Cambedo - Chaves - Portugal
No largo principal da aldeia, junto à capela, está uma pequena placa onde diz “ En lembranza do voso sufrimento – 1946 -1996”. Pelo texto facilmente nos apercebemos que não é escrito no português atual, e facilmente nos apercebemos que está escrito na língua dos vizinhos galegos do Cambedo, a aldeia que hoje trazemos aqui.
Torga no seu Diário VIII a respeito de uma aldeia barrosã, escreveu o seguinte: “Entro nestas aldeias sagradas a tremer de vergonha. Não por mim, que venho cheio de boas intenções, mas por uma civilização de má-fé que nem ao menos lhe dá a simples proteção de as respeitar”. Cada vez que entro no Cambedo lembro-me destas palavras de Torga, e mesmo tendo por lá amigos que sempre me receberam bem, continuo a entrar lá envergonhado, tal como Torga, não por mim, mas por uma civilização de má-fé que nunca fez justiça para com os pecados que cometeram nesta aldeia, mas também, por essa civilização de má-fé fazer de conta que nada por lá se passou e ter de ser os amigos galegos a reconhecer o seu sofrimento, enaltecer a sua história e afirmar esse reconhecimento oficialmente ao inscrever na toponímia galega, numa das suas principais cidades, a aldeia do Cambedo.
Mas “nós” somos assim, elogiamos e erguemos estátuas aos de fora, mesmo que cobardes e nos tivessem abandonado num momento de aflição quando tinham a obrigação de nos defender, e esquecemos os nossos heróis e aqueles que sofreram por terem servido de bode expiatório de uma “guerra” que nem sequer era nossa. O município de Chaves e Portugal, devem um pedido de desculpas ao povo do Cambedo, e não é o povo do Cambedo que o exige, pois esse até prefere o silêncio como melhor forma de esquecer, mas é uma questão de justiça, que há muito é tardia.
Hoje Cambedo é uma aldeia da raia seca com a Galiza, mas isto só aconteceu desde o Tratado de Lisboa ou tratado de limites de 1864, pois até aí era uma aldeia promiscua, ou seja, era em simultâneo pertença do Reino Português e do Reino Espanhol. Certo que a partir de 1864 passou a ser só portuguesa, mas para as ruas, casas e gentes da aldeia, a linha separadora da fronteira apenas existia nos tratados, pois o povo de um e outro lado, sempre foi o mesmo.
E sobre o Cambedo e os acontecimentos pelos quais lhes devemos um pedido de desculpas, não digo nada, pois já o disse em muitos posts neste blog e até num blog exclusivo sobre o tema. É certo que jornalistas, antropólogos, historiadores, escritores (por exemplo Jorge de Sena) e outros mais atentos já lhe dedicaram livros, documentários televisivos e até já serviu para teses de doutoramento e outros trabalhos académicos, mas continua a ser vergonhoso que a grande maioria da população flaviense não saiba o que por lá se passou no mês de dezembro de 1946…