Chaves D´Aurora
- AVENTURA.
À noite aprazada, Aurora Bernardes partiu para sua grande aventura. Trajava-se com um grosso casaco de couro, forrado a lã e outras peças de vestuário dos irmãos. De empréstimo – dizia a si mesma, com o máximo cuidado de escolher apenas aquelas que os dois manos há muito não usavam, mas que fossem apropriadas para aquela noite tão fria de outono. Pegou também um velho chapéu e um cachené do Papá, ambos já gastos pelo uso e abandonados a um canto do porão. Escondeu bem, sob aquele, os seus louros e sedosos cabelos presos em coque.
Como estivesse Arminda a dormir profundamente, em seu sono juvenil, Aurita olhou-se no espelho do guarda-vestidos e disse para si mesma – Estás um verdadeiro gajo, ó pá! – o que foi absolutamente igual ao que, ao vê-la, exclamou Hernando. Este, porém, completou com essas palavras – Mas para mim, és sempre a minha bela e catita rapariga!
Após tomarem todos os cuidados necessários, favorecidos por já estarem na alta madrugada, caminharam até um ponto da estrada onde, a um terreiro sem dono, estava selado, estribado e amarrado, o belo cavalo de Hernando.
O rapaz trepou de um salto ao lombo do equino e, sem se desfazer da luva cor de morcela, estendeu sua mão direita à rapariga, enquanto com a outra segurava, firmemente, as rédeas do animal. Nesse momento, porém, ela começou a desandar. Hesitava. Ele, então – Vamos, brasilita! Não há mais que ver! Afinal, que tens agora? Que mosca te mordeu? – ela emudecia, até enfim confessar – É que não sei se é bom o que estou a fazer. Tenho medo. – Ora de quê?! – Do vento. – Estás a ficar doida? – Sim, mas por ti! É que dizem que, da Galiza…
Ele riu – Sei, “não vêm bons ventos, nem bons casamentos”. Ora, estás a ver que alguém disse isso só pra rimar os versos. Porque estás a arrefecer, logo agora? Se ficas nessa tontaria, quem acaba perdendo a ponta sou eu. – Eu só queria pedir-te… por favor, não me faças mal! – Mas que mal te hei de fazer? Sou aquele que cá está e estou lá onde sempre estive. Vamos. Fica-nos tarde. Vem! – e a voz firme e forte do rapaz a fez cessar qualquer reflexão ou apelo ao bom senso. Subiu à garupa no lombo do cavalo e abraçou o amado pela cintura.
Após cavalgarem um lapso de tempo pela veiga, já lá estavam ao pé do esconderijo da entrada do túnel. Esta ficava bem mesmo às esconsas, no meio de silvas, giestas, carquejas, sargaços e urzes rasteiras, a um descampado próximo de algumas ruínas. O buraco estava ao pé de uma enorme pedra. Descia-se por ele em declive, com largura suficiente para a passagem de duas pessoas de compleição mediana. – Cuidado com os tojos – disse ele – As pontas te podem magoar. “Não me quer ver magoada”, pensou a rapariga, enternecida.
Apearam. – Cá estamos. – Hernando foi amarrar o cavalo a um sítio um pouco distante, em lugar que ele sabia recôndito e seguro. Sozinha, nesses breves minutos de espera, logo lhe veio à mente – Aurora Bernardes! Que estás a fazer aqui, tão distante e tão perto de tudo que o teu lar representa?! – mas logo repetiu, de si para si, as palavras do cigano – Cá estou! E sou aquela que, livre, cá está!