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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

07
Nov19

A seguir ao Tâmega, o Douro

OUTONO NO ALTO DOURO VINHATEIRO


1600-douro-en222 (213)

 

Ontem prometi que hoje estaria aqui com mais outono, mas bem diferente daquele que vos deixei ontem, e cá estamos a cumprir. E se ontem foi à volta do Rio Tâmega que andámos, decidimos descê-lo e entrar no Rio Douro, percorrendo um troço da EN222 que é considerado um dos mais bonitos do mundo e melhor estrada para conduzir, atravessando o vale do Douro a partir da Régua a caminho do Pinhão, sempre com o rio por companhia que é considerada a melhor estrada do mundo (EN222) sempre sobranceira ao rio, entrando também no Alto Douro Vinhateiro, considerado pela UNESCO Património Mundial. Tudo isto mesmo aqui ao pé de nós, a menos de uma hora de viagem.

 

1600-douro-en222 (363)

 

As imagens falam por sí, mas quem melhor que os poetas para as ilustrar com palavras:

 

O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso da natureza. Socalcos que são passadas de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor, pintor ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis da visão. Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta."

 

Miguel Torga in "Diário XII"

 

1600-douro-en222 (178)

 

 

Aqui Douro. O Paraíso do vinho e do

suor. Dum rio no Verão ossudo e magro

como as pessoas,

quando a alma se escoa pelos poros;

rio também barrento, a cor da terra,

para que a alma seja inteira;

rio das grandes cheias, do abraço final

de troncos de homens, de árvores e sonhos;

 dum rio agora jovem: a água demora

o seu espelho nas barragens, e os barcos

cheios de olhos filmam a história dum deus desconhecido.

 

Paraíso dos montes sobre montes,

agressivos mas belos,

montes que se agigantam, ombros vivos

dos violentos ventos e do sol,

e montes que se dobram e desdobram com

os ribombos,

abrindo ribanceiras e fundões.

Oh Cachão da Valeira, sepultura de

incêndios!

 

Paraíso das hortinhas e pomares:

a água é menos esquiva

para que os homens sujem bem as mãos

de encaixotar num sonho meia dúzia de

laranjas,

enquanto os melros pintam a carvão

sua risada galhofeira e livre.

 

Paraíso dos nove meses de Inverno

e três de inferno:

Outubro a Junho, é o nevoeiro sanguessuga

que morde até aos ossos e às palavras;

 Julho a Setembro, é o sol em lâmina

que fere os olhos até ao pensamento.

 

Paraíso do suor,

dos homens de camisas empastadas,

a terra a queimar os lábios

e a torcer-lhes a fala em raivas humaníssimas,

cavando, neles cavando o desespero

e o amor também

(a noite e o luar)

porque no fim de tudo

a terra é flor e corpo de mulher.

 

Paraíso da aguarela forte das vinhas

que entram em ondas verdes pelos olhos.

Vinhas que estão na vida desta gente

como grito nos lábios,

como flor no desejo,

como o olhar nos olhos,

vinhas, sei lá, que são a própria vida desta

gente.

 

Paraíso dourado das vindimas!

Então o Douro é d’ouro.

Ouro no sol que põe tudo em labaredas:

os cachos e as nuvens de poeira

espantadas pelas patas dos cavalos

e dos camiões, ron-ron, ladeira acima.

Ouro na tagarelice das mulheres

que vindimam as uvas e as ideias;

um certo ouro no silêncio dos homens

 que em fila e ferro transportam os cestos.

Ouro ainda no regresso do trabalho,

ao som dum bombo, duma concertina.

Ouro nos cestos, nos lagares, nas pipas,

ouro, ouro, suado de sangue, ouro!

Ouro talvez nos cálices de quem

 veio de longe assistir da janela.

Ah Paraíso dourado das vindimas,

do vinho quente, vinho-gente, que cintila,

que é suor e sangue e sol engarrafado!

 

Paraíso também das romarias;

Da Senhora da Piedade, do Viso e dos

Remédios:

gente de gatas como animais

porque a Senhora interveio

e ante o céu

somos uma coisa qualquer por acabar.

Há um homem que leva uma facada,

mas há também ex-votos,

estrelas a germinar nos olhos.

 

Paraíso das sete ermidas!

– o céu gotejando no cimo dos montes.

De castros e ruínas

– o vento do passado colando-se ao rosto.

Das minas que devassam o abismo

– fui à boca de uma em criança

e recuei como se tivesse visto

todos os dentes da bicha-das-sete-cabeças.

 

Paraíso dos caminhos tortuosos

– pois Deus escreve direito por linhas tortas.

Dos duendes nocturnos

– ninguém chegue à janela quando passam.

Das mouras encantadas

– o afiançou minha avó: há uma

que se chama Maria

e é linda, linda como as manhãs de Junho.

 

Paraíso

dos barrancos inconcebíveis,

das rogas e dos silêncios,

do grandioso silêncio das montanhas!

Paraíso! Paraíso!

Oh cântico de pedra à esperança!

 

© António Cabral - Todos os direitos reservados. Ler mais em: https://www.antoniocabral.com.pt/aqui-douro-eiqui-douro/ | ANTÓNIO CABRAL

 

1600-douro-en222 (373)

 

O Douro fotografado de todos os ângulos. Mas não há diafragma por onde possa entrar esta grandeza. De resto, mesmo que entrasse, de que valia? Todas as imagens colhidas pela objectiva não seriam nada comparadas com as que trago na retina. É que, para mim, Trás-os-Montes não é uma paisagem: é fisiologia.

Miguel Torga in "Diário XII"

 

1600-douro-en222 (1)

 

Por último, os agradecimentos que tornaram estas imagens possíveis, e que vão para o nosso cicerone que trata o Rio Douro por tu ou por “O meu majestoso Douro”, já com obra publicada sobre estes cantinhos de encanto, o fotógrafo Fernando Peneiras, que tal como ele também diz – 100 peneiras.  

 

 

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