O Barroso aqui tão perto - Outeiro
O prometido é devido e cá estamos nós, após o empate/passagem de Portugal no campeonato do mundo de futebol, com mais uma aldeia do Barroso de Montalegre, que dá pelo nome de Outeiro.
Outeiro à beirinha da Barragem de Paradela, à beirinha do gigante penedo da Serra do Gerês, em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês e num Barroso que nem é alto nem é baixo Barroso, antes, isso sim, um Barroso diferente marcado pelas suas singularidades.
E já que iniciámos com o estar à beirinha de, também eu passei algumas vezes à beirinha de Outeiro, sem nunca ter entrado na intimidade da aldeia, e de todas as vezes, já não recordo quantas, registei na memória as três imagens com a marca Outeiro, a saber: A sua igreja, as vistas para a barragem de Paradela e as vistas para o grande penedo do Gerês, e qual delas a mais bela!?, mas atrevo-me a dizer que a que mais marca é mesmo a sua igreja, não só pela sua beleza e a particularidade de ser uma das que tem a torre sineira separada da igreja, mas também pela sua privilegiada localização, de fazer as honras de entrada na aldeia de Outeiro.
E vamos aprofundar então mais um pouco da sua localização para podermos chegar até lá, com alguns dados, mas também com os nossos habituais itinerários para lá chegar, como sempre a partir da cidade de Chaves. E continuo a dizer e a insistir que se gasta tanto dinheiro em férias longínquas, onde para além de algumas mordomias do hotel não há mais nada, e deixamos esquecido um paraíso, uma pérola do Reino Maravilhoso, o Barroso, aqui tão perto, onde há de tudo e do melhor que há, coisas que podemos tomar com a nossa simplicidade de ser transmontanos, com pessoas com as suas singularidades, mas que, tal como nós, é simples, genuína e sempre hospitaleira, mesmo com as suas desconfianças, por precaução, mas que logo sabem quem vai, ou não, por bem.
Pois Outeiro, para além de ficar à beirinha da Barragem de Paradela, à beirinha do gigante penedo da Serra do Gerês, em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês em terras que nem são alto nem baixo Barroso, fica ali nas proximidades de uma das portas de entrada no Alto Minho, pois basta descer a Ferral ou Cabril, andar mais um pouco e já se respira o verde húmido do Minho, ares que já entram um bocadinho nestas terras.
Pois para lá chegarmos, a partir da cidade de Chaves, temos de tomar um dos três itinerários principais de se entrar no Barroso, tendo como referência uma ou mais das suas barragens. Pois para Outeiro a barragem de referência é a de Paradela, mas para lá chegarmos teremos de passar pela barragem de Sezelhe ou à beira da barragem dos Pisões.
Quanto ao itinerário que nós recomendamos, por ser o mais interessante, é o da estrada do S.Caetano/Soutelinho da Raia, Meixide, Montalegre (sede do concelho), continuar sempre pelo vale do Rio Cávado, passar Sezelhe, Travassos do Rio, Covelães, Paredes e a seguir chega a Outeiro. Não há nada que enganar, pois a tal igreja faz as honras de entrada da aldeia.
Tal como já antes tenho afirmado por aqui, para qualquer destes destinos do Barroso, embora aqui tão perto, convém levar todo um dia. Claro que há hora em que a barriguinha começa a pedir alimento, há que alimentá-la, convém, nem que seja e só para o nosso bem-estar e boa disposição. Pois no Barroso, se não for dos que gosta de andar com o garrafão e farnel atrás, esteja onde estiver, a meia-dúzia de quilómetros tem sempre um bom restaurante onde comer, mas melhor, têm sempre bom vinho a acompanhar. Não o produzem, mas sabem o que é bom.
Mas voltemos aos itinerários. Depois do itinerário que nós recomendamos via S. Caetano, temos sempre a alternativa da EN103 que atravessa a meio o Barroso e quando estivermos perto do destino, é só abandoná-la e tomar uma estrada secundária, que neste caso poderá ser a de S.Vicente da Chã a Montalegre e depois segue pelo primeiro itinerário que indicámos atrás, ou pode seguir mais um pouco pela EN103 quase até ao final da Barragem dos Pisões e a seguir ao desvio para Viade, toma-se a estrada que vai para Brandim e Contim até à barragem de Sezelhe. A partir de aí é igual ao primeiro itinerário por nós recomendado.
Penso que é suficiente para lá chegar e se não for, faça como eu quando tenho dúvidas, vá parando e perguntando, pois haverá sempre uma alma que nos orientará no nosso caminho, mas mesmo assim, deixamos as coordenadas de Outeiro, bem com a sua altitude, pois convém saber sempre o quanto alto estamos:
41º 47’ 16.64” N
07º 56’ 46.62” O
Altitude - 826m
Todos sabemos que a paisagem pode ser moldada pelas pessoas, e por aqui não é exceção. Certo que às serras e relevo do terreno ninguém o molda, ou aliás, são moldes da própria natureza, às pessoas resta-lhes o dom de vestir os vales e embelezá-los (nem sempre) com as suas construções e as suas culturas no trabalhar da terra. Às vezes, mais ousados e ambiciosos contrariam a natureza, principalmente as dos rios, ribeiros, rigueiros e riachos, aprisionando a sua liberdade de correrem livremente, coisas que nunca chegarão a ser naturais, mas que com o tempo, passam a fazer parte da paisagem, e, sem querer fazer aqui a análise dos seus benefícios/malefícios, concordaremos todos que até embelezam a paisagem, mesmo porque a maioria de nós nunca chegámos a conhecer o que estes depósitos de água esconderam. Pela certa coisas igualmente belas, mas como nunca as conhecemos, delas não temos saudades. Claro que os mais idosos não poderão dizer a mesmo coisa, e pela certa, aquela água toda junta, afogou muita estória e pequenos paraísos (ou não) no qual debitaram parte do suor dos seus rostos. Mas como se costuma dizer, águas passadas não movem moinhos, embora estas também não os movam, mas movem coisas mais complexas e outros interesses.
Mas voltemos às pessoas, que no Outeiro também as há, nas ruas e nas suas lides do dia a dia, pessoas com as quais até chegámos à conversa e conversámos, pena nestas recolhas não sermos dois, um para fazer a recolha de imagens e outro para conversar e dessas conversas apurar o saber, sabores e sentires deste nosso povo, o mesmo de sempre, sobretudo humilde, que se contenta com tudo, principalmente pelo sol nascer todos os dias e que se conformam com todas as agressões vindas do exterior, das quais são vítimas. Protestar também protestam, claro que protestam, mas neste mundo atual em que as pessoas não passam de números, eles valem o “quantos são”, infelizmente, agora, muito poucos.
Passemos às nossas pesquisas sobre Outeiro, começando pelo seu topónimo Outeiro, muito comum entre nós, embora com apelidos à frente. Em Chaves, por exemplo temos dois, Outeiro Seco e Outeiro Jusão, todos eles outeiros que em linguagem comum significa “elevação de terreno”.
Mas vamos ver o que nos diz a “Toponímia de Barroso”:
Outeiro
“Vem muito naturalmente do nome comum “outeiro” pelo latino <al-tarium — por sua vez derivado de “outo” — “alto” < ALTU, com sentido manifestamente topográfico. Deste mesmo adjectivo é parente próximo ALTARE, (altar) dos sacrifícios pagãos e não só, sempre alto e sempre em sítios altos como são os outeiros das nossas igrejas e capelas — locais onde nasceram as povoações primeiras e permanecem a maior parte das actuais.”
Na “Toponímia Alegre” consta:
Ó santinho Santo Ouvido
Onde tens tua morada:
Entre Sela e Outeiro
Sirvoselo e Parada!
Adeus lugar de Parada
Ai Jesus, quem me lá dera!
A culpa tive-a eu
Se lá estava não viera
Menina se tem fastio
Apegue-se a Santo Ouvido
Se não apegue-se a mim
Que ao pé do Santo resido!
Vamos agora para o livro “Montalegre” que a respeito das paisagens do concelho também passa por Outeiro – os realces e sublinhados são nossos:
Paisagens
Barroso constitui um mosaico de paisagens edénicas. Podemos dizer que em cada canto há um novo encanto. Basta percorrer as nossas estradas municipais ou vicinais através do planalto para redescobrirmos mil recantos admiráveis. A título de exemplo referimos a estrada de Fafião a Cabril e daqui aos Padrões ou a Cela e Sirvoselo; o trajecto de Paradela do Rio a Outeiro e Parada; a travessia da Mourela com visita ao Mosteiro de Pitões e à extinta freguesia de São Vicente do Gerês ou ao São João da Fraga; (…)”
Mas continua, agora a respeito da aldeia mas também freguesia de Outeiro:
Área: 54.4 Km²
Densidade Populacional: 3.9 hab/km²
População Presente: 202
Orago: São Tomé
Pontos Turísticos: Castro (Outeiro); Fojo do Lobo (Parada); Lugares da freguesia: (4) Cela, Outeiro, Parada e Sirvoselo
E ainda:
Em extensão territorial é a terceira freguesia de Barroso, contando apenas quatro aldeolas. Entra na conta das freguesias que bordejam a característica Mourela, além de Covelães, Paredes, Pitões, Tourém, e Randim (Galiza). Inicialmente a freguesia chamava-se Parada do Gerês, depois São Tomé de Parada, depois Parada de Outeiro e, finalmente, Outeiro, sempre sob o mesmo orago – que é e foi São Tomé. Merece referência o achado de Torques (jóias pré-históricas de oiro) encontradas na abertura da estrada de Outeiro a Paradela do Rio, no sopé do Castro que linda com o rio Cávado. É um tesouro de inestimável valor – um dos muitos que arrastam os turistas mais cultos para longe das nossas terras e assim nos levam à desertificação! Pensem nisso! Nunca fomos dignos de guardar o que é nosso!
Na Etnografia Transmontana I, de Lourenço Fontes, a respeito das Nomeadas das Terras e Gentes, encontrámos:
Nomeadas das casa mais pequenas:
Figo na Peneda,
Mousinhos na Ponteira
Combas de Paradela,
Felizardos de Loivos,
Cletos de Outeiro,
Franciscos de Parada,
Robertos de Paredes,
Guichos de Covelães.
Também na Etnografia Transmontana, mas agora a II, que aborda o Comunitarismo do Barroso, igualmente de Lourenço Fontes, a respeito da tecelagem do linho, também Outeiro é referida:
Tanto se pode tecer linho, como lã. Há vários tecidos para vários fins. Desde o burel, para calças, mantas, capas etc., ao linho para leçóis, camisas, toalhas etc.. Há aldeias que vivem quase exclusivamente para este artesanato, tão pouco explorado e com tendências para morrer. (Outeiro, Fiães, Paredes do Rio).
Refira-se que a Etnografia Transmontana foi publicada em 1977 e desde essa data até hoje muita coisa mudou, e quando atrás se referia que este tipo de artesanato tinha “tendência para morrer”, penso que nestas terras já morreu mesmo. Talvez os versos que virão já a seguir a foto seguinte ajudem a perceber o porquê. Estão igualmente na Etnografia Transmontana II.
Da tecedeira dizem-se várias cantigas.
Coitada da tecedeira
Tem o Inferno em vida,
Pau na mão, pau nos pés,
Pau no cu, pau na barriga.
As boltas que o linho leba
Antes de ir p´ra tecedeira!
Eu ‘inda daba mais boltas
Para estar à tua beira.
E ainda na Etnografia Transmontana II
Adivinha do tear:
Alçar a perna
Tirar e meter,
Dar à pentelheira,
Para ganhar para comer.
Conta-nos ainda a Etnografia Transmontana II a respeito dos Carvoeiros:
O carvão faz-se mais de Inverno, que há mais vagar. Alguns que não têm outro ganha-pão, fazem-no todo o ano. Arrancam os torgos, já sem urze, com inxadões. Preferem arranca-los onde o monte tenha ardido, que deixou queimada a parte lenhosa. Em Oiteiro, Pitões e Tourém é raro o ano que o povo não queima parte da sua serra, dá boa e tenra erva, para o gado — a ucha. (…).
Tecedeiras, carvoeiros e muitas mais profissões que são coisas do passado. A profissão atual da maioria dos habitantes da atuais aldeias é a de reformado resistente, reformado pela idade e resistente porque resistiu à partida. Jovens quase não há e os que há, maioritariamente emigraram ou trabalham fora e fazem dormitório da a sua aldeia, talvez porque ainda tenham por lá os pais resistentes a necessitar cuidados, e outros, ainda em menor quantidade, vão-se dedicando à pecuária, sobretudo de bovinos.
Despovoamento das nossas aldeias que está bem documentado nos últimos resultados dos CENSOS da população. Outeiro não é exceção, aliás é um dos casos típicos onde a população tem decrescido abruptamente ao longo das últimas dezenas de anos, mais propriamente a partir de 1950 em que atingiu o pico da sua população com 567 habitantes (dados da freguesia), para agora (CENSOS de 2011) ter apenas 156 habitantes, aliás a partir de 1970 (377 habitantes) e desde que há CENSOS da população, tem batido sempre recordes negativos, pois o número mais baixo, até aí, que se tinha registado na população, foi mesmo no primeiro ano em que houve registos e isso já foi em 1864.
E ficamos por aqui. Ficam ainda as habituais referências às nossas consultas e dizer-vos que as abordagens que já fizemos às aldeias e temas de Barroso estão agora no menu do topo do blog, mas também nos links da barra lateral. Se a sua aldeia não está lá, em breve passará por aqui num domingo próximo, e se não tem muito tempo para verificar se o blog tem alguma coisa de interesse, basta deixar o seu mail na caixa lateral do blog onde diz “Subscrever por e-mail”, que a SAPO encarregar-se-á de lhe mandar um mail por dia com o resumo das publicações, com toda a confidencialidade possível, pois nem nós teremos acesso ao vosso mail.
BIBLIOGRAFIA
BAPTISTA, José Dias, Montalegre. Montalegre: Município de Montalegre, 2006.
BAPTISTA, José Dias, Toponímia de Barroso. Montalegre: Ecomuseu – Associação de Barroso, 2014.
FONTES, Lourenço, Etnografia Transmontana I – Crenças e Tradições de Barroso, edição do autor, Montalegre, 1974.
FONTES, Lourenço, Etnografia Transmontana II - Comunitarismo de Barroso, edição do autor, Montalegre, 1977.