Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

22
Fev17

Cartas ao Comendador


cartas-comenda

 

Meu caro Comendador (13)

 

Nunca lhe disse isto antes, mas, erradamente ou não, acredito que nunca é demasiado tarde para dizer o que sentimos! Já para o que pensamos, me pareça sempre cedo!

 

Desde que o senhor se mudou para Londres, ficou em mim, não digo um vazio, já que em tempos me explicou que vazio não é isso posto que o seu regresso é provável, mas uma sensação de espaço por preencher, à semelhança de um jardim por todo o lado repleto de árvores e flores, mas no qual uma porção de terreno, não classifico propositadamente a sua extensão porque a não sei medir, aguarda que o jardineiro ponha lá uma qualquer semente.

 

Digamos que quando alguém mais atento se passeia por ele, repara nesse canteiro deserto e questiona-se sobre a razão por que, até agora, não foi lá nada posto em lugar do que então estava. Começa aqui um erro: pressupomos que alguma vez lá tivesse estado alguma coisa, que foi arrancada, queimada, destruída, esquecida, abandonada ou ignorada. Pode não ter sido assim!

 

Antes de perceber isto, pergunto: haverá lógica nisto? Podemos nós tirar conclusões de um todo quando só conhecemos uma ínfima parte?

 

É talvez por esse motivo que a mera observação ou contemplação do mundo nos é tão difícil e nos não leva, em causa directa, à sua compreensão. Julgamo-nos os sábios do planeta, mas falta-nos a razão para isso.

 

Não é necessário, digo eu que pouco sei disto, ter havido qualquer coisa antes para se sentir uma ausência depois! O nada, por si só, não é um espaço por preencher? Não pode ser um vazio?

 

Ao pensar nisso temos de ter presente o conceito de tempo e com ele o de espaço embora, se formos sérios, percebamos que o segundo não se relaciona obrigatoriamente com o primeiro. Poderia dizer-lhe, sem certeza absoluta, que o tempo requer espaço, mas que o espaço pode não requerer tempo! É relativo, depende sobretudo daquilo que estamos a falar. Se forem sentimentos é uma confusão: tempo e espaço sobrepõem-se, mas se nos referirmos a raciocínios, já é cada coisa a seu tempo e o espaço passa para segundo plano!

 

No dia da sua partida, questionei-me interiormente sobre as razões que o moveram a tomar tal decisão. Pelo respeito que por si tinha e tenho, seria incapaz de lhe colocar a questão. E se o não fiz na altura, muito menos o farei agora, fora do tempo e do espaço. Mas retenho até hoje a enorme dor que deixou transparecer no olhar, o semicerrar das pálpebras, o franzir da testa, a crispação do rosto, a rigidez dos lábios! Apenas lhe escapou, a pedido e contrariamente ao que seria seu desejo, uma palavra!

 

Percebi que se tratava de uma fuga, qualquer coisa a que não era capaz de pôr termo e ao mesmo tempo continuar a conviver. Decidiu então pelo corte definitivo, permanente, irreversível. Em si isto é possível!

 

Quando o deixei no aeroporto, passou pela minha cabeça dizer-lhe que se era de si que fugia, não resultaria, uma vez que se levava consigo, mas inclinei-me mais pela hipótese de que estava a deixar cá aquilo de que pretendia afastar-se. Ainda aqui senti vontade de lhe perguntar se estava certo de que era mesmo isso que queria, mas contive-me porque em si tudo era, ao menos aparentemente, certo.

 

Passados estes anos, em que não sei de si senão por estas cartas, tenho ainda por explicar em mim se de facto conseguiu aquilo a que se propôs e se em momento nenhum, mesmo que tenha sido ele escasso, se viu tentado a questionar-se sobre essa atitude. Claro que sim, a minha dúvida não está aí! Sei perfeitamente que resistiria de forma implacável a essa tentação. A minha dúvida é se a terá ou não sentido! E o porquê disto, que parece não ter importância nenhuma, é eu perceber com que grau de certeza é que se decidiu, pois que se ela fosse absoluta o senhor não teria partido! É isso que me interessa, tendo-o em tantas coisas como uma referência para mim, conhecer as suas fraquezas dar-me-ia, não conforto, mas tranquilidade, sabê-lo humano, perceber que até para si há coisas que lhe são superiores!

 

No fim das tardes quentes de Verão, quando a brisa marítima sopra, vem-me às vezes uma ou outra frase das nossas conversas e pergunto-me do que dependerá o seu regresso! Talvez não regresse, talvez nunca tenha partido! Mudou-se simplesmente para Londres.

 

Nem para mim nem para si!

 

Um abraço deste seu amigo

 

José Francisco

 

 

Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.

Sobre mim

foto do autor

320-meokanal 895607.jpg

Pesquisar

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

 

 

19-anos(34848)-1600

Links

As minhas páginas e blogs

  •  
  • FOTOGRAFIA

  •  
  • Flavienses Ilustres

  •  
  • Animação Sociocultural

  •  
  • Cidade de Chaves

  •  
  • De interesse

  •  
  • GALEGOS

  •  
  • Imprensa

  •  
  • Aldeias de Barroso

  •  
  • Páginas e Blogs

    A

    B

    C

    D

    E

    F

    G

    H

    I

    J

    L

    M

    N

    O

    P

    Q

    R

    S

    T

    U

    V

    X

    Z

    capa-livro-p-blog blog-logo

    Comentários recentes

    • FJR

      Esta foto maravilhosa é uma lição de história. Par...

    • Ana Afonso

      Obrigado por este trabalho que fez da minha aldeia...

    • FJR

      Rua Verde a rua da familia Xanato!!!!

    • Anónimo

      Obrigado pela gentileza. Forte abraço.João Madurei...

    • Cid Simões

      Boa crónica.

    FB