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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

19
Out21

António Granjo

Chaves, 27-12-1881 — Lisboa, 19-10-1921


5outubro

 

António Joaquim Granjo

Chaves, 27 de dezembro de 1881 — Lisboa, 19 de outubro de 1921

 

Lembramos que faz hoje 100 anos que o ilustre flaviense António Granjo foi assassinado em Lisboa, naquela que ficou conhecida como “noite sangrenta”, quando tinha 39 anos de idade e desempenhava o cargo de Presidente do Conselho (atual Primeiro Ministro).

 

1024-granjo006 (1).jpg

 

Para não nos estarmos a repetir, deixamos aqui, em reposição, o post que lhe dedicámos em 27 de outubro de 2008:

 

 

In Ilustração Portuguesa nº337, de 5 de Agosto de 1912, Pag.162

 

 

António Joaquim Granjo

(1881 – 1921)

 

António Joaquim Granjo é o ilustre flaviense que hoje vai ficar aqui no blog, e se sobre alguns ilustres flavienses irei ter algumas dificuldades em arranjar imagens e biografia, sobre António Granjo há muita documentação escrita e também algumas imagens, a dificuldade será mesmo resumir o que há por aí em livro, artigos, estudos e na net, tudo isto, porque o Ilustre António Joaquim Granjo não é um nome que limita a sua ligação a Chaves, pois é um nome da República e de Portugal.

 

António Joaquim Granjo nasceu em Chaves em 27 de Dezembro de 1881 e faleceu assassinado em Lisboa em 19 de Outubro de 1921, quando desempenhava as funções de Presidente do Ministério, ou seja, presidente do governo português e que equivale hoje ao Primeiro-ministro. O dia da sua morte ficou para sempre registada na história de Portugal como “A Noite Sangrenta” à qual esteve associada a “Camioneta Fantasma”, acontecimentos e morte que viria a ditar o fim da 1ª República de Portugal.

 

 

“Era franco, rude, generoso e exagerado. Tinha todas as virtudes e todos os defeitos do montanhês e quem atentasse no seu tórax herculeo, julgaria admirar um pedaço de granito arrancado lá de cima, das serranias de Trás-os-Montes e afeiçoado pelo cinzel de qualquer escultor amigo de fortes plásticas.”

Consiglieri Sá Pereira

in A Noite Sangrenta,

Aillaud & Bertrand, Lisboa,1924

 

Casa onde nasceu António Granjo, junto à ponte do Ribelas nas Caldas,

demolida nos finais dos anos 80 para construção do Hotel Aquae Flaviae

.


António Joaquim Granjo nasceu em Chaves, em 27 de Dezembro de 1881. Era filho de Domingos Pires Granjo, um curtidor e vendedor de peles e de Maria Joaquina Granjo.

 

Obteve, em 1907, o bacharelato em Direito pela Universidade de Coimbra, para onde se deslocou em 1899, tivera formação religiosa, frequentando o Seminário de Braga, entre 1893 e 1898, e cursando Teologia no Porto, no ano seguinte. Quanto à frequência do Seminário de Braga, não há contudo consenso nos escritos a que tive acesso, pois Júlio Augusto Montalvão Machado, num documento publicado no nº6 da Revista Aquae Flaviae, referia-se a este assunto da seguinte forma:

 

Por 1899-1900 frequentava o Colégio de S. JOAQUIM e conseguiu agrupar bons companheiros, a quem iniciou magistralmente no seu credo republicano! Devido a iniciativa sua, se começou então a publicar em Chaves o semanário republicano «A Alvorada», que foi querelado e punido (devido a artigo do Granjo), passando seguidamente a publicar-se com o título «Aurora». Colaboradores principais: Antonio Granjo, João Amorim, António Castilho, Maximiano Seixas Martins (Vila Pouca de Aguiar) e João Sarmento, de Soutelinho do Monte. 0 Granjo sentia-se cada vez mais revoltado contra a profissão eclesiástica que lhe escolhiam, não tinha feitio; mas também não queria desgostar a família, que muito sinceramente o estimava. Então no seu jornal, que logo conquistou público, conseguindo impor-se pelo seu valor literário, começou a satirizar certas criaturas, inclusive António Carneiro, secretário do Vigário Geral, e ainda outros elementos clericais, - havendo (e desta feita, ainda bem!) quem de tudo desse completo conhecimento para o Ver.º Arcebispo de Braga. Sucedeu porém que, terminados os estudos da latinidade, e por obediência aos pais, viu-se obrigado a requerer sua admissão para 0 Seminário de Braga, - onde muito desejava não chegar a entrar. A pobre mãe, ainda iludida, lá conseguiu arranjar o enxoval para a frequência do caloiro nos estudos canónicos, e foi ela própria acompanhar 0 filho a Braga, onde com outros estudantes amigos e da região nortenha, todos foram almoçar à Hospedaria Igo; por lá se acantonaram até à manhã seguinte, em que foi a pauta de inscrição afixada à porta, no gradeamento do Seminário dos Apóstolos, ou Seminário Conciliar, (espécie de Porta-Férrea, de Coimbra), e onde constavam os nomes dos requerentes admitidos. Na longa coluna dos A-A-A ..., não aparecia 0 nome de António Granjo! Produzira efeito o plano urdido na gazeta flaviense, mas o excluído (intimamente radiante) por necessidade e respeito, acompanhava sentidamente as lágrimas da mãe, - e para a contentar ficou logo ali assente que seguiria a continuar os seus estudos na Universidade de Coimbra, onde iria matricular-se na Faculdade de Teologia.”

 


Tivesse ou não frequentado o seminário o facto é que assentou praça em 1899 no Regimento de Cavalaria nº 6, mas a 15 de Outubro desse mesmo ano pediu baixa da vida militar, experiência a que dará continuidade mais tarde, quando liderar um grupo de voluntários contra as invasões monárquicas de 1911 e 1912 e integrar o Corpo Expedicionário Português na qualidade de alferes miliciano. Depois de concluir os estudos superiores em Coimbra, regressa à sua terra natal, onde se dedicará à advocacia até se fixar em Lisboa, no ano de 1919.

Quando estudante em Coimbra convive com Cândido Guerreiro, José Lobo de Ávila Lima, Fernando Emídio da Silva, António Abranches Ferrão, sendo António Granjo um dos alunos melhor classificados do seu curso. Casou ainda estudante, em 8 de Outubro de 1906, com Cândida Lamelas. Funda o Centro Republicano de Chaves, que se torna uma verdadeira "sociedade revolucionária" (Rocha Martins, Vermelhos, Brancos e Azuis, vol. II).

A sua actividade política começa no contexto das greves estudantis em Coimbra - quando, em 1907, integra o Comité Revolucionário Académico – e consolida-se, logo a seguir, por via da organização de um núcleo revolucionário em Chaves e da participação no Comité Revolucionário de Trás-os-Montes, onde tem um importante papel na propaganda republicana.

 

Desenho em gafite e tinta da china, 14x14cm (1918?) de autoria de Leal da Camara


Participou na tentativa revolucionária de 28 de Janeiro de 1908, tendo desenvolvido contactos na cidade do Porto, onde vivia o irmão Manuel Augusto Granjo. A sua acção, durante esta tentativa revolucionária republicana que fracassou, seria tomar o forte S. Neutel, em Chaves, para apoderar-se das munições e armas ali existentes.

A 8 de Outubro de 1910, foi proclamada a República em Chaves, com a sua presença na Câmara Municipal. Faziam parte do núcleo revolucionário de Chaves, além de António Granjo o Antão Fernandes de Carvalho, Vitor Macedo Pinto, Adelino Samardã (jornalista e organizador da Carbonária na região transmontana), José Mendes Guerra e António da Silva Correia.

.

Na segunda fila (esq.-dir) António Granjo, Nicolau Mesquita e António Vilhena,

numa foto do casamento de Artur Maria Afonso e Palmira Rodrigues

(pais do ilustre flaviense Nadir Afonso) também na segunda fila abraçados.

Foto gentilmente cedida por Laura Afonso.

 


A 6 de Outubro de 1911 partiu para Vinhais, para enfrentar as invasões monárquicas comandadas por Paiva Couceiro, levando com ele António Cachapuz, Joaquim Monteiro, Vitorino Vidago e António Luis Pereira. Nesse mesmo ano, dá início à sua carreira de deputado, eleito e reeleito por Chaves até 1921, em que se destaca, logo em 1912, por defender a amnistia para os inimigos do novo regime.

 

(1)

Em 1912, trava-se de razões contra os denominados jovens turcos: Álvaro de Castro, Sá Cardoso, Álvaro Pope, Américo Olavo, que defendiam as opiniões de Afonso Costa, enquanto António Granjo se perfilava ao lado de António José de Almeida.

Em Maio de 1917, ingressa como alferes miliciano no Regimento de Infantaria nº 19, de Chaves, após ter concluído o curso de alferes no Regimento de Infantaria nº18, no Porto. Antes de partir manda elaborar o seu testamento antes de partir incorporado no Corpo Expedicionário Português em direcção à Flandres.

Quando regressa envolve-se nas conspirações e revoltas de 12 de Outubro de 1918 e de 10 de Janeiro de 1919, contra Sidónio Pais. A primeira das tentativas restringiu-se às cidades de Coimbra, Évora e Vila Real. A segunda, deflagrou somente em Santarém.

 

Um Duelo entre António Granjo e Álvaro de Castro retratado na Ilustração portuguesa

nº354 de 2 de Dezembro de 1912 pág.. 720



Proclamada a República, torna-se administrador do concelho de Chaves e, em 1911, é iniciado na Maçonaria, no triângulo 187, de Santa Marta de Penaguião, adoptando o nome simbólico deBuffon. Pertenceu depois à Loja Cavalheiros da Paz e Concórdia, em Lisboa. Manteve ligações a esta sociedade até ao final da sua vida, quando pertencendo à Loja Liberdade e Justiça, nº 373, de Lisboa, foi alertado por uma prancha datada de 15 de Outubro de 1921, que referia os problemas causados pela "questão dos eléctricos" e a necessidade de "meter na ordem obrigando a cumprir as leis nacionais e estrangeiras" (Rocha Martins, ob. cit.).

Depois de deixar o Partido Republicano Português e de se tornar membro do Partido Evolucionista, integra ainda o Partido Liberal, de que foi líder entre 1919 e a cujo directório pertenceu até 1921. Estreia-se como ministro entre 30 de Março e 28 de Junho de 1919, à frente da pasta da Justiça num governo liderado por Domingos Pereira.

 

Fotografia de António Granjo (Ao centro) quando era Presidente do Conselho de Ministros

Acompanhado dos seus ministros - 1921


Em 15 de Janeiro de 1920, sendo já membro do Partido Liberal, a cujo Directório pertenceu desde os finais de 1919 a 1921, é nomeado ministro do Interior, mas não chega a tomar posse. Quando voltou a ser nomeado para cargos governativos, assumiu a pasta da Agricultura e chefiou o próprio Executivo, ambas as funções decorrendo entre 19 de Junho e 20 de Novembro de 1920, além de se ter encarregado da pasta das Finanças, a título interino, entre 14 de Setembro e 18 de Outubro de 1920. Será, ainda, ministro do Comércio, de 24 de Maio a Agosto de 1921, até acumular, pela última vez, a chefia do Executivo com uma pasta ministerial, desta feita, a do Interior, no período de 30 de Agosto até à Noite Sangrenta de 19 de Outubro de 1921, que ditou a queda do Governo e a sua própria morte.

Da sua participação na Grande Guerra, escreveu um livro de impressões, que intitulou A Grande Aventura (Cenas de Guerra), além de ter publicado poesia e dirigido o jornal A República a partir de 9 de Março a 19 de Julho de 1920, em virtude de António José de Almeida ter sido eleito presidente da República. Volta a assumir esta função entre 20 de Novembro de 1920 e 9 de Junho de 1921. Colaborou ainda na revista Livre Pensamento de Coimbra, em 1905. Foi ainda colaborador de O Norte, Porto, 1918-1920.

Escreveu: Carta à Rainha D. Amélia (1909) e Águas obras em verso; Vitória de Uma Mocidade, 1907; A Grande Aventura (cenas de Guerra), 1919, dedicado ao Regimento de Infantaria nº 19(prosa).

 

Visita do Chefe do Governo (António Granjo) a Bucelas - 1921

 

A Camioneta Fantasma e a Noite Sangrenta

 

Em 19 de Outubro de 1921 a barbárie sai com toda a ferocidade para a rua: uma camioneta fantasma, conduzida por verdadeiros facínoras, vai buscar às suas casas António Granjo, Machado Santos, José Carlos da Maia, e o coronel Botelho de Vasconcelos. Assassinam-nos com uma violência e brutalidade inauditas.

 

O empobrecimento e o embrutecimento do país é geral. Ninguém sabe o que quer. Ninguém se entende. A fome grassa por todo o lado. Por falta de azeite fecham as fábricas de conservas do Algarve.

 

Era o começo do fim da Primeira República que tinha sido um somatório de idealismo, instabilidade, ignorância, revoluções, caos e crimes hediondos.

 

Para melhor se entender o conturbada que foi a primeira república fiquemos com alguns acontecimentos dos dois meses que antecederam a noite sangrenta:

 

 

 

António Granjo e o Presidente da República Bernardino Machado e outras individualidades em 1917

.

 

Setembro de 1921

 

- Deputado António Luís Gomes, em 1 de Setembro, considera que o sistema parlamentar está condenado por causa do regime de mentira, ao mesmo tempo que os ministros são uns verdadeiros criminosos que estão a arrancar o sangue do povo português. Conclui salientando: cada vez enjoo mais a política. Nunca entrei para partido algum, porque os partidos da República têm colocado os homens acima dos partidos … Por isso é que os homens de bem se retraem, afastando-se da política.

 

- Artigo em O Século, em 1 de Setembro, sobre a crise das subsistências considera que a classe média ficou entre o martelo e a bigorna.

 

- Confirmada a burla do empréstimo dos 50 milhões de contos através de comunicação diplomática do visconde de Alte em 4 de Setembro. O gabinete de Barros Queirós já conhecia a trama desde 28 de Agosto.

 

- Em 5 de Setembro, comício em Loures, com violentos discursos anti-católicos. Declarações de António Granjo no Senado, em 2 de Setembro são desvirtuadas pelo relato parlamentar do Diário de Notícias, quando se refere que Granjo reconhecia a religião católica como a única do país.

 

- Em 8 de Setembro, Cunha Leal interpela o ministro das finanças sobre a matéria. Sobre os boatos que correm, Vicente Ferreira apenas diz fumo. Na Câmara dos Deputados, intensos ataques aos banqueiros portugueses que serviram de intermediários no processo.

 

- Em 16 de Setembro, o deputado Carvalho da Silva denuncia o facto do governo ter indemnizado com 4 500 contos indivíduos e empresas consideradas vítimas da última revolução. Jornais O Mundo e O Portugal, afectos aos democráticos, são contemplados com 260 e 330 contos, respectivamente.

 

- Em 17 de Setembro, os trabalhos parlamentares são suspensos até 7 de Novembro.

- Aborta golpe de Estado em 30 de Setembro. O chefe da conjura é o tenente-coronel Manuel Maria Coelho, com o capitão-de-fragata Procópio de Freitas e os oficiais da GNR Camilo de Oliveira e Cortês dos Santos. Presos alguns desses cabecilhas, eles são depois libertados por António Granjo. Entre os presos, o coronel Xavier Ferreira, Orlando Marçal, Sebastião Correia e Procópio de Freitas.

- Surge um esboço de movimento de salvação pública, subscrito por José de Castro, António Luís Gomes, Jaime Cortesão, João de Deus Ramos, Francisco António Correia, Ramada Curto, Cunha leal, Leonardo Coimbra e Sá Cardoso.

 

Visita do Chefe do Governo (António Granjo) a Bucelas - 1921

- Fausto de Figueiredo, um dos financiadores da Imprensa da Manhã, promove encontro de António Granjo e Cunha Leal no Estoril em 5 de Outubro. Nas cerimónias do cemitério do Alto de S. João, na romagem aos túmulos de Cândido dos Reis e Miguel Bombarda, há insultos a Granjo, com morras à reacção e aos jesuítas. Mas o presidente do ministério manda libertar os implicados no 30 de Setembro que se encontravam detidos. Considera que só pela brandura se consegue governar.

 

Outubro de 1921

O 19 de Outubro de 1921 pode-se considerar como a data do fim da 1ª República, embora formalmente ela continuasse até 28 de Maio de 1926.

 

Entre o assassinato de Sidónio Pais e os massacres de 19 de Outubro de 1921, Portugal, teoricamente um regime parlamentar, viveu sob uma ditadura tutelada pelos arruaceiros e rufias dos cafés e tabernas de Lisboa e pela Guarda Nacional Republicana, uma Guarda Pretoriana do regime, bem municiada de artilharia e armamento pesado, concentrada na zona de Lisboa e cujos efectivos passaram de 4575 homens em 1919 para 14341 em 1921, chefiados por oficiais «de confiança», com vencimentos superiores aos do exército. A queda do governo de Liberato Pinto, o principal mentor da GNR, em Fevereiro de 1921, colocou as instituições democráticas na mira dos arruaceiros e pretorianos do regime a que se juntaram sindicalistas, anarquistas, efectivos do corpo de marinheiros, etc.. O governo de António Granjo, formado a 30 de Agosto, era o alvo.

 

Funeral de António Granjo em Lisboa

 

O nó górdio foi o caso Liberato Pinto, entretanto julgado e condenado em Conselho de Guerra por causa das suas actividades conspirativas. Juntamente com o Mundo, a Imprensa da Manhã, jornal sob a tutela de Liberato Pinto, atacavam diariamente o governo, tentando provar, através de documentos falsos, que o Governo projectava o cerco de Lisboa por forças do Exército, para desarmar a Guarda Nacional Republicana. No Diário de Lisboa apareceram, entretanto, algumas notas relativas ao futuro movimento. Em 18 de Agosto, um informador anónimo dizia da futura revolta: «Mot d'ordre: a revolução é a última. Depois, liquidar-se-ão várias pessoas».

 

O coronel Manuel Maria Coelho era o chefe da conjura. Acompanhavam-no, na Junta, Camilo de Oliveira e Cortês dos Santos, oficiais da G. N. R., e o capitão-de-fragata Procópio de Freitas. O republicanismo histórico do primeiro aliava-se às forças armadas, que seriam o pilar da revolução. Depois de uma primeira tentativa falhada, em que alguns dos seus chefes foram presos e libertos logo a seguir, o movimento de 19 de Outubro de 1921 desenrolou-se num dia apenas, entre a manhã e a noite. Três tiros de canhão disparados da Rotunda pela artilharia pesada da GNR tiveram a sua resposta no Vasco da Gama. Passavam à acção as duas grandes forças da revolta. A Guarda concentrou os seus elementos na Rotunda; o Arsenal foi ocupado pelos marinheiros sublevados, que não encontraram qualquer resistência; núcleos de civis armados percorreram a cidade em serviço de vigilância e propaganda. Os edifícios públicos, os centros de comunicações, os postos de comando oficiais caíram rapidamente em poder dos sublevados. Às 9, uma multidão de soldados, marinheiros e civis subiu a Avenida para saudar a Junta vitoriosa. Instalado num anexo do hospital militar de Campolide, o seu chefe, o coronel Manuel Maria Coelho, presidia àquela vitória sem luta.

 

Cunha Leal no uso da palavra no funeral de António Granjo

 

Em face da incapacidade de resistir, às dez da manhã, António Granjo escreveu ao Presidente da República:

«Nestes termos, o governo encontra-se sem meios de resistência e defesa em Lisboa. Deponho, por isso, nas mãos de V. Ex.a a sorte do Governo...»

 

António José de Almeida respondeu-lhe, aceitando a demissão:

«Julgo cumprir honradamente o meu dever de português e de republicano, declarando a V. Ex.a que, desde este momento, considero finda a missão do seu governo...»

Recebida a resposta, António Granjo retirou-se para sua casa. Eram duas da tarde.

 

O PR recusou-se a ceder aos sublevados. Afiançou que preferiria demitir-se a indigitar um governo imposto pelas armas. Às onze da noite, ainda sem haver solução institucional, Agatão Lança avisou António José de Almeida que algo de grave se estava a passar. Perante tal, conforme descreveu depois o PR,

«Corri ao telefone e investi o cidadão Manuel Maria Coelho na Presidência do Ministério, concedendo-lhe os poderes mais amplos e discricionários para que, sob a minha inteira responsabilidade, a ordem fosse, a todo o transe, mantida».

 

Passando a palavra a Raul Brandão (Vale de Josafat, págs. 106-107),

«Depois veio a noite infame. Veio depois a noite e eu tenho a impressão nítida de que a mesma figura de ódio, o mesmo fantasma para o qual todos concorremos, passou nas ruas e apagou todos os candeeiros. Os seres medíocres desapareceram na treva, os bonifrates desapareceram, só ficaram bonecos monstruosos, com aspectos imprevistos de loucura e sonho...».

 

 

Sentindo as ameaças que se abatiam sobre ele, António Granjo buscou refúgio na casa de Cunha Leal. Cunha Leal tinha simpatias entre os revoltosos (tinha aliás sido sondado para ser um dos chefes do movimento, mas recusara) e Granjo considerou-se a salvo. Todavia, a denúncia de uma porteira guiou os seus perseguidores que tentaram entrar na casa de Cunha Leal para deter António Granjo. Cunha Leal impediu-os, mas a partir desse momento ficaram sem possibilidades de fuga porque, pouco a pouco, o cerco apertara-se e grupos armados vigiavam a casa. Apelos telefónicos junto de figuras próximas dos chefes da sublevação, que pudessem dar-lhes auxílio, não surtiram efeito.

 

Perto das nove da noite compareceu um oficial da marinha, conhecido de ambos, que afirmou que levaria Granjo para bordo do Vasco da Gama, um lugar seguro. Cunha Leal vacilou. Granjo mostrou-se disposto a partir. Cunha Leal acompanhou-o, exigindo ao oficial da marinha que desse a palavra de honra de que não seriam separados. Meteram-se na camioneta que afinal não os levaria ao refúgio do Vasco de Gama, mas ao centro da sublevação.

 

A camioneta chegou ao Terreiro do Paço onde os marinheiros e os soldados da Guarda apuparam e tentaram matar António Granjo. Cunha Leal conseguiu então salvá-lo. A camioneta entrou, por fim, no Arsenal e os dois políticos passaram ao pavilhão dos oficiais. Um grupo rodeou Cunha Leal e separou-o de Granjo, apesar dos seus protestos. Os seus brados levaram a que um dos sublevados disparasse sobre ele, atingindo-o três vezes, um dos tiros, gravemente, no pescoço. Foi conduzido ao posto médico do Arsenal.

 

Entretanto, vencida a débil resistência de alguns oficiais, marinheiros e soldados da GNR invadiram o quarto onde estava António Granjo e descarregaram as suas armas sobre ele. Caiu crivado. Um corneteiro da Guarda Nacional Republicana cravou-lhe um sabre no ventre. Depois, apoiando o pé no peito do assassinado, puxou a lâmina e gritou: «Venham ver de que cor é o sangue do porco!»

 

A camioneta continuou a sua marcha sangrenta, agora em busca de Carlos da Maia, o herói republicano do 5 de Outubro e ministro de Sidónio Pais. Carlos da Maia inicialmente não percebeu as intenções do grupo de marinheiros armados. Tinha de ir ao Arsenal por ordem da Junta Revolucionária. Na discussão que se seguiu só conseguiu o tempo necessário para se vestir. Então, o cabo Abel Olímpio, o Dente de Ouro, agarrou-o pelo braço e arrastou-o para a camioneta que se dirigiu ao Arsenal. Carlos da Maia apeou-se. Um gesto instintivo de defesa valeu-lhe uma coronhada brutal. Atordoado pelo golpe, vacilou, e um tiro na nuca acabou com a sua vida.

 

A camioneta, com o Dente de Ouro por chefe, prosseguiu na sua missão macabra. Era seguida por uma moto com sidecar, com repórteres do jornal Imprensa da Manhã. Bem informados como sempre, foram os próprios repórteres que denunciaram: «Rapazes, vocês por aí vão enganados... Se querem prender Machado Santos venham por aqui...». Acometido pela soldadesca, Machado Santos procurou impor a sua autoridade: «Esqueceis que sou vosso superior, que sou Almirante!». Dente de Ouro foi seco: «Acabemos com isto. Vamos». Machado Santos sentou-se junto do motorista, com Abel Olímpio, o Dente de Ouro, a seu lado. Na Avenida Almirante Reis, a camioneta imobiliza-se devido a avaria no motor. Dente de Ouro e os camaradas não perdem tempo. Abatem ali mesmo Machado Santos, o herói da Rotunda.

 

Não encontraram Pais Gomes, ministro da Marinha. Prenderam o seu secretário, o comandante Freitas da Silva, que caiu, crivado de balas, à porta do Arsenal. O velho coronel Botelho de Vasconcelos, um apoiante de Sidónio, foi igualmente fuzilado. Outros, como Barros Queirós, Cândido Sotomayor, Alfredo da Silva, Fausto Figueiredo, Tamagnini Barbosa, Pinto Bessa, etc., salvaram a vida por acaso.

 

Os assassinos foram marinheiros e soldados da Guarda. Estavam tão orgulhosos dos seus actos que pensaram publicar os seus nomes na Imprensa da Manhã, como executores de Machado Santos. Não o chegaram a fazer devido ao rápido movimento de horror que percorreu toda a sociedade portuguesa face àquele massacre monstruoso. Mas quem os mandou matar?

 

Estátua de António Granjo em Chaves

 

O horror daqueles dias deu lugar a uma explicação imediata, simples e porventura correcta: os assassínios de 19 de Outubro tinham sido a explosão das paixões criadas e acumuladas pelo regime. Determinados homens mataram; a propaganda revolucionária impeliu-os e a explosão da revolução permitiu-lhes matar. No enterro de António Granjo, Cunha Leal proclamou essa verdade:

«O sangue correu pela inconsciência da turba — a fera que todos nós, e eu, açulámos, que anda solta, matando porque é preciso matar. Todos nós temos a culpa! É esta maldita política que nos envergonha e me salpica de lama».

 

No mesmo acto, afirmaria Jaime Cortesão:

«Sim, diga-se a verdade toda. Os crimes, que se praticaram, não eram possíveis sem a dissolução moral a que chegou a sociedade portuguesa».

 

É esta a história do ilustre flaviense António Granjo, que dá nome a Uma Escola em Chaves, a uma Avenida e que tem hoje o seu devido monumento, com a sua estátua no antigo largo da Estação. Os acompanhantes deste blog e que desconheciam a história de António Granjo, já ficam a saber quem é o Homem da estátua do largo que aponta para a cidade como quem aponta para Portugal.

 

Bibliografia e fotos:

http://arepublicano.blogspot.com

http://semiramis.weblog.com.pt

http://www.iscsp.utl.pt

Revista Aquae Flaviae nº 6 de Dezembro de 1991

Arquivo Municipal de Lisboa

 

(1) - Publicado neste blog em episódios de 3 de fevereiro de 2021 a 30 de julho de 2021 - (pesquisar por "Grande Aventura").

 

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