Chá de Urze com Flores de Torga - 131
Carvalhelhos, 3 de Setembro de 1989
Horas e horas de correria por este Barroso a cabo, num Domingo de romarias, na mira de assistir a mais uma vez uma chega de toiros. Mas não fui feliz. Em todas as aldeias visitadas, o grande acontecimento tinha já acontecido. Restavam dele apenas o doce sabor do triunfo ou o amargo da derrota. Na pega ribatejana, outra expressão da nossa virilidade e vitalidade, é o pegador que está em causa ao saltar para dentro da arena. Aqui, é a povoação inteira que se revê na luta entre o boi e o boi rival. E o desfecho do combate diz respeito a todos. Por isso, se vence, o deus testicular é festejado até ao delírio, se fraqueja e se rende, é amaldiçoado até às lágrimas.
Celebração colectiva, a turra é a mais sagrada cerimónia que se pode presenciar nestas paragens, onde cada acto tem a profundidade dos tempos primordiais e não há divindade sem terra nos pés. E eu sou uma natureza religiosa, sedenta de transcendente, que aprendeu nas grutas de Altamira que ele pode ter a figuração de um bisonte e é sempre uma resposta luminosa a perguntas obscuras do instinto.
Miguel Torga, In Diário XV
Montalegre, 1 de Setembro de 1990
Eram jovens, abordaram-me, gostavam do que escrevi, e queriam saber coisas de mim. Qual era o meu segredo?
— Ser idêntico em todos os momentos e situações. Recusar-me a ver o mundo pelos olhos dos outros e nunca pactuar com o lugar-comum.
Miguel Torga, In Diário XVI