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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

15
Abr18

O Barroso aqui tão perto - Lamas


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Vamos lá então mais uma vez até ao Barroso aqui tão perto, hoje até à aldeia de Lamas que pertencia à freguesia de Fervidelas, mas que hoje pertence a União de Freguesias de Viade de Baixo e Fervidelas.

 

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Iniciemos pela sua localização e itinerário para lá chegarmos, sempre com partida da cidade de Chaves.  Quanto ao itinerário temos sempre várias opções, dependendo a nossa escolha de vários fatores, como a distância mais favorável, a melhor estrada, o tempo disponível, o percurso mais interessante ou outros locais a visitar. Mas como nestas abordagens apenas nos interessa a aldeia convidada, vamos dar prioridade à melhor estrada e distância.

 

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Pois então vamos mais uma vez pela estrada de Braga, a EN103, 57 quilómetros. Não há nada que enganar, é seguir pela EN103 até à barragem dos Pisões, continuar ao lado da barragem até aparecer o desvio à direita para Fervidelas, mas primeiro tem de se passar por Penedones, Parafita, ao lado de Viade de Baixo e pelo desvio para Brandim e Contim, tudo isto ao lado da barragem. Depois de tomar o desvio para Fervidelas, passa-se ao lado desta aldeia e continua-se para Bustelo, imediatamente ante de ser entrar nesta aldeia temos o desvio para Lamas. Atenção que desde a saída da EN103 até Lamas são só 5 quilómetros. Fica o nosso mapa com o itinerário.

 

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Em alternativa a este itinerário temos o da estrada de S. Caetano, Soutelinho da Raia, Meixide, Sarraquinhos, Zebral e mais à frente, no Barracão apanha-se a EN103 e continua-se pelo itinerário por nós recomendado. Por aqui são mais 200 metros, mas demora-se mais tempo, pois são sempre estradas secundárias. Há ainda uma terceira alternativa, também com partida pela EN103 até Sapiãos, aí desvia-se para Boticas, Carvalhelhos, Atilhó, Alturas do Barroso, sobe-se até aos Cornos do Barroso, desce-se até à barragem dos Pisões, atravessa-se o paredão e estamos de novo na EN103, apanha-se a direção de Chaves e logo a seguir é o desvio para Fervidelas. Por aqui são 55 quilómetros, menos 2 que pelo nosso itinerário, mas com estradas mais complicadas, no entanto com paisagens interessantes. Fica à vossa escolha, pois todos os caminhos vão dar a Lamas.

 

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Quanto à localização, podemos dizer que fica entre o Rio Cávado e o Rio Rabagão, mas como ambos os rios são o alimento de barragens, Lamas fica entre a barragem de Paradela (a 3 km em linha reta) e a barragem dos Pisões (a 3.9km em linha reta). Podemos dizer também que se localiza entre as Serra do Gerês e a Serra do Barroso, pois logo a seguir às duas barragens encontra-se estas duas serras.

 

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Como já deu para perceber estamos em terras altas do Barroso, já numa cota acima dos 1000 metros de altitude, mais precisamente entre os 1020 e os 1060 metros. Ficam as coordenadas de Lamas para sermos mais exatos:

41º 42’ 08.44” N

07º 55’ 00.62” O

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Mas entremos na intimidade de Lamas. Fomos por lá nos finais do mês de julho de 2016, recordo ser um daqueles dias quentes, já a caminho do meio-dia e também da hora de almoço. Era a última aldeia programada para o período da manhã, para trás já tínhamos deixado a aldeia de Fervidelas e Bustelo. Tudo corria como previsto, nas duas aldeias anteriores fotografámos o que tínhamos a fotografar, demos dois dedos de conversa com as pessoas que encontrámos e propúnhamo-nos fazer o mesmo em Lamas, mas nesta aldeia tudo foi diferente…

 

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Nestas andanças do blog a caminho dos 14 anos, já percorri todas as 150 aldeias do concelho de Chaves e as 136 localidades do concelho de Montalegre. Sou transmontano flaviense de nascença, mas com toda a família materna natural de Montalegre e a paterna de Vila Pouca de Aguiar. Profissionalmente há mais de trinta anos que vou lidando também com o nosso mundo rural. Tudo isto para vos dizer que conheço muito bem todas as nossas aldeias e a gente deste “Reino Maravilhoso” que Torga descrevia assim:

 

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“Vou falar-lhes dum Reino Maravilhoso. Embora muitas pessoas digam que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade e o coração, depois, não hesite. Ora, o que pretendo mostrar, meu e de todos os que queiram merecê-lo, não só existe como é dos mais belos que se possam imaginar. Começa logo porque fica no cimo de Portugal, como os ninhos ficam no cimo das árvores para que a distância os torne mais impossíveis e apetecidos. E quem namora ninhos cá de baixo, se realmente é rapaz e não tem medo das alturas, depois de trepar e atingir a crista do sonho, contempla a própria bem-aventurança. (…)”

 

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E quando Torga chega às pessoas desse reino maravilhoso, descreve-o assim:

“ (…) Homens de uma só peça, inteiriços, altos e espadaúdos, que olham de frente e têm no rosto as mesmas rugas do chão. Castiços nos usos e costumes, cobrem-se com varinos, croças, capuchas e mais roupas de serrobeco ou de colmo, e nas grandes ocasiões ostentam uma capa de honras, que nenhum rei! Usam todos bigode e alguns suíças. E põem naqueles pêlos da cara uma dignidade tal, um sentido tão profundo da pessoa humana, que é de a gente se maravilhar. Às vezes agridem-se uns aos outros com tamanha violência que parecem feras. Mas olhados de perto esses nefandos crimes, vê- se que os motiva apenas uma exacerbação de puras e cristalinas virtudes, que só não são teologais porque Deus não quer. Fiéis à palavra dada, amigos do seu amigo, valentes e leais, é movidos por altos sentimentos que matam ou morrem. Ufanos da alma que herdaram, querem-na sempre lavada, nem que seja com sangue. A lendária franqueza que vem nos livros é deles, realmente. Mas radica na mesma força interior que, levada à cegueira da exaltação, pode chegar ao assassínio. Bata-se a uma porta, rica ou pobre, e sempre a mesma voz confiada nos responde:

— Entre quem é!

Sem ninguém perguntar mais nada, sem ninguém vir à janela espreitar, escancara-se a intimidade duma família inteira. O que é preciso agora é merecer a magnificência da dádiva.

Nos códigos e no catecismo o pecado de orgulho é dos piores. Talvez que os códigos e o catecismo tenham razão. Resta saber se haverá coisa mais bela nesta vida do que o puro dom de se olhar um estranho como se ele fosse um irmão bem-vindo, embora o preço da desilusão seja às vezes uma facada.(…)”

 

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Era por conhecer tão bem este povo do “Reino Maravilhoso” que Torga dizia:

 

“Entro nestas aldeias sagradas a tremer de vergonha. Não por mim, que venho cheio de boas intenções, mas por uma civilização de má-fé que nem ao menos lhe dá a simples proteção de as respeitar.”

 

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E por eu conhecer tão bem este nosso povo, também entro na sua intimidade sagrada a tremer de vergonha e com todo o respeito e diga-se a verdade, em geral têm-nos recebido bem. Claro que dizemos sempre quem somos, de onde somos e ao que vamos, quase sempre o suficiente para as pessoas nos dizerem “entre quem é” e nos mostrarem o que aldeia tem de melhor, conversar um bocadinho e às vezes até descobrimos que não somos assim tão desconhecidos. Mas também já houve duas ou três vezes em que a empatia não se verificou, justificada nalguns casos, pois entrámos na aldeia após burlas recentes com desconhecidos ou em período quente de eleições, confundindo-nos com jornalistas sensacionalistas à procura de “sangue” ou achas para a fogueira. Em Lamas qualquer coisa do género se deveria ter passado por lá, pois tivemos a sensação que as máquinas fotográficas incomodavam, aliás chegámos a ser avisados para não tirar fotografias. Mas tudo bem, como gente de bem acatámos as recomendações, tanto mais que quando os avisos surgiram já nós tínhamos feito a maioria dos registos, mais que suficientes para a feitura deste post, e depois temos a promessa de trazer aqui todas as aldeias de Barroso, que sem Lamas não cumpriríamos a nossa missão.

 

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E seria imperdoável deixar Lamas de fora, pois gostámos do que vimos e até vimos por lá preciosidades que já julgávamos completamente extintas no Barroso, refiro-me às coberturas de colmo, genuínas, autênticas resistentes.

 

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Também gostámos daquilo que envolve a aldeia, principalmente pelos matizes dos verdes das pastagens a contrastar com os verdes menos vivos das manchas de floresta autóctone dos carvalhos a conviver a par com os castanheiros. É sempre bom vermos aquilo que é nosso a crescer majestosamente nas nossas florestas.

 

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Quanto ao casario, também nos agradou, com o granito à vista na sua forma mais tradicional de ser aplicado nas nossas construções rurais, numa aldeia de casario concentrado e disposto à volta da capela localizada no largo do centro da aldeia, que ainda mantém a sua integridade sem grandes atentados pelo meio.

 

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Quanto ao topónimo “Lamas”, na toponímia lusitana José Cunha-Oliveira refere que o topónimo está

“presentíssimo na toponímia galego-portuguesa, lama é um vocábulo pré-romano, provavelmente pré-céltico, cujo significado é "pradaria em terreno húmido", "lameiro". o topónimo "Lama" e derivados surge em terrenos onde a pluviosidade abundante favorece a manutenção da humidade do terreno. Nas Astúrias e em León surge sob a forma palatalizada Llamas, o que cria um curioso triplo sentido entre "Lamas", "chamas" (do verbo chamar) e "chamas" (labaredas de fogo).
É um topónimo frequente em Itália, onde tem a mesma etimologia e o mesmo significado. e também aparece na Córsega (Co). Na Baviera, Alemanha (De), há uma Lam. esta distribuição geográfica parece querer apontar para uma origem lígure do topónimo. há quem ligue o topónimo às construções megalíticas (ver Comentº de Manuel Anastácio). e, mais curioso ainda, também se costuma associar o povo lígure ao megalitismo.”

 

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Mas vamos ver o que diz a Toponímia de Barroso:

Lamas

“A partir da raíz pré-romana  LAM de significação ligada a lodo e água. É sinónimo (em Barroso) de lameiro, portanto, associamo-lo à ideia de propriedade: as lamas do boi do povo, por exemplo. Com o topónimo já formado e escorreito existe documento de:

- 1099 D.C. 540 «hereditate mea própria que abeo in villa lamas subtus mons fuste». É uma refrência sobre terra minhota.

- 960,t.c.i, pp. 239: “facio ego Ygo de lama nostra própria” doação de São Rosendo”

 

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Na Toponímia Alegre temos:

 

A rua de Fervidelas

É calcetada ai invés;

Quando os mancos já namoram

Que fará quem tem dois pés!

 

De Lamas nem bom vento

Nem bom casamento;

Mas quando Deus queria

Até do norte chovia!

 

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O Padre Lourenço Fontes, na sua obra “Etnografia Transmontana – I”, também fez recolha de algumas alcunhas ou nomeadas com que umas aldeias apodavam outras suas vizinhas. Ao respeito Lourenço Fontes diz o seguinte:

“ O nosso povo sabe caracterizar muito bem os seus vizinhos. Um defeito comum, um erro conhecido, um hábito generalizado, um facto histórico ou lendário é capaz de ser motivo suficiente para apodar todos os do mesmo povo, com o mesmo nome.

Seria valioso e importante descrever e raciocinar sobre as alcunhas de cada terra. Ajudavam-nos a conhecer o feitio, o valor, os podres e as qualidades de cada aldeia de Barroso. O povo sabe muito bem a razão de tais nomeadas, pois foi ele, com veia de poeta, que baptizou assim os seus vizinhos. Muitas aldeias já esqueceram a sua alcunha e se aqui se registam, não é para espezinhar alguém, mas apenas para dar um subsídio para a história de Barroso, suas terras e gentes.”

 

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E continua Lourenço Fontes:

"Algumas aldeias têm mais que um nome, ou alcunha. Conforme o gosto de quem os nomeia e a tradição de cada um. Os de uma terra são capazes de chamar aos de Solveira escorna cruzes e outros já lhes chamam tarouqueiros. O da Vila da Ponte gostam de se chamar fidalguinhos mas os vizinhos já lhes chamam Chavelheiros. Não está esgotado este capítulo. Muitos mais nomes se poderiam recolher do povo, fiel depositário destas velhas tradições. Servem estas de amostra. Estas nomeadas , ou lengalenga como outros lhe chamam, usam-se quando se quer espezinhar uma pessoa. Então aplica-se-lhe o nome que lhe compete. Raramente se leva a mal.”

 

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Pois Lamas também tem mais que uma alcunha. Uma já a deixámos atrás na Toponímia Alegre, a outra segue agora e está na “Etnografia Transmontana”, e para os das aldeias vizinhas não se ficarem a rir, levam também com a alcunha deles:

 

Leirões de Lamas,

Largarteiros de Fervidelas,

Chavelheiros de Brandim,

Boloteiros de Friães,

Alamões do Telhado,

Machos de Pisão,

Esfola cabres de Viade,

Arrebita o gacho  de Viade de Cima,

Corta Matos do Antigo,

Ladrões de Parafita.

                                    (Informa João Afonso do Antigo)

 

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E na ausência de mais documentação para referir, ficamos por aqui, mas antes ainda deixamos, como sempre, as referências às nossas consultas. Quanto aos links para as anteriores abordagens às aldeias e temas de Barroso, estão na barra lateral deste blog. Se a sua aldeia ou a aldeia que procura não está na listagem, é porque ainda não passou por aqui, mas em breve passará.

 

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BIBLIOGRAFIA


BAPTISTA, José Dias, Toponímia de Barroso. Montalegre: Ecomuseu – Associação de Barroso, 2014

FONTES, Lourenço, Etnografia Transmontana I – Crenças e Tradições de Barroso. Edição do autor, Montalegre, 1974.

TORGA, Miguel, Miguel Torga – Obra Completa - Ensaios e Discursos. Rio de Mouro: Circulo de Leitores, 2002.

TORGA, Miguel, Miguel Torga – Obra Completa – Diário (Volumes V a VIII). Rio de Mouro: Circulo de Leitores, 2001.

 

 

WEBGRAFIA

 

http://toponimialusitana.blogspot.pt

 

 

 

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