Chaves D´Aurora
- BODAS.
Ao dia das bodas de Alfredo e Alice, tudo bem simples, como Reis mandara arranjar com o padrinho da rapariga e, mais ainda, como agora tinha que ser, face aos recentes maus sucessos, o noivo, com um ar de puto choramingas, estava a parecer um miúdo que fora posto de castigo a um canto da sala. As irmãs, essas choravam mesmo, ainda que baixinho e Mamã se esforçava por esconder o pranto em seu lenço bordado que, em uma das mãos cerradas, mantinha a um canto da boca.
À hora em que o padre perguntou se haveria alguém a impedir o contrato sacramental, quase lhe veio a João Reis uma vontade de gritar – Pare, senhor Cura, pare! O menino Alfredo ainda é menor e não estou mais a querer emancipá-lo. – Conteve-se, porém, consciente de que, ainda que fosse Reis e não um rei, à palavra dada, não podia voltar atrás. Isto viria, por certo, converter-se em um escândalo que não seria desejável, mormente àquela altura dos acontecimentos, ainda que fossem relativamente poucos os convidados a renderem seus cumprimentos na sacristia.
Sem copo d’água, as poucas pessoas ali presentes limitavam-se a comentar – O Alfredinho e a noivinha, eles ainda são tão jovens! – E ora, pois, então não sabes que estão a casar assim por já terem “aberto as duches antes dos banhos eclesiais”?
Os noivos voltaram à Quinta Grão Pará apenas com os da casa e os familiares de Alice, ou seja, o padrinho Gomes, sua amásia e alguns parentes de Vidago. À casa dos Bernardes, estava a aguardá-los um almoço digno, mas sem o tradicional galo de capoeira, como era costume nas comemorações solenes. Enfim, embora um repasto bem recheado, não era mais especial dos que os servidos em qualquer domingo. Sobre isso o Gomes, apesar de atafulhado, a ponto de quase lhe estourarem os botões da braguilha da calça, teceria depois alguns maus comentários com a sua não menos obesa companheira. Soubesse ele do que antes, às secretas, João Reis ordenara a Florinda, sobre o cardápio a servir (ordens que esta não as cumpriu de todo) – Só o trivial! Para o que é, pelo que é e para quem é, bacalhau basta!
Quanto à Carmela, a amásia do Gomes, também lhe causou muita estranheza que, apesar de pedir, até mesmo com uma inconveniente insistência, não a deixassem nem ao menos dizer – “Como vais?” – à menina Aurora, da qual ela própria vivia a comentar – É uma cachopinha tão bela, que eu... ai, Jesus, com todo o respeito, bem pode ser comparada à Virgem de Fátima!”
Enfim, ao entardecer, após uma merenda com folares, queijos do Alentejo e muito vinho, os de Vidago partiram e os nubentes se recolheram a um quartinho nos fundos da Quinta, junto ao estábulo, que Florinda mandara arranjar para o casal com todo conforto, ao que não faltaram monogramas bordados nas fronhas dos travesseiros e vasos com rosas de várias cores, doadas por tia Hortênsia.
Só então Mamã reparou nos amores-perfeitos que Aurita estava a plantar, no jardim.
Roxos, como na Quaresma.
- SEGREDOS D’ AURORA.
A ausência de Aurita, no casório do irmão, foi muito marcada pelos parentes e, em especial, pelos três únicos convidados do noivo, os mesmos que a ela ...
(continua)