O Barroso aqui tão perto - Festas do S.Sebastião
Como já vem sendo habitual nos últimos anos, o 20 de janeiro é dedicado às festas do S.Sebastião no Barroso, daí hoje incluirmos esta reportagem na habitual rubrica dos domingos de “O Barroso aqui tão perto…”, que até aqui tem sido dedicado ao Barroso do Concelho de Montalegre , mas hoje, excecionalmente, vamos até ao Barroso de Boticas com os festejos do S.Sebastião, antecipando um pouco a nossa entrada nas aldeias de Boticas. Assim, hoje, apresentamos também aquele que irá ser o cabeçalho de “O Barroso aqui tão perto…” com uma imagem do concelho de Boticas, para a abordagem que futuramente faremos a todas as suas aldeias.
Então hoje vamos até aos festejos do S.Sebastião da Vila Grande da freguesia de Dornelas e o S.Sebastião das Alturas do Barroso, mas também com uma abordagem à aldeia da Gestosa e Vilarinho Seco, como também um pouco da história do S.Sebastião (Santo) e da mesinha do S.Sebastião (lenda), por partes.
1 - S. SEBASTIÃO
São Sebastião nasceu em Narvonne, França, no final do século III, e desde muito cedo que os seus pais se mudaram para Milão, onde ele cresceu e foi educado. Seguindo o exemplo materno, desde criança São Sebastião sempre se mostrou forte e piedoso na fé.
Atingindo a idade adulta, alistou-se como militar, nas legiões do Imperador Diocleciano, que até então ignorava o facto de Sebastião ser um cristão de coração.
A figura imponente, a prudência e a bravura do jovem militar, tanto agradaram ao Imperador, que este o nomeou comandante de sua guarda pessoal.
Nessa destacada posição, Sebastião tornou-se no grande benfeitor dos cristãos encarcerados em Roma naquele tempo.
Visitava com frequência as pobres vítimas do ódio pagão, e, com palavras de dádiva, consolava e animava os candidatos ao martírio aqui na terra, que receberiam a coroa de glória no céu.
Enquanto o imperador empreendia a expulsão de todos os cristãos do seu exército, Sebastião foi denunciado por um soldado.
Diocleciano sentiu-se traído, e ficou perplexo ao ouvir do próprio Sebastião que era cristão. Tentou, em vão, fazer com que ele renunciasse ao cristianismo, mas Sebastião com firmeza defendeu-se, apresentando os motivos que o animava a seguir a fé cristã, e a socorrer os aflitos e perseguidos.
O Imperador, enraivecido ante os sólidos argumentos daquele cristão autêntico e decidido, deu ordem aos seus soldados para que o matassem a flechadas.
Tal ordem foi imediatamente cumprida: num descampado, os soldados despiram-no, amarraram-no a um tronco de árvore e atiraram contra ele uma chuva de flechas. Depois abandonaram-no para que sangrasse até a morte.
À noite, Irene, mulher do mártir Castulo, foi com algumas amigas ao lugar da execução, para tirar o corpo de Sebastião e dar-lhe sepultura. Com assombro, comprovaram que o mesmo ainda estava vivo. Desamarraram-no, e Irene escondeu-o na sua casa, cuidando das suas feridas.
Passado um tempo, já restabelecido, São Sebastião quis continuar o seu processo de evangelização e, em vez de se esconder, com valentia apresentou-se de novo ao imperador, censurando-o pelas injustiças cometidas contra os cristãos, acusados de inimigos do Estado.
Diocleciano ignorou os pedidos de Sebastião para que deixasse de perseguir os cristãos, e ordenou que fosse espancado até a morte, com pauladas e golpes de bolas de chumbo. E, para impedir que o corpo fosse venerado pelos cristãos, jogaram-no no esgoto público de Roma.
Uma piedosa mulher, Santa Luciana, sepultou-o nas catacumbas. Assim aconteceu no ano de 287. Mais tarde, no ano de 680, as suas relíquias foram solenemente transportados para uma basílica construída pelo Imperador Constantino, onde se encontram até hoje.
Naquela ocasião, uma terrível peste assolava Roma, vitimando muitas pessoas.
Entretanto, tal epidemia simplesmente desapareceu a partir do momento da transladação dos restos mortais desse mártir, que passou a ser venerado como o padroeiro contra a peste, fome e guerra.
As cidades de Milão, em 1575 e Lisboa, em 1599, acometidas por pestes epidêmicas, viram-se livres desses males, após atos públicos suplicando a intercessão deste grande santo.
2 - A LENDA DA MESINHA DE S.SEBASTIÃO
Reza a lenda, que há muitos, muitos anos, houve nesta região um ano de muita fome e peste, que também atingiu os habitantes do “COUTO”.
Foram tantos os mortos, que os mais crentes apelaram a S. Sebastião para que os protegesse de tal flagelo:
“Se a doença se afastasse, se os doentes melhorassem e os animais escapassem, prometiam realizar anualmente, a 20 de Janeiro, uma festa onde não faltasse carne e pão para quantos a ela comparecessem.”
Como o Santo não faltou, cumpriu-se o prometido e assim se fez ao longo dos tempos, mas, com o passar dos anos, o povo foi ficando esquecido, desleixado e possivelmente mal agradecido. Um ano, não se sabe por que motivo, a festa não se realizou. O povo ficou assim, sem a proteção do santo, advogado da fome, da peste e da guerra registando-se graves problemas nesta localidade.
Conta ainda a lenda, que em 1809 (ano em que Napoleão, imperador de França, mandou invadir pela segunda vez Portugal) as tropas entraram por Chaves, a caminho do Porto, passando pelas terras do “Couto”. A má fama dos invasores já tinha chegado às nossas gentes, que atemorizadas pela eminente invasão e suas consequências (pilhagens, mortes, violações, etc.) saíram às ruas com a imagem de S. Sebastião e acolhendo-se à sua proteção, renovaram a promessa: «… Se os invasores não entrarem no Couto faremos todos os anos, dia 20 de Janeiro, uma festa em tua honra, onde não faltará comida a toda a gente que a ela vier…»
Diz a lenda que caiu tal nevão à volta do Couto, que obrigou os invasores a desviarem-se do seu caminho deixando em paz estas “gentes”.
3 - Mesinha de S.Sebastião na Vila Grande
As fotos que têm ficado até aqui são da mesinha de S.Sebastião da Vila Grande, da freguesia de Dronelas. A introdução com a história do Santo e da Lenda apenas se deve a que muitos populares, incluindo da Vila Grande, associam o início destes festejos às segundas invasões francesas. Ora na deslocação deste ano um natural da aldeia puxava o assunto à baila, onde afirmava que teve acesso a documentos em que provavam que os festejos da Vila Grande já se realizavam muito antes das Invasões Francesas. Dada a história do santo, a sua data de nascimento e ao ser venerado como padroeiro contra a peste, a fome e a guerra, entre outros, é natural que os festejos já venham de há longa data, como também é natural que lhe dessem mais significado e importância a partir das segundas invasões francesas.
Quanto à mesinha de S.Sebastião da Vila Grande já nos anos anteriores deixei por aqui o seu funcionamento, mas eu volto a repetir num breve apontamento.
Ao longo da rua principal da aldeia é colocada uma mesa com mais de 500 metros de comprimento, que é coberta com uma toalha de linho onde são colocados um pão, uma caçarola de arroz e um naco de carne de porco, distanciados de aproximadamente um metro. Antes da distribuição há uma missa, depois a bênção do pão e só depois começa a distribuição da comida, antecedida pelo pedido de “esmola” ou ajuda para as despesas (cada um dá o que quer) e o beijar do S.Sebastião.
No entanto o preparar da festa pelas gentes da aldeia começa muito antes. O Pão começa a ser cozido no forno com 4 dias de antecedência, cozendo ininterruptamente durante esses 4 dias fornadas de 35 a 40 pães de cada vez até atingirem os 1200 pães necessários para a festa, dos quais 400 pães são para colocar na mesinha de S.Sebastião e os restantes para vender aos visitantes, pão esse que é composto por uma mistura de milho, centeio e trigo. . Quanto ao arroz, 110 Kg, e à carne, mais de 400 postas, são cozinhados durante toda a noite para começarem a ser distribuídos a partir do meio-dia. A cozedura do pão é feito por turnos de 7 a 8 pessoas durante os 4 dias.
Claro que na noite que antecede a mesinha de S.Sebastião, grande parte da população da Vila Grande envolve-se com os trabalhos da festa para logo de madrugada começar a receber os primeiros peregrinos.
Peregrinos que vêm de todo o lado, principalmente do Norte de Portugal, com maior participação da gente do Barroso e do Minho, individualmente, em grupos de amigos ou mesmo em excursões que aos poucos vão enchendo toda a rua ao longo da Mesinha de S.Sebastião, ao longo da qual vão reservando lugar e petiscando nas merendas que vão trazendo.
Também o pessoal da imprensa nacional e estrangeira (jornais e televisões) não são alheios à festa, mas também um elevado número de fotógrafos amadores individuais ou de associações, como é o caso do nosso grupo de Associados Lumbudus que marcámos sempre presença ou elementos da Associação Portografia do Porto, este ano com pelo menos 5 associados.
Quanto aos preparativos da festa, tal como dissemos, começa pelo menos com 4 dias de antecedência com o cozer do pão. Quanto à Mesinha do S.Sebastião, comido o pão, o arroz e as postas de carne, o pessoal destroça e quase como num milagre, desaparece num instante, tanto que por volta das 2 da tarde a mesa está completamente vazia, mas claro que há uma razão para tal, é que o S.Sebastião não se comemora só na Vila Grande, pois na aldeia vizinha das Alturas do Barroso também há festa e em Salto, um pouco mais à frente, idem aspas. Mas estas com características diferentes. Claro que nós também não somos exceção e acabada a festa na Vila Grande também rumámos os nossos destinos até as alturas do Barroso, mas por etapas.
4 – Gestosa
A caminho das Alturas do Barroso passa-se ao lado da Gestosa. Todos os anos parámos lá num alto onde a aldeia se vê juntinha ao lado de um verdejante vale. Todos os anos ficamos com o apetite de a visitar, mas este ano não resistimos e fizemos o desvio para uma visita breve mas também para ir adiantando trabalho de levantamento fotográfico da aldeia como memória futura para um devido post dedicado à aldeia.
Para já fica a informação de que gostámos daquilo que vimos, pois se lá de cima é interessante, o seu interesse aumenta quando lhe entramos na intimidade, mas descrições ficam para o tal post futuro. Mas gostámos tanto que lhe dedicamos a nossa imagem de arte digital
5 - Vilarinho Seco
Vilarinho Seco é de paragem obrigatória para repor forças, nem que seja só com um café que é sempre bem acompanhado, quer pelos amigos do costume quer pelos improvisados concertos de cantares acompanhados pelas concertinas dos vários grupos minhotos que invadem estas festas.
Mas claro que não resistimos a tomar mais umas fotos daquelas que é uma das aldeias mais interessantes de todo o Barroso, também para memória futura de um post que surgirá quando passarmos definitivamente para o Barroso do Concelho de Boticas. Mas desta vez, além das imagens registámos também em vídeo a improvisada atuação de um duo que tanto quanto entendi era a primeira vez que tocavam juntos.
Claro que a paragem por Vilarinho Seco é sempre breve pois o destino é mesmo Alturas do Barroso par terminar o dia, que ainda só vai a meio.
6 – Alturas do Barroso
Aqui os festejos em honra do S.Sebastião são outros. Em conversa com uma natural das alturas, perguntava-me de qual das festas gostava mais, se a da Vila Grande ou das Alturas. A resposta foi a politicamente correta – Gosto das duas. Mas além de politicamente correta também foi sincera, pois ambas as festas são interessantes, apenas são diferentes, mas há sempre coisas que gostámos mais numa festa do que na outra, mas já lá vamos.
Desde criança que oiço falar das Alturas do Barroso e dos Cornos do Barroso, curiosamente só há anos soube que a aldeia das Alturas está juntinha aos Cornos do Barroso e daí, suponho, a proveniência do topónimo, pois de facto, a aldeia implantada a quase 1200 metros de altitude é a mais alta que se localiza na Serra do Barroso.
Mas como se não bastasse ouvir falar da aldeia desde miúdo, quando comecei a ler a obra de Miguel Torga tropeço com dois momentos registados por torga nessa aldeia, o primeiro data de 1956 que passo a transcrever:
Alturas do Barroso, 27 de Junho de 1956
Entro nestas aldeias sagradas a tremer de vergonha. Não por mim, que venho cheio de boas intenções, mas por uma civilização de má-fé que nem ao menos lhe dá a simples proteção de as respeitar.
Miguel Torga in “Diário XI”
O segundo momento de Torga, mais recente, data de 1991:
Alturas do Barroso, 1 de Setembro de 1991
Incansavelmente atento às lições do povo, venho, sempre que posso, a este tecto do mundo português, admirar no adro da Igreja, calcetado de lousas tumulares, o harmonioso convívio da vida com a morte. Os cemitérios actuais são armazéns de cadáveres desterrados da nossa familiaridade, lacrimosamente repetidos do seio do clã mal arrefecem, cada dia menos necessários, no progressivo esquecimento, à salutar percepção do que significam na dobadoira do tempo. Ora, aqui, cada paroquiano pisa, pelo menos dominicalmente, a sepultura dos ancestrais, e se liga a eles, quase organicamente. Vive, numa palavra, referenciado. Sabe que tem presente porque houve passado, e que, mais cedo ou mais tarde, enterrado ali também, será para os descendentes consciência e justificação do futuro.
Miguel Torga, in Diário XVI
E faço minhas as palavras de Torga, principalmente estas: - “Entro nestas aldeias sagradas a tremer de vergonha”, sim, é verdade e tal como Torga – “Não por mim, que venho cheio de boas intenções,” mas por medo a que as pessoas pensem que as minha intenções não são boas, mas ainda – “Incansavelmente atento às lições do povo, venho, sempre que posso” o que também é verdade, pelo menos desde que descobri esta aldeia, é sempre com gosto que regresso a ela, nem que seja e só por altura do S.Sebastião, mas passo por lá mais vezes.
Pois além da curiosidade que tinha desde miúdo, Torga aguçou-me o interesse em conhecer também esta aldeia e também como ele apreciei a aldeia, o seu povo, o casario e a festa do S.Sebastião.
Pois quanto à festa só lhe conheço o lado profano, aquele do comer e beber, pois nunca tive a honra de assistir à parte religiosa, que suponho que obrigatoriamente existira. Tudo porque os da Vila Grande, como já atrás referi, só têm festa da parte da manhã e assim vamos deixando as Alturas para a parte da tarde, mas fica a promessa que numa das próximas vezes invertemos a ordem.
Pois quanto à parte que assistimos, é em quase tudo diferente da festa da Vila Grande. Começando que a das Alturas é feita debaixo de teto e a ementa é servida em prato. Uma feijoada da boa, um copo de vinho e um pão. Segundo consta, pois nunca estivemos até ao fecho, a festa prolonga-se pela noite adentro, enquanto houver peregrinos com vontade de comer.
Mas claro que a parte do comer é só um breve momento, pois a festa esta lá dentro mas também à porta ou nas ruas da aldeia. Os improvisados concertos de cantares ao som da concertina são uma constante onde menos se espera ou melhor, em todos os lugares.
Uma visita, passeio, pelas ruas da aldeia também é obrigatório e se houver um pouco de conversa com as suas gentes, tanto melhor, e desta vez até fomos felizes nesta parte, pois além de fotos consentidas ainda tivemos direito a uma demonstração de como se lança o peão e uma história das antigas, também com direito a imagens, mas também estas ficam para um post futuro dedicado à aldeia, com o S.Sebastião de parte, embora a referência seja obrigatória.
E quase a terminar há que referir a simpatia das pessoas das Alturas, não só as que estão envolvidas no trabalho de dar de comer e beber a tanta gente mas também da aldeia em geral.
E não só, pois a aldeia também surpreende pela gente jovem, coisa que já vai sendo raro nas aldeias barrosãs e em geral do interior transmontano. Pelo menos do dia de S.Sebastião assim é.
E por fim, ficam as fotos prometidas e consentidas, ah! e já ia esquecendo, este ano o S.Sebastião aconteceu em plena vaga de frio polar, talvez por isso não havia neve como em alguns dos anos anteriores e o sol apareceu com a sua alegria do costume…
E quanto às festas do S.Sebastião, até pró ano!