Chá de Urze com Flores de Torga - 130
Serraquinhos, 14 de Setembro de 1975
O Barroso coberto de gado. Os mais diversos bichos a granel nos mesmos pastos, nos mesmos eidos, nos mesmos currais. Bois, ovelhas, cães, cabras, burros, porcos e galinhas no mesmo cordial convívio. E pus-me a pensar na fácil comunhão da condição viva, em encontra-me com difícil harmonia da condição social. A fraternidade de que não somos capazes nós os homens, simples como o bom dia entre seres sem cromossomas permutáveis.
Miguel Torga, In Diário XII
Pitões das Júnias, Barroso, 8 de Setembro de 1983
Só vistas, a aspereza deste ermo e a pobreza do mosteiro desmantelado. Mas canta dia e noite, a correr encostado às fundações do velho cenóbio beneditino, um ribeiro lustral. E os ascetas e o poeta que se digladiam em mim, de há muito peregrinos desta solidão, mais uma vez se conciliam no mesmo impulso purificador, a invejar os monges felizes que aqui humildemente penitenciaram o corpo rebelde e pacificaram a alma atormentada. O corpo a magoar-se contrito no cilício quotidiano da realidade e a alma a ouvir de antemão, enlevada, a música da eternidade.
Miguel Torga, In Diário XIV
Covas do Barroso, 8 de Setembro de 1987
Uma bonita imagem de Nossa Senhora de Rocamador na igreja matriz, e o forno do povo ainda quente e a reacender da última fornada. Um lavrador, quando me viu ougado, meteu a navalha a uma broa e fartou-me. O comunitarismo, por estas bandas, não é uma palavra vã. Significa solidariedade activa em todos os momentos. Até a fome turística tem direito ao pão da fraternidade.
Miguel Torga, In Diário XV