Intermitências

Diversorium
"A minha cabeça é uma selva".
Risos.
Não entendia porque riam os outros. Ela falava a sério. "Porque as vossas não o são?"
A cabeça dela era mesmo uma selva. Caótica, densa, vasta, imprevisível, misteriosa, assustadora, confusa até à loucura.
Quem a quisesse ver que fosse ao Diversorium. Ela estaria lá a divertir-se. Dançar, cantar, embriagar-se, perder a consciência. Viver louca e rapidamente era o seu método para esquecer a sua selva interior. Quanto mais, melhor. No Diversorium, ela sentia que vivia intensamente.
Queria tudo agora e aqui. Ela era incapaz de esperar seja o que fosse tranquilamente. Se a sua cabeça era uma selva, ela tornou-se um animal selvagem, indiferente ao que se passava a sua volta. Cada um que lutasse pela sua sobrevivência!
Não precisava de ninguém, tinha o Diversorium. Não precisava de objectivos, tinha o Diversorium. Mas quando este estava fechado, precisava de tudo e todos, era um animal ferido. Regressava à selva da sua cabeça, completamente perdida. Queimava-se por dentro. Às vezes, levantava-se um incêndio colossal na sua selva, que o vento que passa ia atiçando e alastrando.
Trindade, Brasil, Dezembro 2014 - Fotografia de Sandra Pereira
Só no Diversorium conseguia acalmar esse fogo interior. Aí, libertava-se. Aí, não tinha passado, nem futuro, nem destino. Viajava fora do tempo, como se ele não existisse. Mas nunca conseguia apagar o incêndio colossal que lavrava dentro dela.
Um dia, aconteceu uma performance no Diversorium. Ela encantou-se com um palhaço malabarista. No final, ele ofereceu-lhe as suas ferramentas de jogo para que ela experimentasse.
Ela recusou. Achou impossível.
"Que temes? Não vives já numa selva?", perguntou ele. "Isto não é uma questão de jeito, é magia! Experimenta!".
Ela tentou e deixou tudo cair.
"Tenta outra vez".
Ela voltou a tentar e deixou tudo cair.
Riram-se. Sorriram-se.
Ela sentiu que conseguiria, um dia...
"A selva é um mistério. A viagem és tu".
Sandra Pereira



