As varandas da memória - Chaves Rural
E porque hoje é Sábado, vamos mais uma vez até ao mundo rural de Chaves e as suas varandas, bem mais abundantes nas aldeias do que na cidade, pois a varanda era um elemento importante das casas e com muitas mais funções do que a simples passagem gradual do interior das casas para a rua ou exterior.
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De facto tem além dessa função de passagem entre ambientes, outras funções. Servia, por exemplo, de recolha e local de sequeiro de alguns produtos agrícolas, principalmente o milho e o feijão, mas também de recolha, guarda e secagem das capas de chuva, sócos ou do guarda-chuva, embora este, até fosse ou seja pouco usado no mundo rural, pois ocupa as mas que são tão preciosas para o trabalho ou para transporte de outros utensílios em que o guarda-chuva era um luxo que só incomodava.
Era também à varanda, que o milho depois de seco, no vagar do anoitecer se ia desgranando (popularmente também se dizia “degranhar” ou “desgranhar”).
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Mas de todas as funções atribuídas às varandas, havia as mais nobres em que ela funcionava como mais um compartimento da casa, uma sala de visitas ou de receber e estar no exterior, principalmente nas noites acaloradas de verão, onde, apenas em família, ou com a companhia dos compadres, amigos ou vizinhos, se ia fazendo serão enquanto o interior da casa ia “arrefecendo” um pouco para uma merecida noite de sono. Noites memoráveis em que se falava de tudo, da vida da casa, da vida dos outros, contavam-se estórias, davam-se conselhos, reprovavam-se ou elogiavam-se atitudes, mas tudo num tom sereno, quase num murmúrio de palavras que a própria varanda abafava e pouco deixava desviar para além do silêncio, quando este, não era total. Um silêncio total que apenas o era em palavras nos corpos serenos e quase inertes, como se anestesiados, pelo cantar das cigarras e dos grilos quando o calor apertava ou, em silêncio de encanto, quando os rouxinóis impunham as suas melodias e se desafiavam na distância da noite, ainda frescas de primavera.
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Tenho no meu imaginário de criança muitas destas noites de varanda, com sons mágicos que para sempre ficaram registados na memória dos silêncios e músicas da noite, com muitos rouxinóis que felizmente ainda hoje os oiço, mas também e sobretudo, com a música das flautas que fluíam de bem longe e me diziam ser dos pastores… pura magia que só acontecia no recolher de uma varanda…
(…)
E por que não galgar sobre os telhados,
os telhados vermelhos
das casas baixas com varandas verdes
e nas varandas verdes, sardinheiras?
Ai se fosse o da história que voava
com asas grandes, grandes, flutuantes,
e poisava onde bem lhe apetecia,
e espreitava pelos vidros das janelas
das casas baixas com varandas verdes!
Ai que bom seria!
Espreitar não, que é feio,
mas ir até ao longe e tocar nele,
e nele ver os seus olhos repetidos,
grandes e húmidos, vorazes e inocentes.
Como seria bom!
Descaem-se-me as pálpebras e, com isso,
(tão simples isso)
não há olhos, nem rio, nem varandas, nem nada.
In “Poema da Memória” de António Gedeão
As varandas, algumas, ainda existem e resistem, hoje tristes e abandonadas.