um andar gingão, fingindo mascar uma chiclete que não tinha, de pasta de couro cru na canhota e livro de ponto na destra, pelo claustro vinha o professor de Ciências. Trazia na expressão o mesmo gozo de sempre. Um verdadeiro pimpão!.. Para alguns um terror, diga-se!

 

— Bom dia, piquenos! Vamos ao castigo?

 

Começava mal, como quase sempre! De facto, chamar piquenos a rapazes já gargalhotes, sendo que alguns até já punham navalha na cara, era uma ofensa. Ademais, apelidar a sua aula de castigo era uma provocação, uma vez que se tratava, quase sempre, de um momento de grande divertimento, para alguns!.. Calámos a revolta e, com a habitual alegria fingida, respondemos:

 

— Bom dia setôr.

 

Entrámos como pitos atrás da galinha. Ordeira e silenciosamente dirigimo-nos aos lugares marcados.

O Dr. Castro venceu os dois degraus do estrado como o forcado o taipal da arena, triunfante! Alapou-se na secretária, num plano superior ao da matula reles das carteiras de tampo inclinado. Apesar da primavera marcelista, quando a superioridade do mestre não se ganhava pelo mérito, conseguia-se pelo nível em que ditava as suas leis e as do livro único.

 

 

Enquanto os alunos tiravam cadernos, livros e escrevedores das pastas, o mestre arrimou o compêndio de Zoologia de Augusto Soeiro, do 3º ano dos liceus, para cima da secretária. Fê-lo com ao mesmo espírito de quem atira um cibo de pão aos cães! Ao lado, cinicamente, acomodou a caderneta. Essa maldita caderneta cinzenta de capa de pano, sebenta, onde registava os mais ínfimos pormenores da vida académica, e não só, de cada um dos seus discípulos! Depois abriu o livro de ponto. Desta vez, no dia 27 de março. Vociferou:

 

— Vamos lá ver quem é o calina que vem ao quadro escrever o sumário. Ora, sete e sete são catorze, com mais sete vinte e um, tenho sete namorados e não gosto de nenhum!..

 

Ao acabar esta cantilena, o seu rosto iluminou-se com uma expressão quase enigmática! Que gozo lhe emprestavam estes bitaites! Continuou:

 

— Número vinte e um, venha ao quadro.

 

Calhou a sorte ao Russo, um rapazinho enfezado do Planalto, fino como azougue. Levantou-se um pouco a contragosto e, dirigindo-se à lousa, pegou no pau de giz na esquerda e no apagador na direita. Aguardou que o magíster ditasse:

 

— Lição número 64, dia 27 de março de 1972, sumário: Sabatina.

 

Quando a malta ouviu aquela malvada sentença, parecia que um bocado de céu velho lhes tinha caído na cabeça. A mim, pessoalmente, era como se me tivessem dado ordem de marcha para o front, nas trincheiras da Flandres!

 

— Meu Deus, e se me toca a vez?! – Pensava cada um com os seus botões!

 

 

 

 

 

A cortar prego, alguns não disfarçavam a cor da cera dos círios que ardiam no S. Caetano!

 

Piquenos, vou chamar seis, à sorte. É conforme der a minha querida caderneta. No final quem ficar em primeirinho terá bom grande, em sigundo bom piqueno, em terceiro suficiente, em quarto sofrível, em quinto medíocre e em sexto mau! Farei quinze perguntas.

 

A sabatina constava de uma chamada oral, porém de contornos muito especiais. No início, os alunos eram alinhados pelo seu número de ordem, do primeiro ao sexto lugar. Depois, era lançada uma pergunta para o primeiro. Se ele acertasse e dentro do tempo, mantinha a posição. Caso não respondesse, o fizesse erradamente ou fora de tempo, a pergunta passava ao segundo. Se este respondesse certo passava para primeiro lugar e era feita uma nova pergunta ao aluno que se seguia. É claro que quem soubesse ganhava o lugar e a nota a quem não soubesse responder. Isto era um martírio, porque para além de ter de se lidar com os conhecimentos, quase sempre marrados e de ínfimo pormenor, tinha de se vencer uma pressão enorme, mas, sobretudo, levar com o gozo do professor e a vergonha dos sortudos que derringavam polaina nos lugares. No final da sabatina, para além do registo da classificação na maldita caderneta, o Dr. Castro fazia questão de enviar um recado no caderno diário para que o encarregado de educação assinasse e que controlava, religiosamente, na aula seguinte.

 

O tempo que eu perdi a treinar a assinatura da minha santa mãe!

 

O professor pegou então na caderneta e abriu à sorte. Primeira vítima, o nº 4, Aldegundo Castiçais; segunda o nº 20, Mijardino Salgado; terceira, o nº 14, Chico Peixinho; quarta, o nº 16, Geirinhas Estarrinca; quinto, o nº 24, Necrotério Rola e, por fim, nº 6, Arnaldo Queijadas.

 

Calhou-me em sorte mostrar o que sabia. Ia-me mijando pelas pernas abaixo. E eu que não tinha estudado nada! Contudo, aguentei estoicamente, embora branco como a cal!

 

Fomos alinhados: 1º Aldegundo; 2º Arnaldo; 3º Chico; 4º Geirinhas; 5º Mijardino; 6º Necrotério. Se a sabatina acabasse como começara, a mim tocava-me um sofrível, o que não era mau de todo. Quem mo dera!

 

 

O Dr. Castro, com o seu ar de intelectual da Madalena, tomou o compêndio e sentou-se na carteira vazia do Mijardino. Antes de iniciar a sabatina, fez questão, como manda a sapatilha pedagógica, de puxar uma chalaça para levedar a massa!..

 

— Saibam os piquenos que um dia, há muitos, muitos anos, estava um aluno a fazer prova oral de Ciências, quando o professor que o interrogava, e que era zarolho, o informou que lhe ia fazer a última pergunta. Se acertasse, passava, se errasse, chumbava. Tratava-se de um aluno lapantim, mas com um sentido de humor muito apurado. O professor que tinha a mania que era tão engraçado como o vosso professor de Ciências, perguntou:

 

— Ora, então, diga-nos lá quais são as ordens da classe das aves que conhece.

 

O examinando, não contando com a pergunta e não sabendo que seriam as aves de rapina, os pássaros, as columbinas, as trepadoras, as galináceas, as pernaltas, as palmípedes e as corredoras, respondeu, de coração ao largo e para não ficar calado:

 

— Pois são os pássaros, os passarinhos e os passarucos, as aves de rapina e os cucos!

 

O docente, olhando-o contra o governo com o seu olho zarolho, respondeu:

 

— Olhe lá, e um chumbo para matar a passarada!?

 

O aluno, com toda a calma, respondeu:

 

— Oh, senhor professor, e um olho mirolho para falhar a pontaria!?

 

E o Dr. Castro ria-se a bandeiras despregadas, contrariando os seus alunos que apenas esboçavam um sorriso amarelo de simpatia forçada. Cagadinhos de medo!

 

Lançou, então, a primeira pergunta para o primeiro da ordem, o Aldegundo:

 

Piqueno, diga-me lá a que classe pertence o Chicucubanda.

 

— Boa te vai… — pensou Aldegundo.

 

Nunca em tal, alguma vez, tinha ouvisto falar!? Declarou d’amodinho não ser sabedor. Passou ao segundo, o Arnaldo, aluno muito marrão. Respondeu ao calhas que o bicharoco faria parte da classe dos batráquios. É claro que a procissão parou ali para descanso do andor!..

 

Batráquia era a sua tia Brízida que tinha o corpo malhado de marelo e passava os dias a coaxar nas poças da galinheira! Ora esta!

 

 

 

 

 

Passou ao terceiro, o Chico Peixinho. Não sabendo responder botou à sorte que seria à classe das rãzes. Gargalhada geral…

 

— Ora, sim, senhor, com esta agora é o peixinho nos coseu. À classe das rãzes, peixinho!? Não estudes, piqueno, e vais acaçá-las ali para a Ponte Nova para fazermos uma omuleta com as suas coxinhas!

 

Passou ao quarto, precisamente o narrador desta estória. Confesso que nunca me tivesse passado pelas vistinhas tal animal, pese embora eu gostar muito de folhear o compêndio para ver as figuras! Nada interessado em me expor, não me dei às consequências de uma resposta disparatada. Respondi com um silêncio comprometedor, para não ouvir o que não queria. Esgotado o tempo, a pergunta passou ao seguinte, o Mijardino. Para espanto de todos, respondeu que o Chicucubanda era uma espécie de largato e que pertencia à classe dos répteis. A resposta estava certa e deu-lhe direito ao primeiro lugar. Contudo, havia ainda muito caminho a percorrer. E, pela categoria da primeira questão, a festa prometia fogo-de-artifício e tudo. Nós seriamos os bombos!

 

As perguntas seguiram-se a bom ritmo e rara era a que não obrigasse à troca de posições e a verdadeiras atoardas de parte a parte. Despois de imenso sofrimento, chegou finalmente a derradeira. Eu ocupava a posição que dava direito a um medíocre. A manter-se, punha-me a fazer contas de cabeça. Ou pedia, com jeitinho, que a minha mãe o assinasse, contando, no mínimo, com uma desanda, ou, mais uma vez, corria o risco de ter de lhe remedar a assinatura, sujeitando-me ao perigo que representava o olho clínico do mestre Castro. O diacho do homem parecia que tinha pacto com o diabo!

 

                     

 

Foi lançada, então, a última pergunta ao primeiro da ordem, o Necrotério.

 

— Ora, então, o piqueno vai dizer-nos a que ordem pertence o Ornitorrinco!

 

Quando ouvi tal pergunta, fiquei radiante. Sabia a resposta! Porém, temia que algum dos quatro que estavam à minha frente a soubesse também.

 

O Necrotério calou-se como um rato!

 

O Aldegundo fingiu-se muito pensativo, mas nem fumo!

 

O Mijardino encolheu-se como o caracol encolhe os corninhos quando lhos tocam.

 

O Arnaldo, sabichão, respondeu:

 

— O Ornitorrinco, o Ornitorri… já sei, pertence à ordem dos Quirópteros.

 

— Ah, seu grande morcego-orelhudo, com que então temos aqui um Quiróptero. Eu, quando estiver com o seu paizinho, vou-lhe dizer para lhe arranjar um poleiro numa árvore para dormir de cabeça para baixo. Você não é um morcego, você é um asno!..

 

Era a minha vez. Eu nem pude esperar que acabasse a frase. Respondi logo:

 

— O Ornitorrinco pertence à ordem dos Monotrématos.

 

— Ora, cá temos um piqueno que sabe a resposta, parabéns! Passe para o primeiro lugar.

 

Não cabia em mim de contente. Sempre valeu a pena azucrinar a cabeça do meu primo Zé Borges, chamando-lhe Ornitorrinco a toda a hora!

 

O Dr. Castro mandou-nos sentar e que lhe levássemos os cadernos diários para passar a receita. Dessa vez, levei um Bom, acho que foi o único que enchavilhei no meu 3º ano. Com que alegria e vaidade eu exibi aquele Bom para que a minha mãe mo assinasse! É que não era um Bom qualquer, era um Bom sacado numa sabatina com o Dr. Castro!.. Acho que a partir dali ganhei um gosto pelas ciências naturais que jamais perdi. Mais tarde, virei-me para a geologia e aí fiz grandes descobertas. Só nunca consegui foi descobrir o segredo do Liceu!

 

Mesmo depois de 1974, em que as RGA´s e tudo o mais transformaram o Liceu numa babilónia, em que lhe fiquei a conhecer os mais recônditos e proibidos recantos, incluindo as águas furtadas que invadíamos para ir escutar os conselhos de turma ou entupir as fechaduras das portas de noite para não termos testes de dia, eu consegui dar-lhe com o segredo. Dizia-se que do castelo desembocava um túnel no antigo convento, para que as freirinhas pudessem recolher-se na torre de menagem em caso de perigo. A verdade é que nunca consegui dar-lhe com o sítio. Nem eu e acho que nem os mais pintados que do Liceu só não conheciam as salas de aula!

 

Abençoado professor Castro, professora Marília, professora Adília Verdelho, professora Isabel Viçoso, a melhor professora de Matemática que alguma vez eu conheci, professora de Físico-química, Maria José Grilo, que me chumbou no sexto ano com 3 valores. E tantos outros… Já agora, abençoado padre Ladislau que, quando lhe dava para puxar pelas aféreses, pelas síncopes e as apócopes, as próteses, as epênteses e as paragoges, começava a disparar cachaços na primeira carteira e só acabava na última, quando todos já tivessem o motor bem quente. E quando ele puxava por Luís de Camões, lembrando que era um poeta internacionalmente conhecido em Portugal… E aquele professor de História que dava pelo nome de Antero Lopes, antigo militar, que trazia para o Liceu as manias e as falas da tropa? E o Dr. Costa, de Desenho, que penteava o cabelo para tapar a careca! E o Sr. Capela, funcionário, que tantas vezes nos defendia o coiro das fúrias do seu colega Redes!

Ai, se as paredes do velho convento das Freiras fossem capazes de nos contar as estórias a que assistiram!..

 

Com esta vos deixo:

 

Corria o ano letivo de 1975/76. Numa noite, dois galferros entraram no estrebão do Liceu pela claraboia da folha de telhado que dava para o portão das raparigas. Levavam um rolo de cartolina com uns escritos e no bolso chicletes Gorila. Conhecedores das andanças, seguiram por entre as traves e os caibros e desceram pelo alçapão de uma casa de banho no primeiro andar. Dirigiram-se à entrada da sala dos professores e desenrolaram a cartolina. Procuraram um escadote na arrecadação e cada um mascou uma chiclete durante o tempo que demorou a entupir tantas fechaduras de sala de aula quantas pudesse, com pauzinhos de uma carteira de fósforos. Quando lhes pareceu, pregaram um bocado da goma mascada em cada um dos quatro cantos das costas da cartolina e pespegaram-na por cima da porta da sala dos professores. Continha os seguintes dezeres:

 

“ARMAZÉM FORNECEDOR DO HOSPITAL JÚLIO DE MATOS”

 

Que saudades do velho Liceu!

 

Hoje, já não temos Liceus nem tão pouco alunos e professores tão brilhantes! Na sua vez temos mega-agrupamentos, pasme-se!

 

E tudo o tempo levou…!

 

 

01
Set12

Pecados e Picardias - Por Isabel Seixas


 

 

Pecados e picardias

 

O liceu…

 

O Liceu era mais teórico

Que a Escola técnica

A escola facultava cursos

De comércio de formação feminina

O liceu fornecia os recursos

Para prosseguir os estudos

 

Os mais velhos

Para nós uns senhores

Namoravam discretamente

Frequentavam os cafés e iam jogar ping pong

Onde é agora a Princesa

Faziam terapia de grupo secretamente

E seleccionavam os amores

Alguns impossíveis de certeza  

 

Nós fazíamos umas festas

Quando convidadas por alguma amiga

Em casa da Olga na hora das sestas

Filha de mãe ternurenta

Fazíamos teatro com as roupas destas

Um lanchinho e nem prelúdio de briga

Mesmo da mais embirrenta



 

Passamos a época conturbada

Do pós vinte e cinco de Abril

Às vezes sem entender mesmo nada

Apesar das RGAs mil

 

Houve passagens administrativas

Amarguras em praça pública

Alguns lavavam a alma

Em rebeldias proliferativas

Que adulteravam a calma

E confundiam a ética pudica

 

As Freiras eram muitas vezes o palco livre 

O Sport o Aurora o Comercial e o Ibéria

O cenário estimulante da conversa mais séria




Nasceram partidos

A LUAR

Sempre me fascinou pela sigla poética

Embora desconhecesse o seu programa

Isso era irrelevante

Diziam que era…bom ou mau 

E nós acreditávamos como sempre

 

A militância partidária

Encetou o separatismo

Um novo tipo de gregária

Entre o socialismo e o comunismo

 

As aulas decorriam para nós normalmente

E os professores carismáticos

Como O Dr. Castro mantinham a sua pedagogia latente

Registava a avaliação continua com mais e menos

Em conformidade com as respostas positivas e negativas que demos

Havia imparcialidade em questionários algo lunáticos

Mantendo-nos em sentido e em quase toda a aula estáticos

 



Mandava-nos para casa recados para os pais

Que tinham que ser assinados preferencialmente com os nossos ais

Perguntava-nos se tínhamos levado

Ficando satisfeito e regozijado

Depois voltava a explicar muito bem

As ciências naturais como ninguém 

 

Nesta época as mais bonitas

Já eram mencionadas para angariar namorado

Embora só fosse para trocar olhares às escondidas

E para no intervalo espreitar noutra sala ao lado

 

Os professores eram benevolentes

Mudança dos tempos ou já eram assim antes

Os alunos é que estavam  mais desinibidos

Alguns até se mostravam desabridos

 

A professora Misinha

Na história

E a professora Anita

Na matemática

Suscitavam o nosso interesse

O raciocínio e a memória

Com atitude pedagógica e pragmática

 

Havia um professor

Cujos alunos ao redor

Faziam brincadeiras                        

Que se assemelhavam a asneiras

 

Às vezes alguns iam para casa

Suspensos

A informação era lida nas turmas

Para moralizar

E inibir a repetição do feito e entre silêncios se comentar

Os rebeldes malcriados nem ficavam tensos

Ainda ostentavam com orgulho as diabruras

 

Já se vislumbrava o delinear

Da ténue fronteira

Entre a liberdade e o abuso 

Essa ratoeira

Que infringe a cidadania e o respeitar

A omissão de regras e o  seu  desuso 

 

(…)

 

Continua

 

Isabel Seixas

In Chaves Musa Inspiradora

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