Dez Andamentos
DAS SILHUETAS E DA SOBREPOSIÇÃO DAS MÃOS
Das Silhuetas e da Sobreposição das Mãos
Perdem-se, as nossas sombras, mesmo quando não pensamos ser Peter Pan.
Perdem-se sobrevoando pradarias, planícies, searas e celeiros, antes de se diluírem em bairros periféricos, entrecruzando-se no Ironbound com estruturas de pontes, carris e guindastes, e chegando depois a Brooklyn através do olhar que, em Newark, Saramago lançou sobre Joseph Stella.
Tudo isto parece enlaçar-se e entrelaçar-se numas tranças de finos cabelos negros e num olhar que escapa à imensidão dos campos delimitados por postes, e cercas, e arames, e vedações, nos vastos territórios desta land of fences.
Um olhar que reflecte as memórias dos emigrantes de Alfred Stieglitz e de toda a gente da terceira classe, desembarcando o futuro de filhos e netos que hão-de vir e aguardando pelo aconchegante natal branco de Miguéis.
Um olhar diluído na opulenta brancura das flores e dos jarros de O’Keefe, que escondem em si as descarnadas ossadas do futuro e anunciam as desoladas mães desempregadas de Dorothea Lange.
Um olhar desfocado, reflectindo também quem nos vê, fixando a sombria silhueta de um inquietante perfil e a serena sobreposição das mãos sob um rosto delineado a meia-luz, esquecido já da plena e luminosa felicidade inocente dos putti de Rafael.
Perdem-se, nestas sinuosas e labirínticas silhuetas, as nossas sombras de hoje…
Ralph Eugene Meatyard (1925-1972)
Untitled (n.d.)