Discursos (emigrantes) Sobre a Cidade
A cidade da Liberdade
- Disse ao meu pai que era homosexual quando tinha 18 anos. Era noite de passagem de ano, foi-me buscar à discoteca e eu estava bêbado...
- Bem, é caso para dizer... Feliz ano gay!!!
Esta típica conversa de café aconteceu realmente em Barcelona e voltaria a ser ouvida em qualquer outro local da mesma cidade. Sejam bem-vindos a uma cidade que acolhe todas as escolhas e estilos de vida sem preconceitos nem restrições.
Desfile "Orgulho Gay" Barcelona - Fotografia de Sandra Pereira
Nesta cidade da Liberdade, encontra-se gente que já viajou por meio mundo, teve mil e um empregos nada relacionados uns com os outros, “casou” e “descasou” mil e uma vezes, seguiu a sua diferença e forma de (vi)ver a vida, concretizou os desejos mais íntimos outrora inconfessáveis, e vai perseguindo o ideal da juventude eterna... . Sejam bem-vindos a uma cidade que acolhe todas as histórias de vida possíveis e inimagináveis, aqui em Barcelona, logo a seguir ao primeiro “hola!”.
A cidade da Liberdade é também a da perdição, pois, como se diz pelas nossas terras, quando a escolha é muita, pouco ou nada se acerta. E aqui, é preciso ser muito tenaz para perseguir/atingir objectivos e não se deixar cair em tentações... Mas elas aí estão, na cidade da Liberdade, e eles aí estão, “os locos” de Barcelona, sem lei nem rei...
Desfile "Orgulho Gay" Barcelona - Fotografia de Sandra Pereira
Viver na cidade da Liberdade é também aceitar a mudança constante, pois ser livre é poder mudar de ideias e rumos a cada momento, sem estar sujeito a ditaduras sociais. E se a cidade é ponto de encontro entre várias nacionalidades, tem sol e praia que convidam à rua e fervilha de eventos socio-culturais todo o ano, a estabilidade nas relações humanas procura-se e encontra-se, mas é mais difícil. Nada nem ninguém é para sempre, pois tudo se renova constantemente – gente, ideias, escolhas, lugares.
A cidade da Liberdade é saborosa, mas deixa muitas vezes um amargo na boca. Traz à nossa lembrança a gente de todos os dias que se encontra na nossa pequena cidade, onde, apesar da “mesmice” de sempre e dos “julgamentos comunitários” das excepções/transgressões à regra, há constância nas relações humanas. Este é o porto seguro, o refúgio sentimental que qualquer ser humano necessita. Na nossa terra transmontana, os laços criam-se com sinceridade e alimentam-se com entrega. E quando entrelaçados, não se desfazem de um dia para o outro, estão ali para o que der e vier, até porque “o respeitinho é muito bonito”. Na nossa pequena cidade, o mundo parece mais bonito, pois que é feito da liberdade sem amor?
Sandra Pereira