Chaves D'Aurora
9 - GÉNESE.
Acabara de fazer quinze anos. Como era de costume na época, sua boa Mamã, cuja bondade se refletia nos olhos azuis, dos quais Aurora também herdara os seus, estivera a lhe falar apenas (e, tão somente, um migalho de conselhos e frases feitas) sobre o amor cristão e os deveres conjugais. Não muito mais, entretanto, do que a solene lengalenga dos curas aos noivos, nas cerimónias de casamento. Também lhe dissera de alguns cuidados de mulher para quando, sob as bênçãos da Santa Sé, a menina deixasse de ser donzela (o que, em muitos casos, ocorria sob a forma de um abençoado e sacrossanto estupro físico, psicológico e moral).
O que mais sabia Aurora de sexo e dos homens era apenas o que colhia em suas fugidas ao borralho, nas conversas com a sua ama Zefa de Pitões, ou com os chistes e as risadas safadinhas de Maria de Tourém, a volumosa cozinheira com peito de pombo. Isso causava horror a Aldenora, sua irmã, que se punha a tentar fazer intrigas com a mãe – Reparas, Mamã, que a Aurita não se dá ao respeito com pessoas de outra classe? Que ela vive a se meter entre graçolas com as criadas? Que ela e ela e ela...? – mas a mui generosa Florinda só fazia responder – Ora deixa estar, menina, tua irmã sabe muito bem o que faz. Cuida de ti, que dela cuidamos nós, eu, o Reis e – apontou para o alto – o Grande Pai de todos nós.
Aurora era só nem te ouço, nem te vejo, nem te sei, ante a língua ferina da irmã, cuja implicância ela de pronto esquecia, a plantar amores-perfeitos no jardim da Quinta.
De várias cores.
Apetecia-lhe mesmo era estar na cozinha, ao calor do braseiro, entre caçarolas, tachos de cobre, alguidares e utensílios da conhecida cerâmica negra de Vilar de Nantes. Lá ficava a ouvir as inesgotáveis histórias das aldeias do Barrosão. Agradava-lhe saber da festa de Mordomos, em Salto, ou das figuras de Fulipeiros no carnaval de Tourém. Punha-se a rir, com falso pejo e discreta excitação, mas também com alguma ingenuidade, dos ditos e provérbios da Zefa ou das adivinhas de Maria – “A pele da moça é dura, mais duro é quem n’a fura, entra o teso lá no mole, ficam os dois na dependura” – ou – “Maria Branca está estendida, Zé Bernardo anda por cima, enquanto Zé Bernardo bai e bem, Maria Branca aberto lo tem” – ou ainda – “Qual, é a coisa, qual é ela, sejam grandes ou miudinhos, é pelinho com pelinho e um peladinho no meio?” – respostas que, afinal, eram dadas entre rubores da menina e os risos lúbricos das criadas: o brinco na orelha, o tear, os olhos entre os cílios...
Foi justamente em companhia dessas bobas e atrapalhadas fadas-madrinhas, que a princesinha do Raio X conheceu o seu sapo, digo, seu príncipe encantado.