Crónicas de Assim Dizer - Sua Excelência, o Imperador
Sua Excelência, o Imperador
Temos um monstro dentro da nossa cabeça a quem temos de controlar, dominar e impedir que dê cabo da nossa vida e de nós.
O cérebro é um maníaco, um ditador, um tirano e um traidor. É básico, um computador com escolaridade mínima e que trabalha com Excel intermédio. Tem para lá umas tabelas e umas fórmulas de cálculo com factores de conversão para apresentação de resultados que não sabemos muito bem como, onde ou quem lhas introduziu. Não consegue distinguir um Ai! de prazer de um de sofrimento, interpreta as nossas emoções segundo um padrão interno que não obedece nem à nossa lógica de raciocínio nem à nossa inteligência. Resumidamente, faz o que quer e sobra-lhe tempo! Enquanto a nós o tempo nos falta para quase tudo!
Olhamos para ele e dizemos: lá está ele, sempre com o mesmo discurso, não sai daquilo. Se não fosse nosso, tínhamos pena dele!
Elaborou durante séculos, sim, que estas coisas herdam-se, planos de execução estratégicos, com tudo pensado ao pormenor, com avaliações periódicas, internas e externas, baseadas numa lista de critérios extensíssima, onde entravam juízos de valor, conceitos de ética e estética, apreciações, observações e consensos, eu sei lá!
Estabeleceu castigos, punições, prémios, recompensas, um manancial de moedas de troca, que lhe serviam, a ele, como medida do exercício de poder, da consciência que não tinha, da maturidade da qual nunca tinha ouvido falar e da inteligência que venerava como a um Deus inexistente.
Controlou as emoções que a custo demonstrámos, como se fossem peças de uma linha de montagem, dizendo-nos o que sentir, como sentir, por quem sentir, onde sentir e porque sentir.
Mas o nosso monstro é sôfrego, se lhe tirarmos os pensamentos, único alimento e do qual depende, tiramos-lhe tudo e ele não sobrevive.
Descobrimos-lhe a tática do jogo, chegámos nós ao poder. A partir de agora quem manda aqui somos nós e ou ele obedece ou o expulsamos de casa. Fizemos dele refém, neste momento estrebucha, agarra-se, como uma lapa às rochas, ao único que tem, o nosso passado e convence-se que com isso nos pode dominar. Engana-se, já nos libertámos dele. Temos agora pela frente um presente e um futuro que dependem apenas de nós, no presente e no futuro. Agora é ele que vive numa gaiola, enclausurado, encurralado, acorrentado. Repete como um papagaio aquilo que lhe ditarmos quinhentas vezes. Alimentamo-lo a pão e água, não merece mais. Durante anos converteu a nossa vida num inferno, apresentando-nos de aperitivo, como primeiro prato e segundo tudo aquilo com que não sabíamos lidar e reservou-nos para sobremesa a dor e a impotência de não conseguirmos realizar os sonhos que ele nos projectou, os sonhos que eram dele e a que apelidava de nossos para nos convencer a lutar por eles. Torturou-nos até a exaustão, sem dor, sem sofrimento, sem compaixão e com dolo.
Sacana! Fez-nos sentir culpa e remorsos pelas suas frustrações, pela sua falta de capacidade, pela sua falta de competência enquanto líder, pela sua ganância de poder!
E nós obedecemos, humildemente obedecemos, porque o cérebro nos fez acreditar que “queria o melhor para nós!”
Mas temos, felizmente e a par dele, a mente, sobredotada, a nossa menina com QI acima da média e nossa aliada. Trabalha noite e dia, chega a conclusões fabulosas enquanto dormimos, verdadeiramente única, mas raciona-nos a informação disponível. Só diz uma vez: ou estamos atentos ou lá se vai tudo e para sempre! Não dá segundas oportunidades, não perde muito tempo connosco, quem não estiver atento nem sabe que a tem! E foi com ela que se deu o inevitável golpe de estado, militar, com mobilização de todas as forças armadas, incluindo as de reserva, por terra, por mar e por ar. O cérebro foi cercado, não havia nem fuga possível nem alternativa a ela!
Vivemos hoje num planeta de recreio, com tranquilidade, calma e plenitude. Invertemos papéis, subvertemos funções, alterámos competências. Agora quem dita as regras somos nós. Finalmente patrões, com quase cem biliões de neurónios como criados. A nossa praia! Aos que não obedecerem, cortamos-lhe na glicose!
Com disciplina militar daqui a um mês já podemos ir com ele a um restaurante sem nos envergonharmos.
Percebemos que a quem temos de treinar é o líder, a mente, que é quem dá as ordens porque o cérebro nasceu para obedecer. O que lhe dissermos para fazer, ele faz.
Há pessoas que nos querem emprestar o cérebro delas para fazer connosco o que o nosso fazia, enquanto deixámos. E nós sorrimos, tranquilamente sorrimos. Agora a nossa paz é inabalável e é engraçado perceber como isso desestabiliza as intenções. Julgavam-se capazes de o fazer e a nós incapazes de o reconhecer. Acrescentam requintadamente ao que foi nosso, uma característica peculiar, a manipulação. Prato que já digerimos, a quente e a frio. A única coisa que conseguem é arrastar-nos para um café, a que vamos por curiosidade. Essa mesma, a de instinto animal que não conseguimos apagar da nossa natureza não humana. Mas é pacífico. Vamos e vimos. Vimos como fomos, em paz.
Maníacos? Talvez. Ditadores? Possivelmente. Tiranos? É uma hipótese a pôr, mas nunca traidores.
Cristina Pizarro