Crónicas de Assim Dizer
O encanto que desencanta e volta a encantar
Faz parte do nosso imaginário! A alguns de nós não chega a realidade, efabulamos! O processo é, em alguns casos, consciente. Sabemos no que nos metemos. Fazemos um esforço, não muito grande, para acreditar em imagens que construimos, em raciocínios que deduzimos.
Inventamos, fazemos o filme todo. Criamos personagens, cenários, diálogos, tiramos conclusões, argumentamos... até aqui tudo bem. Somos criativos, pegamos em realidades mal explicadas, com pouca lógica e emprestamos-lhes alguma, é saudável. Afinal quem é que consegue viver num mundo onde não há causa e efeito, onde só vemos pontas soltas, onde as coisas existem sem haver uma razão que as suporte? Gente sem interesse nenhum! E nós somos diferentes, então o que é que custa?, temos lucidez que chegue para pôr alguma lógica no que não a tem.
Mas, e começamos a falar da parte má, há coisas que por mais que pensemos nelas não lhe conseguimos arranjar um motivo. Passamos por elas e não as entendemos, dormimos sobre elas e não lhes encontramos qualquer explicação. As que arranjamos não servem. Começamos então a partir de pressupostos que façam, na medida exacta, parecer real o que não é. Há coisas em que isso é uma questão de tempo. Para essas é pacífico o anteciparmo-nos a elas, mas há coisas que por mais que nos contorçamos nunca hão-de ser o que nós projectámos que fossem. É aqui que começamos a passar mal. Começa tudo a fugir-nos ao controlo, de que gostamos; começamos a descobrir coisas em nós de que não gostamos, como o não ser capazes de mudar o mundo, como o não conseguirmos que os outros sejam como nós gostaríamos que fossem. E isto do “gostaríamos” é já uma nuance porque o termo certo seria: “queríamos” que fossem.
Talvez esteja na altura de parar com isto e começarmos a pensar. Que nome tem esta prática? Fuga, não mais do que isso e se for é pior, distorção! Acorrentamonos a certezas que são apenas nossas, de certeza têm pouco!
Façamos uma experiência. Vamos abrir as asas, que as temos, e sobrevoar o presente finito, o de hoje. Quem sabe se quando no balão de ar quente se esgotar o combustível não aterraremos numa realidade possível, com a qual possamos conviver, deixando de lado, sem matar, a criança que temos dentro de nós! É bonito, mas já não temos idade para isso, crescemos entretanto. Temos que aceitar isto. As histórias infantis faziam sentido e provavelmente ajudaram a formar os adultos que hoje somos, mas continuar com elas presentes num cérebro que já viveu depois disso, é desajustado.
E talvez fiquemos agradados com a viagem e com a paisagem, agora vista de cima! Talvez nos surpreenda a dimensão das coisas. As pequenas desaparecem e as grandes ficam pequenas. Questões de altitude, de perspectiva. Somos bons nisso, aproveitemos. Talvez possamos, desta forma simples, afastar os contornos inúteis, os detalhes supérfluos, as arestas excessivas...
Estamos novamente, pela vez sem conta, a construir um mundo virtual, encantado. É uma coisa que fazemos bem e com agilidade, já nos habituámos a isto. Se é iludirmo-nos outra vez, que mal é que tem? Quem é que disse, quem foi que escreveu, que a vida tinha de ser real? Ora, falavam da deles, não da nossa e porque razão haveríamos de seguir ensinamentos que nos são alheios? É como se tentássemos vestir uma roupa que não é nossa. Ou nos fica apertada ou nos fica larga, mas não nos fica bem e, se ficar, não é nossa! E nós percebemos tanto de corta e cose. A quantidade de coisas que já fizemos nessa área! Não serviu de muito, é certo, mas ficou-nos o jeito! Fazendo bem, importa o quê?
Cristina Pizarro