Crónicas de assim dizer
![]()
O Senhor Joaquim
O homem tinha-se habituado àquilo e não prescindia disso! Se alguém lhe perguntava porque o fazia, respondia:
- Habituei-me!
As pessoas não percebiam isso, achavam que era uma não resposta. É normal, quem não tem o hábito não o entende.
Havia outros que o achavam doido, porque não encontravam lógica nenhuma para uma pessoa usar uma coisa da qual não precisa. É também normal, porque a lógica é de cada um, não se partilha.
E depois havia outros, persistentes, que teimavam em conseguir mudar o homem:
- Ó Senhor Joaquim, pense comigo. Se o Senhor não precisa disso para nada, porque é que anda com elas?
Mas o Senhor Joaquim que pensava bastante, mas só consigo e não com os outros, respondia a pura verdade:
- Habituei-me!
E as pessoas continuavam:
- Faça de conta que as perde, como é que depois vai fazer?
O Senhor Joaquim não gostava muito de fazer de conta. Achava pouco real e produtivo imaginar cenários onde, embora não pudesse determinar a probabilidade exacta de acontecerem, via neles poucas possibilidades de ocorrerem e respondia:
- Até lá, ando com elas!
- E depois, se isso acontecer, o que é que faz?
E o Senhor Joaquim, já farto daquela conversa e só em jeito de a terminar, respondeu:
- Arranjo outras!
Estas conversas, inquisições repetidas, deixavam-no um bocado desconfortável e começou a sentir-se melhor sozinho e a ficar mais por casa, porque se cansou de responder a questões iguais em dias diferentes.
Um dia os miúdos da aldeia, brincadeira de mau gosto, resolveram, num momento de distração, o que só acontecia enquanto dormia, tirar-lhas. O Senhor Joaquim passou dias sem sair da cama e as pessoas começaram a perguntar-lhe:
- Ó Senhor Joaquim, porque é que não se levanta, não há nada que o impeça!
E ele a responder de novo:
- Habituei-me!
Um dia os mesmos miúdos da aldeia acabaram por ir visitá-lo, porque sentiam saudades das histórias de vida que ele lhes contava ao fim da tarde, no quintal, e trouxeram-lhe as canadianas. E o Senhor Joaquim levantou-se da cama, apoiou-se nelas e foi para a rua contar histórias. Não fez comentários, perguntou apenas aos miúdos porque tinham sentido falta das histórias que ele lhes contava. Responderam:
- Habituámo-nos!
E o Senhor Joaquim:
- Eu já não vou para novo, se um dia vos falto como é que fazem?
Este cenário, embora o Senhor Joaquim não pudesse determinar com probabilidade exacta quando aconteceria, via nele muitas possibilidades de ocorrer e achava, por isso, muito real e produtivo imaginá-lo com alguma antecedência!
- Até lá, conta-nos histórias.
- E depois, quando isso acontecer, o que é que fazem?
- Arranjamos outro!
Nesse dia o Senhor Joaquim esqueceu-se das canadianas no quintal, voltou para casa pensativo, um pouco triste, mas, encolhendo os ombros, verbalizou, em jeito de conclusão:
- Coisas de miúdos.
Na manhã seguinte, não acordou.
Cristina Pizarro


