Intermitências
Primavera
Nada de novo nos últimos meses. Os dias seguiam-se uns aos outros, sem surpresas, rotineiros. Ia para o trabalho, voltava para casa, sempre de cabeça baixa e olhos no chão. Que vida esta, pensava, escravo do trabalho...
Nada de novo nos últimos meses. Não tinha feito amigos novos, não tinha conhecido lugares novos, não tinha tido conversas interessantes, não tinha aprendido nada de novo. Ia para o trabalho, voltava para casa, sempre de cabeça baixa e olhos no chão. Que vida esta, pensava, escravo do trabalho e do lugar onde vivo...
Fotografia de Sandra Pereira
“Pode por favor olhar para mim quando lhe falo?”
Levantou a cabeça e viu uma bonita senhora servir-lhe o café acompanhado de um belo sorriso. “Não olhe para o chão a não ser que estejam aí as estrelas!”. Ele agradeceu e decidiu seguir o conselho.
Saiu à rua e levantou os olhos. Viu um ceú azul, árvores em flor, pássaros a cantar, cães humidelmente alegres, e rostos de pessoas. Alguns sorridentes, muitos não. Olhou nos olhos cada rosto que se cruzava com ele. Não todos, porque muitos também andavam sempre de cabeça baixa e olhos no chão ou no telemóvel. Mas quando lhe retribuíam o olhar, sentia sempre um arrepio. Parecia que conhecia cada pessoa com que se cruzava, que sabia o que pensavam e sentiam. Pareciam-lhe tão humanos... quanto ele.
Sorriu. Era Primavera.
Sandra Pereira