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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

29
Mar18

A pertinácia da informação


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Cultura, avestruzes, vacas… e pão!

 

“Ele grita para lhe conseguir chamar a atenção e pelos vistos conseguiu e o seu amor é consumado ali mesmo em plena planície. Com o tempo podem ficar juntos, ou, como seria normal irão separar-se.” É com este relato empolgante sobre o acasalamento das avestruzes que começa o meu serão.

 

Estou, há uns dias, em estado de latência como uma semente à espera do degelo. Não é inércia, é apenas a mente ocupada com outra tarefa - uma questão de planeamento mais atento. E às vezes os acontecimentos dramáticos acabam por se tornar ruído, em vez de impulsionarem mudanças, pela falta de consistência na sua abordagem. Se virmos bem, já nada nos surpreende e somos como uma espécie de adictos que têm necessidade de aumentar a sua dose para que haja um efeito substancial. Às vezes já não sei se a dose não faz efeito ou se há um cinismo permanente que faz olhar para aquilo que sabemos que não vamos mudar - pelo menos hoje não – mas sabemos o que existe, porque existe e essencialmente já sabemos o que querem de nós, como nos querem usar, manobrar, ludibriar… e como, pelo menos agora, não podemos fazer nada para mudar assistimos a tudo com… o sorriso da Mona Lisa.

 

O silêncio não significa resignação, pelo contrário: é treino e preparação. De todo o modo é tempo disso mesmo: silêncio e intervalo.

 

É quaresma.

 

Sim, é quaresma e nota-se, mas caso alguém não tenha notado, é preciso impor essa ideia e divulga-la até nos ter entrado na cabeça. Com uma divulgação intensiva do evento a mensagem por uns ela é completamente deglutida, engolida e às vezes assimilada, para outros, porém, passa a ser ruido e imposição… Eu cá nunca me dei bem com a imposição, com a frase feita nem com o é porque é… se me interessa verifico, analiso e testo. Mesmo que não pareça às vezes somos subversivos – sementes em latência. Isso de seguir em rebanho a escutar a mesma doutrina, pode resultar bem com algumas pessoas, mas dificilmente resulta com as ovelhas com pensamentos próprios… elas até podem ir ali alinhadas, mas ninguém lhes comanda a liberdade do que pensam. Depois há quem diga que tem importância o debate e a discussão… mas juro que até hoje nunca vi ninguém disposto a aprender e a interiorizar mudanças a partir da profícua discussão.  Repare-se: há os que vão impor a sua fantástica doutrina, esses falam forte, rosnam e nunca escutam realmente, há os que não têm ideia nenhuma e vão com enormes ouvidos buscar um discurso bonito e oco para debitar num lugar qualquer, e há os que vão atentos em busca de utopia… estes, desgraçados debatem-se na construção de argumentos, vão com tudo e com boa fé, acham que é ali que se alteram paradigmas  mas esbarram com os muros da vaidade e da arrogância ou com os discursos bonitos e ocos… o circo foi montado com um espetáculo pré-definido e o público que é sorteado para ir participar no espetáculo… na verdade já estava concertado nos bastidores.

 

Alguém dizia há uns dias que o passatempo mais usual da maior parte das pessoas era ver televisão e achava esse facto deprimente. Eu acho, porém, que as pessoas são deliciosamente diferentes. Cada um que faça como entender… e se formos falar em cultura… então a discussão é longa e complexa. Começamos pela sua origem etimológica: cultura vem de cultivo no sentido do cuidado dispensado ao campo ou ao gado. A história do conceito confunde-se com a evolução do vocábulo, a certa altura o termo passa a ser usado como metáfora e posteriormente torna-se o vocábulo usado com significado de cuidar o espirito. A evolução do conceito evolui com a Sociologia, com o paradigma das ciências sociais – sim porque a sociedade deve ser entendida como ela é, mas à luz de paradigmas atuais… há ainda muita gente que olhe os factos à luz do positivismo, há ainda quem olhe a sociedade numa perspetiva restritamente funcionalista e venha invocar, em jeito de ressurreição, premissas desatualizadas… mas isso é assunto para outra crónica… Continuando com a noção de cultura, mais tarde Tylor vem dizer que ela deve ser descritiva e não normativa e é adquirida de forma inconsciente. Boas irá dizer que não existe uma cultura, mas culturas e faz enaltecimento ao respeito e à tolerância entre culturas. A certa altura percebe-se que só faz sentido falar em cultura no contexto de uma sociedade. Lévi-strauss vem dizer que ela é um conjunto de sistemas simbólicos de uma sociedade. Durkheim não utiliza o termo socialização, mas coloca a questão sobre como o indivíduo se torna membro da sociedade e como se vai sentir identificado com ela, assim ele acha que a educação ou sistema educacional, em cada sociedade, transmite aos indivíduos que a compõem o conjunto das normas sociais e culturais que garantem a solidariedade. Tal como Person sinto que nesta perspetiva há um certo constrangimento da sociedade sobre o individuo que o limita e que o pressiona a adotar determinadas posturas.

 

Continuo com o serão, acompanhada com RTP2, estou emersa em várias leituras e no meio de imensos conceitos. Está a dar uma curta metragem “Animal Politico”, trata de uma vaca urbana com uma vida agradável que um dia se apercebe de “um vazio existencial profundo, uma sensação estranha que nunca tinha sentido antes” como diz ela a certa altura. A vaca faz a sua vida rotineira: vai às compras, vai ao ginásio, vê TV em família (pais e irmã). Mas, então, decide deixar a sua vida confortável e partir em busca de Iluminação, de respostas para o sentido da vida. Fico a pensar se o bicho esteve em circunstâncias que tivessem posto em risco a sua integridade ou causado sofrimento… Eu já apascentei vacas turinas como aquela, não me parece que ela estava muito feliz a fazer aquelas figuras tristes de pessoa urbana. Talvez por isso a meio do filme aparece uma ruiva nua com umas botas giras à cowboy, e mais à frente a vaca passa a ser interpretada por alguém que veste o disfarce de vaca. A certa altura a vaca cita Buda “A vida não é uma pergunta a ser respondia é um mistério a ser vivido.” E emociono-me especialmente quando ela diz “eu queria encontrar um livro sobre mim mesma numa prateleira para eu pegar e ler”. A vaca continua a sua saga em busca da iluminação e diz a determinado momento: “O caminho para a iluminação bem que podia ser bonito e agradável.”

 

Eu acho que anda muita gente confundida com os conceitos básicos em geral, como acontece com a noção de cultura, à semelhança do que diz Denys Cuche no livro “A noção de cultura nas ciências Sociais”, parece-me que se vê cultura em tudo, fala-se de crise de identidade e relaciona-se com crise cultural. As crises culturais são crises de identidade? Será que alguém espera encontrar a mesma identidade para todos? E o que para mim acaba por ser de certo modo pernicioso é que esta problemática seja deslocada para a discussão do enfraquecimento do modelo de Estado-nação, da integração política supranacional e de certa forma da globalização da economia. Cuche acha que a questão da identidade é uma moda recente e se vai tornar no prolongamento do fenómeno da exaltação da diferença. É possível que sim, e que não. Na verdade… a cultura é um conceito que só faz sentido na interação e na socialização, e estamos perante fenómenos de socialização diferentes: mais globais, mais rápidos, menos profundos… talvez. Os fenómenos sociais cada vez são mais complexos, mais velozes, sem espaço para a reflexão, mais difíceis de perceber de prever.

 

Edgar Morin fala da Cultura de massas, fala da forte e importante influência da cultura da propaganda e estimulação do consumo, fala de como se tornou mais importante a produção que a criação. E nós vivemos aprisionados neste novo paradigma. Como se uma mão paternal escolhesse e ao mesmo tempo um monstro colossal nos empurrasse.

 

As pessoas não saberão o que as faz felizes, não faz parte da democracia deixar as pessoas escolher?

 

No sábado fomos ao MACNA (Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso) com o objetivo de ver a exposição do designer João Machado: A arte da Cor. Já tinha visto alguns cartazes da sua autoria, nomeadamente os Cinanima - Festival Internacional de Cinema de Animação de Espinho, que são da sua autoria, mas não conhecia muito mais da sua obra. O gosto pelo pode nascer pela forma de tentarmos dar diferentes usos aos objetos e diferentes significados às realidades, é um exercício interessante do uso da criatividade. Mas ainda mais interessante quando a criatividade está a aliada a subversão… e eu adoro a subversão! Foi uma visita agradável. Reparei, na agenda cultural que havia uma atividade destinada às escolas, destinada a todos os níveis de ensino… mas, afinal, era apenas para as escolas públicas. Vou ter que perceber o motivo. De qualquer modo, conseguimos assistir à exibição de algumas curta-metragens do festival do ano passado. Foi bom. Poderei falar mais sobre isso depois. Interessante conhecer outro autor, interessante ver ou rever curtas e longas-metragens de um festival cujo cartaz é elaborado pelo autor das obras… Está bem, e é para isso e muito mais que o edifício foi construído e os profissionais estão lá a trabalhar. Isso é uma parte do tanto que se pode fazer e pode ser. 

 

Estes últimos dias falou-se muito sobre a cultura. “A cultura é da responsabilidade do estado”, “A cultura tem que ser paga” os “atores tem que ser pagos”. Eu acho que sim, que tudo merece respeito e dignidade e acho que o estado deve cuidar de muitos serviços públicos nomeadamente o serviço cultural. Mas também acho que nem tudo tem que ver com dinheiro se não… estamos a ver apenas a produção em vez de dar espaço à criação e no meio tempo estraga-se o verdadeiro propósito: fazer pensar, recriar, evoluir para a felicidade… que no fundo é aquilo que cada um acha que é melhor para si mesmo. Portanto, que haja diversidade e que se promova e apoie essa diversidade. Mas eu ainda quero falar mais sobre isto. Ainda vou falar mais sobre isto. Mas agora não, a vaca vai dormir, parece-me a mim que a protagonista do “Animal politico” vai descansar um pouco… não vou ver como isto acaba, hoje, mas talvez amanhã. Hoje também vou descansar. Nem sei como às vezes resisto, deve ser coisa do amor.

 

Lúcia Pereira da Cunha

 

 

 

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