Estratos
Chuva de Santos
A chuva que os Santos trouxeram quebra o silêncio de um dia que a noite usurpou.
Chegou também, por agora, um interruptor de memórias. Traz flores ao cemitério. Traz velas ao cemitério. Traz vidas ao cemitério. Traz sons ao cemitério. Traz até tecnologia que, funeral feito, já pode sair do bolso sem que mal pareça. Em dias destes, tudo, desde que envolva visitas ao cemitério, é bonito e fica bem. E os óculos escuros dispensam-se. Lágrimas tardias marcarão menos o rosto.
Hereges me confesso. Não fui ao cemitério. Não coloquei flores. Não comprei velas. Não sinto remorsos.
Segui a minha doutrina. Fui à feira. Coloquei mesa farta. Comprei farturas. Senti a alegria imensa de receber os vivos.
A chuva, que os Santos trouxeram, não apagará a dignidade das flores que ajudo a escolher todo o ano, ou a lembrança que é diária.
E, se hereges já confessa sou, perpetuo a heresia… As vozes do cemitério lembram-me a comunhões na missa: a memória perde para a vista.
Rita