Chaves D´Aurora
- VOLTA AO CHÃO.
Logo sobreveio à rapariga uma súbita preocupação – e se nos amanhece aqui, ainda com um túnel e uma boa cavalgada no caminho? Acordou seu amado, a medo de não chegar a tempo de ver os Bernardes e os mais ainda a dormir, sob os cálidos lençóis. – Tens razão, brasilita, temos que nos aviar e bem depressa!
Arranjaram-se aos corre-corres, com tudo o que havia por levar de volta e se puseram quase a voar pelo túnel. Não houve tempo algum, durante tais azáfamas, para se falar de qualquer outra coisa; menos ainda comentar sobre aquilo tudo que acabara de ocorrer. Só ao pegarem o cavalo de volta e antes de Aurora subir à garupa, é que ela desandou a chorar. Dessa vez, porém, o cigano foi enérgico e brutal – Ora, pois, e essa agora, rapariga?! Que tens? Que fazes aí, a chorar? – Oh, Hernando, que fazes, digo-te eu: e agora? O que hei de fazer de mim?! – Ora, pois… tu me amas, pois não? O resto que se haja! E deixa-te de choros e lamúrias, que não temos tempo para esses faniquitos de mulher!
O Sol já começava a estender sua colorida toalha sobre a mesa do céu, para saborear o seu pequeno-almoço, quando Aurita chegou ao portão do pomar, nos fundos da Quinta. Entrou correndo em direção ao porão e quase esbarrou em Manuel, que estava a sair com a parelha condutora do landó. Teve, por alguns breves minutos, de se esconder do cocheiro. A medo que as criadas também já estivessem acordadas, devolveu os trajos dos irmãos à lavandaria, vestiu sua camisa de dormir e, entre aflita e ansiosa, ainda teve de esperar que, lá em cima, alguém saísse da casa de banho. Logo mais, a água iria lavar seu corpo, mas não levar, para nenhum desaguadouro, a sua inquietude.
Após cair de novo sobre a Quinta o pesado e habitual silêncio da manhã nascente, Aurora correu a se atirar entre os lençóis, não sem antes responder à pequena Arminda – Aurita? Que fazes tu? Onde estavas? – Fui à retrete, maninha, estava com a bexiga cheia, aflitinha pra me aliviar. Dorme. Ainda é cedo demais para a vida.
A mais jovem das irmãs sorriu e… nem ela. Mais ao sono!
(continua)