Momentos que esperam por nós
Confesso que me dá gozo andar por aí à caça de imagens, mas ainda me dá mais gozo trabalhar as imagens a meu gosto. Enquanto as trabalho, os meus pensamentos andam por aí em liberdade. Por exemplo enquanto tratava a imagem de hoje, entraram nos meus pensamentos os passos telúricos de Torga e um poema seu intitulado “Pânico” que passo a transcrever:
Pânico
Olho, aterrado, a grande mesa posta.
Quem presumiu em mim fome tamanha?
Todo o maná sagrado da montanha
Servido lautamente
A um só conviva!
À luz do sol–poente,
Numa quase agressiva
Pressa de comunhão, as penedias
São raras iguarias
Dum banquete irreal
De que sou comensal
Apenas eu…
Como se um pigmeu
Pudesse devorar num breve instante
A refeição eterna dum gingante!
Palavras que levaram-me até ao meu amigo que não gosta do Torga, que pela certa também não gosta da imagem de hoje, tudo, porque penso eu, a imagem fica bem com este poema e o contrário também, daí isso… ia eu pensando. Depois o pensamento já andava à procura de um possível título para a imagem que, por mais voltas que ele desse, ficava sempre no “q.b.” o mesmo das receitas culinárias — Mas nunca ficar aquém do q.b. nem nunca ir além dele, acaba por ser uma chatice, daí tanto prezar as amizades que me desembargam a alma, embora às vezes, também elas precisem ou precisassem de ser apimentadas...