Chaves D'Aurora
- AMPULHETAS.
A descida de areia, na ampulheta dos Bernardes, podia ser vista a se refletir em cada um dos membros da família.
Aldenora apegava-se aos livros de contos açucarados (e alguns mais realistas, mas só quando os podia ter à mão, em segredo). Aurélia já estava a vivenciar os seus “dias de histórias”, como toda mulher. Mindinha, esta se afastava cada vez mais das bonecas. Quanto à menina Aurita, agora sem contar nem mesmo com os explicadores em domicílio, para diminuir o tédio que a vida reclusa de Papá impunha às filhas, entregava-se cada vez mais a cuidar do jardim e dos seus amores-perfeitos.
Acastanhados.
Ao contrário de seu irmão, o caladão e ajuizado Afonso, sempre dedicado aos estudos, ao púbere Alfredo apetecia bem mais aproveitar todos os momentos dessa fase única da vida, a adolescência. O que o puto mais apreciava era se entregar aos sagrados princípios do Hedonismo, que não conhecia dos livros, mas da prática. Tinha vários amigos, entre as maltinhas de Chaves, principalmente o Zeca Sarmento, o Vitinho Mendes e o Lucas Bó. A todos esses, o que mais agradava era nadar no Tâmega. Nos bons e quentes dias de verão, Alfredinho chegava a casa com os cabelos ainda molhados e Afonso perguntava – Onde nadaste? – e ele, muito orgulhoso de si, respondia – Na Pedra da Bicuda!
Poldras - Rio Tâmega - Chaves
Àquele tempo, os rapazes recebiam suas primeiras lições aquáticas com um colega que já soubesse nadar bem e o aprendizado se fazia em várias etapas, de acordo com a profundidade dos vários sítios do rio. Com Alfredo, não foi diverso (e não o fora também, com Afonso, ao seu tempo). Suas primeiras braçadas e pernas foram rio acima, a um sítio mais raso, na Galinheira. Já menos afoito e mais afeito às águas, seus amigos experientes o levaram para a Ola, junto à Ponte Romana.
Os primeiros exercícios de verdade foram no Cachão, junto às Poldras, um belo caminho de pedras, até hoje existente, que era a única alternativa da Ponte Romana, àquela época, para a travessia do Tâmega pelos peões.
Lá no Cachão, a malta de putos mergulhava alegremente. Quando Alfredo já estava a nadar melhor, o Vitinho e o Lucas Bó o levaram até ao Poço do Leite, junto à presa do Moinho dos Agapito, onde todos já podiam fazer, sem medo e com arte, a travessia do rio.
Tâmega, próximo ao Moinho dos Agapito. Foto de Raimundo Alberto (2010).
Os rapazes partiam das margens do Tâmega aos magotes, entre chistes, desafios e exibições próprias da idade. Já nadavam de costas, faziam prolongados mergulhos e se arremessavam às águas em saltos de anjo, de peixe, de navalha. No entanto, aquele que afirmasse, categoricamente, já dar suas braçadas na Pedra da Bicuda, uma parte do rio mais abaixo e mais funda, esse era digno de admiração entre os mais. É que isso significava que o puto já podia considerar-se um exímio nadador.