O Barroso aqui tão perto - Currais
Mais um domingo, mais uma aldeia do Barroso, para já ainda no concelho de Montalegre por onde vamos andar mais uma temporada. Hoje calha a vez a Currais.
A aldeia de Currais pertence à freguesia de Reigoso, sendo uma das três aldeias da freguesia (Reigoso, Currais e Ladrugães), pelo que fica assim completa a abordagem à freguesia, uma vez que já trouxemos aqui as três aldeias. Bem, isto é meia verdade, pois pela certa que passarão outra vez pelo blog, pelo menos a aldeia de Currais, pois hoje fica muito por mostrar que merece ser visto.
LOCALIZAÇÃO e ITINERÁRIOS
Iniciemos pela localização de Currais bem como os itinerários possíveis para irmos até lá, onde recomendamos sempre um e deixamos uma ou duas alternativas, tendo sempre como ponto de partida a cidade de Chaves.
Currais é uma aldeia localizada nas proximidades da barragem da Venda Nova, que o mesmo é dizer que fica nas proximidades do Rio Rabagão que vai alimentando estas barragens ao longo do seu percurso. Localizada na margem direita do Rio, que aqui junto a Currais já é barragem, o seu casario fica apenas a 200 metros desta, já os terrenos de cultivo ou pastagens da aldeia, entram pela barragem adentro, ou melhor, são interrompidos pela barragem.
E se o Rio Rabagão/Barragem da Venda Nova lhe fica a 200 metros de distância, a EN103 fica a 800 metros, tendo ainda pelo meio a aldeia de São Fins. Aliás o traçado da EN103 vai-se desenvolvendo sempre na proximidade do Rio Rabagão, quase em paralelo e acompanhado mesmo as curvas naturais do Rio ou das suas barragens (Pisões, Venda Nova e Salamonde, embora nesta última o Rio Rabagão já corra no seio do Rio Cávado).
Vamos então ao nosso itinerário, como sempre traçado com partida da cidade de Chaves. Pois para Currais optámos mais uma vez por ir pela EN103 (Estrada da Braga), 62 km entre Chaves e Currais. Não há nada que enganar, é seguir sempre a EN103, passa-se a Barragem dos Pisões, logo a seguir passa-se ao lado de Vila da Ponte e depois, a coisa de 2 Km, à direita, aparece a estrada para Ladrugães, Reigoso e Currais. Pois embora esta seja uma opção que pode tomar, como o nosso destino é mesmo Currais, recomendámos outra opção mais direta, ou seja, não vá por aí e continue mais 2 km pela EN103 até ao próximo desvio à direita, para São Fins, atravessa esta aldeia e logo a seguir tem uma ponte sobre a barragem, que depois de atravessada já está em Currais.
A opção pelo itinerário que deixámos atrás foi tomada apenas por ser o mais rápido e de melhor estrada, mas é também o mais curto em distância, embora apenas em 1 km.
O itinerário alternativo, em termos de distância é de 63km, quase idêntico ao itinerário recomendado, mas demora mais tempo a percorrer e é maioritariamente feito em estradas secundárias, no entanto, pessoalmente, acho-o mais interessante. Trata-se do itinerário via estrada do S. Caetano, Soutelinho da Raia, Meixide, aqui no final da aldeia, na bifurcação da estrada devemos optar pelo lado esquerdo em direção a Pedrário e Sarraquinhos, aí nova viragem à esquerda em direção a Zebral, com passagem pelo Cortiço e logo a seguir é o Barracão, ou seja, entramos no itinerário por nós recomendado. A partir do Barracão até Currais o itinerário é comum ao recomendado.
Para concluir este capítulo do itinerário e localização, ficam as coordenadas da aldeia e a altitude da mesma, e como sempre, para não haver dúvidas, o nosso mapa:
41º 42´ 24.36” N
7º 56’ 15.86” O
Altitude: entre os 726 e 760 m
A NOSSA ABORDAGEM A CURRAIS
Para iniciarmos a nossa abordagem e para demonstrar que não somos tendenciosos, mesmo porque não temos qualquer ligação à aldeia, deixo-vos uma passagem do livro “Montalegre” (o sublinhado e realce é nosso):
“Há várias povoações com núcleos de construções tradicionais, bem conservados, muitíssimo belos e dignos de ajuda para a melhor preservação do património construído. Estão neste caso Fafião, Pincães, Salto (diversos lugares de freguesia) Currais, Vila da Ponte, Viade, Carvalhais, Cervos, Donões, Gralhas, Tourém, Pitões, Parada e Sirvoselo. Em todas elas há núcleos construídos dignos de integrar os roteiros de visita ao património que o Ecomuseu defende.”
Pois quanto a Currais estou plenamente de acordo, aliás a lista de aldeias que o autor deixa em livro é curta, eu acrescentar-lhe-ia mais meia dúzia de aldeias bem mais interessantes que algumas das mencionadas cuja fama lhe deu algum estatuto, mas que não resistiram em cair na tentação da modernidade em detrimento da conservação do seu núcleo tradicional. Mas hoje o que interessa é Currais.
Penso que não seria de todo injusto se dissesse que Currais é uma das aldeias mais bonitas e interessantes do Barroso. Talvez o fosse em relação a meia dúzia de aldeias que considero estarem no mesmo patamar de beleza e interesse, com diferenças ou singularidades que as enriquecem, mas, se um tolinho qualquer chegasse ao pé de mim e me pedisse para lhe recomendar 5 aldeias do Barroso para visitar, uma delas seria sem qualquer dúvida a aldeia de Currais.
Atenção que a recomendação anterior diz apenas respeito ao Barroso do Concelho de Montalegre, pois no Barroso de Boticas também há por lá umas pérolas escondidas, que a seu tempo também estarão aqui no blog. Ainda a título de informação, e isto só a respeito do Barroso de Montalegre, diga-se que aquilo que afirmei foi afirmado já com alguma propriedade, depois de ter percorrido as 135 aldeias do concelho de Montalegre, contudo, é uma recomendação tendo como base uma avaliação pessoal para a qual contam um conjunto de parâmetros, entre os quais o da fotografia, o fator humano, o núcleo tradicional da aldeia e paisagem envolvente e a integração da aldeia nesta mesma paisagem.
Contudo temos noção que seremos sempre injustos quando nos botamos a classificar seja lá aquilo que for, mesmo assim não hesito em nada em afirmar aqui que Currais é uma das aldeias mais bonitas e interessantes do Barroso, pois nos tais parâmetros da minha avaliação, tem nota destacada em todos eles.
Palavras, palavras e mais palavras, muitas das vezes traiçoeiras que quase nunca conseguem exprimir o nosso sentir e razão na totalidade, daí a fotografia para poder dar razão ou mostrar o nosso sentir, e até para nos mostrar pormenores que in loco nos escaparam, de tão embriagados que estávamos com o conjunto, a envolvência e a composição. Mas há coisas que nem as palavras nem as fotografias conseguem transmitir na totalidade, coisas simples e tão essenciais como os aromas e as melodias que tanta influência têm no nosso sentir, tal como o perfume da latada de glicínias que fica na foto anterior.
SERVIÇO PÚBLICO
O som do apito distante diz-nos quem lá vem. Ainda à moda antiga, e este “antiga” resume-se apenas à antiguidade da minha existência, os sons nas aldeias são de vital importância. O dos sinos das igrejas transmitem sinais, mensagens, apelos, dão-nos as horas e convocam o povo se tiver de ser. Os apitos dos automóveis, conforme a hora do dia, também têm o seu significado e também convoca os interessados a irem ao seu encontro ou esperarem pela sua aproximação. Quando entrámos em Currais um apito começou o seu aviso ao aproximar-se da aldeia. Seria o apito do pão, da fruta, do peixe, do correio!? Logo se veria, bastava esperar por ele para ver quem era, isso para nós que éramos estranhos aos usos e costumes da aldeia, para os de Currais, seria a hora do pão, a hora do peixe ou da fruta… eles lá sabiam.
No dobrar da esquina alguém de saco na mão esperava pelo aproximar do apito que se veio a revelar ser de “Os de Pitões”, ou seja, do padeiro, não por serem de Pitões mas por ser assim o nome da padaria que tanto quanto sabemos tem sede em Montalegre e que por várias vezes encontramos no seu serviço público às populações. Sim, disse serviço público e é esse o termo certo para o serviço que estes vendedores ambulantes prestam às populações, que vai muito para além do seu negócio. Pode até nem ser essa a intenção dos vendedores, mas acaba sempre por ser, às vezes até chegam a salvar vidas… uma estória que quando chegar ao concelho de Boticas vos contarei. Pois é serviço público sim senhor, mesmo não sendo eles agentes do estado e de até terem de pagar para o poder prestar...
OS CANASTROS
Há uns anos atrás a Associação de Fotografia à qual tenho a honra de pertencer – “Os Lumbudus”, organizou uma excursão para ir ver os canastros do Soajo e do Lindoso, e lá fomos todos apreciar aquilo que, sim senhor, deve ser apreciado. Pois, a sua escala, Currais também tem o seu parque de canastros, que, nem que fosse só por eles, Currais já merecia uma visita, não só pelo pequeno conjunto que tem concentrados com belas vistas lançadas sobre a albufeira, mas também um pouco pelos que estão espalhados um pouco por toda a aldeia.
CONTRASTES
O Largo do Cruzeiro e o Marco Miliário, Almas e Alminhas
A distância temporal entre o cruzeiro e o marco miliário é de quase XXI séculos, mas hoje convivem no mesmo largo, por sinal o Largo do Cruzeiro, numa corrente demonstração de que aquilo que tem mais importância histórica nem sempre é o mais importante para a população, principalmente para a nossa população do nosso povo, em que a religião e as coisas da igreja estão sempre acima de qualquer outro interesse ou até poder.
Pois o cruzeiro, segundo reza a inscrição, é de 2003 e está devidamente estacionado no estacionamento do seu largo (Largo do Cruzeiro). O marco miliário está no mesmo largo e encontra-se do lado oposto ao largo e estacionamento, este encostado à construção que delimita o largo. Este marco miliário tem cerca de 2000 anos e tudo indica que estaria colocado na Via Augusta XVII, uma das principais vias romanas, que ligava Bracara Augusta (hoje cidade de Braga) a Asturica Augusta (hoje Astorga) passando por Aquae Flaviae (hoje cidade de Chaves).
Via Augusta XVII que passava a Oeste de Currais, conforme consta no Portal do Arqueólogo da DGPC:
“Troço de caminho que correspondia à antiga via romana XVII, que ligava Braga a Chaves e continuava para Astorga. Fica localizado numa plataforma, sensivelmente a meia encosta. Para Oeste de Currais, actualmente liga a aldeia a campos agrícolas, passa pela Lama do Carvalhal, Borrageiro e desemboca na albufeira. Para Este conduz também a campos agrícolas e a Ladrugães. Para Oeste da aldeia conserva-se um excelente troço de calçada, cujo desgaste da passagem dos rodados é evidente. Para Este é um caminho de ligação a campos agrícolas, ladeado de muros, de construção atípica. Construída durante a dinastia Julio Claudiana, sobre um possível caminho mais antigo, de origem proto-histórica. Em meados do séc. I d. C. deveria ter sido usada para o escoamento de metais preciosos explorados em várias zonas de Trás-os-Montes, e levados para Roma.
Neste espaço foram encontrados dois miliários, um do imperador Tibério, outro anepígrafo, situado na aldeia de Currais."
Os marcos miliários (do latim: miliarium, a partir de milia passuum, "mil passos") eram os marcos colocados ao longo das estradas do Império Romano, em intervalos de cerca de 1480 metros. Estas colunas de base rectangular eram de altura variável, com as maiores a atingir cerca de 20 polegadas de diâmetro, pesando cerca de 2 toneladas. Na base estava inscrito o número da milha relativo à estrada em questão. Num painel ao nível do olhar constava a distância até ao Fórum Romano, bem como outras informações, como os responsáveis pela construção e manutenção da estrada.
E o que dizem os livros sobre Currais? Vejamos o que diz o livro “Montalegre” – (Os sublinhados e realces são nossos).
"Com efeito daqui saíam enormes carroções de cereais (cevada, painço e centeio) e de minérios (sobretudo, estanho e oiro) que ajudaram os homens do Lácio a fazer de Roma o que ela é e a manter o império ao longo de meio milénio. Memórias dessas eras são o Pindo, o Vinhouro, as Calçadas de Currais e de Espindo, as reformadas pontes de Campos, de Peireses e do Cortiço, os achados de inúmeras moedas – algumas colecções catalogadas e outras na posse de diversos particulares e ainda umas dezenas de marcos miliários que se encontram em diferentes locais da região e nos museus de Chaves e de Braga. Um desses marcos, dito Pedra do Caixão por ter sido reutilizado como sepultura, é dos mais antigos da Península e data do tempo do Imperador Augusto, alguns anos ainda antes de Jesus Cristo. Daí que a nossa via se tenha chamado Prima ou primeira."
E ainda os marcos miliários no livro “Montalegre”:
“ “Sinais dos tempos” Vários outros monumentos da romanização se descobriram e permanecem cá testemunhando a sua origem e finalidade: marcos miliários em (Padrões, Currais, Travaços e Arcos) aras romanas em (Vilar de Perdizes, Pitões e São Vicente da Chã) estelas funerárias (Vila da Ponte/ Friães), o célebre Penedo de Rameseiros (Vilar de Perdizes) e outros.”
E mais esta referência:
“Com a freguesia de Reigoso sucedeu o mesmo que sucedeu a Contim: antes de independente esteve anexa à de São Pedro de Covelo. Ao ganhar carta de alforria levou consigo Currais e Ladrugães. Mas Currais (exemplo único no Barroso) nasceu de quatro casais de Dona Maior Gomes e que D. Afonso II honrou. Com o decorrer dos tempos esses “lavradores” organizaram-se em catorze casais, sob a forma de beetria, isto é, os habitantes escolhiam o senhor que mais garantias lhe desse: “um de seu linhagem qual quiserem!” Democracia quando ainda se não pensava nela! Talvez por isso o melhor troço de via romana existente no concelho foi tão bem preservado, em Currais.”.
Na Etnografia Transmontana I de Lourenço Fontes encontrámos a seguinte referência a respeito das alcunhas das aldeias:
Fidalgos de Vila da Ponte
Conhadeiros de Bustelo
Mastigas de Currais
Manta moura de Reigoso
Ladrugães —esfola gatos mata cães
(informa P. Feliz José Alves)
Vamos agora ao que consta na “Toponímia de Barroso”
Currais (A Beetria De Barroso)
"Este privilégio foi-se diluindo ao longo dos tempos, ou antes, a força popular que o conquistara esmoreceu. A verdadeira riqueza deste facto é que uma pequeníssima povoação barrosã gozou de tal privilégio: podiam escolher pessoa fidalga que os defende em qualquer circunstância de aperto, mesmo perante o rei!
O topónimo vem de cursum — currum, supino de currere e que dá curro e, daí o curral, ambos sinónimos.
A beetria era um contrato em que uma parte promete um tributo (a encensoria) a troco de uma benfeitoria (geralmente prevenir os abusos e as violências). Os tributários exigiam a liberdade de escolha dos protectores com o beneplácito do rei, garantias do direito de escolha e do dever da confirmação real!
Os de Currais, escolhiam de livre vontade o fidalgo que os protegia, com a anuência do monarca”
E como a prosa já vai longa, ficamos por aqui, mas pela certa que Currais terá aqui lugar mais vezes. Mas antes ainda deixamos como sempre as referências às nossas consultas. Quanto aos links para as anteriores abordagens às aldeias e temas de Barroso, estão na barra lateral deste blog. Se a sua aldeia ou a aldeia que procura não está na listagem, é porque ainda não passou por aqui, mas em breve passará.
BIBLIOGRAFIA
BAPTISTA, José Dias, (2006), Montalegre. Montalegre: Município de Montalegre.
BAPTISTA, José Dias, (2014), Toponímia de Barroso. Montalegre: Ecomuseu – Associação de Barroso.
FONTES, Lourenço, Etnografia Transmontana I – Crenças e Tradições de Barroso, edição do autor, Montalegre, 1974.
WEBGRAFIA
http://arqueologia.patrimoniocultural.pt/?sid=sitios.resultados&subsid=2964010
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