Chá de Urze com Flores de Torga - 129
Boticas, 17 de Setembro de 1970
Um lauto e demorado jantar, a que assisti de talher praticamente cruzado, num enjoo renitente do estômago e do cérebro. Quanto mais a fome crónica de Portugal se farta, mais repugnância sinto pelos guisados. É que, sem almejar finuras de espírito ou Banquetes de Platão e de Kierkegaard, também me não resigno a que saiam sempre delas, ou raciocínios que parecem eructações, ou Ceias dos Cardeais.
Miguel Torga, In Diário XI
Boticas, 7 de Setembro de 1973
O mundo de frustrações que ia naquela alma! Que vai em todas as almas, afinal, mesmo se o não revelam. Nunca ninguém lhe ouvira queixume, um lamento, uma confidência. Tudo nela era descrição e compostura. E há pouco, inesperadamente, traiu-se. Falava-se de chegas que se realizam aqui no Barroso.
- Sabe o que fazem aos toiros vencidos? – perguntei.
- Não faço ideia.
- Abatem-nos.
- Porquê?
- Porque deixaram de simbolizar o poder da virilidade.
- Deviam fazer o mesmo a certos homens…
E foi como se uma flor serôdia de orgasmo se abrisse na sala.
Miguel Torga, In Diário XII