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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

13
Jul20

O Barroso aqui tão perto - Casas da Serra

Aldeias de Barroso - Concelho de Boticas


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Já estávamos no outono, mas apenas no calendário, pois bem lá na croa da Serra do Barroso, naquele dia de 6 de outubro, ainda era verão, como se fosse julho ou agosto, mesmo nos incêndios que iam manchando o azul do céu com o fumo do que ardia em terra, e a nossa volta, por onde íamos passando, não era exceção, o pouco mato rasteiro que havia para arder, ia ardendo, coisa de pastores diziam-nos, mas por ali não havia alma viva, apenas nós e a estrada, estreita, a caminho de mais uma aldeia do Barroso que nos diziam existir por ali, mas sem se avistar.

 

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Vindos de Coimbró e de Covelo do Monte, passámos por um pequeno santuário no meio do nada e continuámos por estrada que para nós era virgem, era a primeira vez que por ali passávamos, com as curvas que iam contornando pequenas elevações, muitos penedos, vegetação sempre rasteira e muito fumo, às vezes passávamos mesmo pelo meio do fogo, de ambos os lados da estrada, mas sem grande perigo pois as chamas iam comendo, nas calmas, o que restava por arder da vegetação rasteira. Segundo os nossos cálculos, Casas da Serra deveria estar a aparecer-nos no horizonte, mas no entretanto havia apenas estrada, penedos, e o incêndio. Para trás, nas nossas costas, iam ficando as grandes ventoinhas de um dos parques eólicos, um tipo de vegetação recente e alta que agora vai cobrindo os montes altos do Barroso…

 

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E eis que, finalmente, uma pequena placa indica Casas da Serra, e sim senhor, serra(s) havia muita(s), estávamos na Serra do Barroso e ao fundo víamos a serra do Facho e depois dela a Serra do Gerês, e uma pequena povoação na Serra do Facho, Ladrugães, pareceu-me, mas casas de Casas da Serra, ainda não se avistava nenhuma. A figura de um pequeno pato chamou-nos a atenção e lá vai mais um clique, era um daqueles patinhos iguais aos que as crianças põem na banheira a flutuar quando tomam banho, embora este fosse apenas mais um rochedo no monte. Na estrada, agora mais estreita, um enorme penedo obriga a mais uma curva, e finalmente, entre rochedos e bocadinhos de estrada, avista-se um ponto avermelhado que tudo leva a crer ser um telhado de uma casa das Casas da Serra.

 

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E era. Logo de seguida, avista-se uma capela na croa de um pequeno monte e na base desse monte, um pouco de terra plana coberta de vegetação rasteira de um amarelo creme ou bege claro, por aqui não há a exuberância do verde, e logo em primeiro plano, uma casa branca destaca-se quebrando a harmonia da tela. A terra é alta, estávamos a 1.150 metros de altitude e não me cheirava que por ali houvessem nascentes de água,  e também não a ouvia a correr nas levadas, talvez de inverno ou primavera, depois das chuvas e da neve,  o verde nasça para mais tarde, de novo, virar a bege de erva seca. Vista dali, desde o alto da encosta que já desce para a aldeia,  Casas da Serra parece ser simpática, pena aquela casa branca destoar, mesmo assim, olhando com atenção, nota-se que por trás dela há casario antigo,  de pedra, bem camuflando na paisagem, apenas uns poucos telhados laranja nos indicam o granito que os suportam.

 

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Há terras onde se sente mesmo estar no teto do mundo, esta é uma delas, Casas da Serra, lá bem no alto da serra, mas a croa da serra, essa é reservada à pequena capela, de construção recente e cheia de luz, mais parecendo um farol em terra para quem anda a navegar no mar de montanhas do Barroso, embora não seja essa a sua finalidade, mas na realidade, estas capelas servem mesmo de faróis diurnos para quem navega no mar de montanhas do Barroso.

 

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E esta das capelas nas croas de pequenos montes dentro das grandes montanhas, vão-se repetindo nas aldeias das redondezas, desde a capela de São João da Fraga no Gerês à capela de Santo Isidro nas Alturas do Barroso, desde a capela de Santa Luzia em Cela à capela de Atilhó, desde a capela da Senhora da Livração em Ormeche (Paio Afonso) à de São Domingos em Morgade ou à da capela na Nossa Senhora das Treburas em Montalegre, entre outras, vão servindo de referência e indicação/orientação para quem anda a navegar nestes mares, isto para quem as conhece e conhece o Barroso. Um dia, quando acabarmos esta ronda por todas as aldeias do Barroso, pode ser que surjam aqui alguns posts com estas capelas e igrejas das croas dos montes e/ou isoladas na montanha.

 

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Apetecia-me ficar no discurso anterior pois o cartaz de boas-vindas à aldeia não é lá muito acolhedor, um largo, no meio, um tanque vazio, sem água, a maioria do casario, senão todo, está abandonado, fechado. Metade da aldeia está em ruinas, pelo menos os telhados estão todos esbarrondados, e as paredes não o estão porque são de boa construção, aliás uma construção em granito maioritariamente trabalhado em perpianho que demonstra que esta aldeia, quando existiu com toda a sua integridade e pessoas dentro das casas, não era uma aldeia qualquer, mas que agora parece uma aldeia fantasma. Mais uma vez, e agora já estamos dentro da aldeia,  a casa branca destoa no conjunto, e não parecendo abandonada, também não parece habitada e, ia a quase a dizer que pessoas na aldeia não havia, mas uma alma viva, vinda sem sabermos de onde, apareceu, assim a modos de querer saber ao que andávamos, e tinha toda a razão, depois das apresentações e de lhe dizermos ao que íamos, começámos a conversar.

 

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Pensávamos que não havia aqui ninguém, fomos-lhe dizendo, que Casas da Serra já estava como Covelo do Monte[i], mas afinal ainda há vida por aqui. E então,  o resto do pessoal!?Sou só eu!, respondeu-nos o José da Silva Freitas, cinquenta e poucos anos… de tez escura curtida pelo sol e frios secos de inverno, magro e calmo  – então é o dono disto tudo! Afirmámos, e a resposta foi pronta - não, só das casas com telhado… e a aquela branca não é minha. Seguiu-se um prolongado silêncio enquanto subíamos a encosta em direção à pequena capela.

 

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Vista lá de cima a aldeia nem melhora nem piora, é aquilo que ali está. Invadem-nos sentimentos estranhos, fazemos a nós próprios perguntas que não têm resposta nem sabemos responder, e também não queremos perguntar. O que levou os antepassados desta aldeia a construir ali as suas casas no meio de rochas, num pequeno vale, é certo, mas metade  é ocupado pelas casas. Ao contrário das outras aldeias que ergueram as suas casas nas encostas para deixarem as terras de cultivo livres, mas olhando melhor até se compreende o porquê das casas ocuparem este pequeno vale, pois é fácil de imaginar o que são por aqui os invernos, a neve, o gelo e o vento frio de cortar, e o vale sempre está mais protegido, principalmente dos ventos.

 

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Tento imaginar esta aldeia com vida, com o gado, as galinhas, os cães e as pessoas na rua, o tanque da aldeia cheio de água, as casas ainda todas habitadas e o pequeno vale cultivado com o forno do povo bem afastado da aldeia, vá-se lá saber porque, talvez com medo aos incêndios, pois hoje as casas têm telhado de telha cerâmica, mas há coisa de 40 ou 50 anos ainda eram os colmos que faziam a cobertura das casas, o coroamento das parede de topo são testemunho disso. Mas olhando lá do alto da capela, vê-se perfeitamente que os antigos habitantes não viviam da agricultura. Talvez fossem pastores com grandes cabradas e outro gado maior. Talvez fossem caçadores. Talvez fossem ambas e duas as coisas..

 

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Tento imaginar a aldeia antiga o interessante que deveria ser. O lugar é bonito. Desde ele, basta subir até à capela, vê-se quase todo o Barroso, com vistas privilegiadas para terras do Gerês, terras de Cabril, terras de Salto, alcança-se o Larouco já bem distante e ao descer a montanha em direção a poente, temos o rio Rabagão e os seus vales e várzeas, a de Ladrugães na margem direita e de Vila da Ponte e Ormeche na margem esquerda, isto hoje, já depois  da construção das barragens, que há 60, 70 anos atrás era só o rio Rabagão.

 

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Ainda lá em cima no alto da capela,  os sentimentos continuam contraditórios, aquilo que os meus olhos veem são de uma beleza singular, ali, aos nossos pés,  poderia existir um pequeno paraíso, mais uma pequena pérola deste colar do Barroso, mas assim, abandonado, com apenas uma alma viva a habitá-lo, mete dó e temos pena… por outro lado, a compreensão faz-nos voltar à razão, e compreendemos, oh! se compreendemos, perfeitamente, que todos tivessem abandonado, partido e vêm-me de novo as palavras de Torga à lembrança “ Entro nestas aldeias sagradas a tremer de vergonha. Não por mim, que venho cheio de boas intenções, mas por uma civilização de má-fé que nem ao menos lhe dá a simples proteção de as respeitar.” E esta falta de respeito continua, pois estas aldeias definham, morrem à vista de todos e ninguém faz nada para contrariar este mundo que se acaba. Assim a compreensão das partidas leva-me até um outro sentimento, o da raiva.

 

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Quanto ao futuro desta aldeia já se sabe qual é, está a um pequeno passo disso mesmo. Quiçá daqui a 500 ou 1000, ou 10000 anos seja um dos muitos campos de arqueologia, com jovens arqueólogos a estudar uma civilização antiga que vivia o chamado comunitarismo barrosão…

 

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Vou manter esta aldeia debaixo de olho, talvez da próxima vez que lá for me aconteça o que me aconteceu em Covelo do Monte, quando tentei ir lá a primeira vez, quando a meio do caminho uma vedação e um portão vedavam a entrada, toda a aldeia foi comprada para um empreendimento turístico que nunca passou do papel, se é que algum papel existiu. E o turismo bem poderia contribuir para o futuro destas aldeias, mas para isso, teria de ter o seu povo, hábitos e costumes a habitá-las.

 

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Deixemos este já longo desabafo para trás e passemos à localização e itinerário para lá chegar. Já compreenderam que esta aldeia fica na serra do Barroso, lá bem no alto, mas ali, já, onde ela começa a descer para a Serra da Cabreira. Como temos andado pela Freguesia de Alturas do Barroso/Cerdedo, aliás a aldeia fica mais ou menos entre estas duas aldeias (Alturas e Cerdedo) e desde ambas se pode fazer o acesso a Casas da Serra, mas vou indicar-vos o itinerário que julgo mais interessante, com partida, como sempre da cidade de Chaves, passagem por Boticas e Carreira da Lebre, até aqui não nada que enganar. Logo a seguir à Carreira da Lebre, após passar o rio, vira-se em direção a Carvalhelhos, sem entrar na aldeia, pois imediatamente antes, vira-se à esquerda em direção a Atilhó e Alturas do Barroso. Nas Alturas do Barroso o melhor é perguntar a alguém (há sempre gente nas ruas de Alturas do Barroso) qual a saída para Casas da Serra ou Coimbró, digo isto porque em Alturas do Barroso, vindos de Atilhó, há mais duas saídas, uma para Montalegre e outra para Vilarinho Seco, não é por essas, é pela outra que fica a meio, mas vá por mim, pergunte a alguém na aldeia. Depois de estar na estrada certa, deixe-se ir até encontrar um cruzamento com umas construções (parece-me que de apoio ao parque eólico. Aí vire à esquerda e se passados 900 metros encontrar um pequeno santuário, vai pelo caminho certo, depois, logo a seguir, a menos de 3km, encontrará à direita o desvio para Casas da Serra. Mas ficam os nossos mapas com o itinerário, já é uma ajuda.

 

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Quanto às nossas pesquisas sobre a aldeia, bem vasculhamos os nosso documentos, na internet, em tudo quanto era sítio, mas nada ou quase nada, apenas duas referências à aldeia e uma delas já ultrapassada, duas referência na monografia de Boticas onde refere pertencer à freguesia de Cerdedo (que hoje é Alturas do Barroso/Cerdedo, e a outra que diz: “ Parque Eólico da Serra do Barroso (Casas da Serra – Cerdedo)”, e mais nada.

 

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Com todo o nosso palavreado de hoje, também não tínhamos mais espaço e nem sequer um tema do Barroso, como habitualmente acontece, vamos ter que terminar por aqui. Assim só nos resta deixar aqui o vídeo resumo com todas as fotos do post de hoje.

 

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No entanto não queria terminar sem recomendar uma visita a aldeia, o lugar é bonito e recomenda-se, quanto aos sentires, cada um é cada qual e lá sente à sua maneira, se for um misto de sentimentos, até contraditórios, também não é mau, às vezes são necessários para melhor discernimos as coisas.

 

 Agora sim, o vídeo:

 

 

 

[i] Covelo do Monte, uma aldeia vizinha, completamente despovoada.

 

 

 

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