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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

10
Jan21

O Barroso aqui tão perto - Parafita

Aldeias de Montalegre - C/Vìdeo


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PARAFITA - MONTALEGRE

 

Continuando a cumprir a nossa falta para com as aldeias que, aquando dos seus posts neste blog, não tiveram o resumo fotográfico em vídeo, trazemos hoje esse resumo para a aldeia de Parafita, do concelho de Montalegre.

 

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Hoje, excecionalmente, mais que um post-vídeo (em imagens e vídeo) é também um post dedicado a Banda de Música de Parafita e às histórias dos seus músicos, histórias essas que fazem a abertura do livro de Bento da Cruz – “Histórias de Lana-Caprina”, sendo elas as que abrem o livro com o capítulo 1, intitulado “Os de Parafita”. Apenas algumas, pois não há espaço para todas.

 

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E uma vez que dedicamos este post à Banda de Música de Parafita, a música do vídeo que poderão ver no final do post é de sua autoria, música e três imagens que retirámos da sua página na net, à qual recomendo uma visita. Fica link no final do post. Vamos então a algumas estórias de “Os de Parafita”

 

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1

OS DE PARAFITA

 

Todas as grandes terras têm o seu ex libris. Atenas tem a Acrópole; Jerusalém o Templo; Roma o Coliseu; Meca a Pedra; Paris a Torre; Londres o Relógio; Nova Iorque a Estátua; Nápoles o Vulcão; Rio de Janeiro o Carnaval; Madrid a Tourada; Viena a Valsa; Barcelos o Galo; Coimbra a Universidade; Parafita a Música.

 

Melhor dizendo: Parafita tinha a Música. A Música e muitos outros predicados que dão excelência às terras. A situação geográfica, por exemplo. Reclinada numa encosta fronteira à Serra das Alturas de Barroso, dir-se-ia repousar de cabeça na montanha e pés no rio.

 

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Outrora. Hoje continua de cabeça na montanha. Mas a água subiu-lhe até à cintura.

 

É, portanto, uma terra amputada. Amputada no corpo e na alma, se entendermos por corpo a paisagem, e por alma os habitantes.

 

A História Universal está cheia de histórias de terras que foram cabeças de reino e que, de repente, entraram em declínio e desapareceram: Cartago, Tróia, Palmira.

 

Na origem dessas catástrofes está sempre uma calamidade do género da fome, da peste e da guerra, três faces distintas dum só monstro verdadeiro.

 

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A desgraça de Parafita foi a albufeira.

 

Antes da construção da barragem dos Pisões, Parafita era uma das aldeias mais florescentes e conhecidas de Barroso.

 

Florescente, pela densidade populacional, largueza de terrenos baldios e de cultivo, abundância de gado vacum, cápreo, de ceva e de capoeira, de caça e pesca, de lenha, de sol, de artesãos: carpinteiros, alfaiates, tecedeiras, alveitares, dentistas, endireitas, capadores, correeiros de albardas, molhelhas, butes e tamancos, tudo do melhor que entre nós se fazia.

 

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Conhecida, pela Música, alma e glória de Parafita e, por que não dizê-lo?, de todo o Barroso.

 

As páginas seguintes são um repositório, forçosamente incompleto, do anedotário da Música de Parafita. Mas que ninguém fique a julgar que a Música de Parafita era algum bando de estarolas. Credo! A Música de Parafita era uma escola de civismo, de cultura, de fraternidade — de treino para a vida. Dizia-se mesmo: Vale mais um ano em Parafita do que cinco em Coimbra.

 

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A Música dava aos de Parafita aquele ar de artistas que os tornava simpáticos aos olhos de todo o mundo. Simplesmente encantador ver as crianças a solfejar as primeiras notas e os velhos a discutirem as vantagens da clave de sol sobre a de fá. Todo o Barroso se orgulhava deles. Pena foi que a praga da albufeira os haja dispersado pelas sete partidas.

 

Inteligentes e laboriosos como são, os filhos de Parafita depressa grangearam nome e fortuna nas terras adoptivas. Mas não esquecem a terra-mãe. Onde quer que dois desterrados de Parafita se juntem em Babilónia, é para carpir lembranças de Sião, saudosos da qual vivem e morrem.

 

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No último inverno, quatro deles passaram um fim-de-semana numa casa de férias situada na vertente marítima da Serra de Arga, donde se abarca todo o panorama da Foz do Minho, cuja beleza é um hino de permanente louvor ao Grande Arquitecto do Universo: o rio a espraiar-se entre margens edénicas e Ilhas de Amores, a silhueta grega do Monte de Santa Tecla do outro lado, à direita, o galeão de pedra que é a Fortaleza, em frente, ao fundo, a aguarela de areia, barcos e pinheiros, à esquerda, e, a toda a largura dos olhos, o luminoso estuário, verdadeiro milagre de cor e luz em constante movimento.

 

No sábado os quatro expatriados confecionaram urna taina com iguarias trazidas expressamente de Barroso, terra bendita, onde, no dizer de Camilo Castelo Branco, uma simples batata cozida com a tona e rolada numa escudela de sal sabe que nem manjar de anjos.

 

Passaram a noite a petiscar e a carpir lembranças de Parafita.

 

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Casualmente, um deles trazia no bolso um gravador de fabrico japonês, pouco maior do que um maço de tabaco, e ligou-o. Tive acesso à gravação. É dela que vou transcrever um naco da conversa dos alegres carpidores de lembranças. Só lamento não encontrar na escrita sinais gráficos correspondentes às saborosas gargalhadas da cassete. Paciência. Vai mesmo assim.

 

 

*

*        *

 

— Parafit-atrás Parafi-tá-trás ! Arroz p'r'ó-pote ! Arroz p'r'ó-pote! Cabra velha p'r'á caldeira! Cabra velha p'r'á caldeira! Vinho ! Vinho !

 

— Para vinho eram eles uns barras! Um ano foram tocar a S. Bento de Sexta-Freita, ali para as bandas da Roca da Ponteira. Em pleno Agosto. Um calor de amolecer pedras e tirar o fôlego a qualquer um. Com receio de que a fanfarra desfalecesse nos vivaces dos metais e nos rufos dos tambores, tão do agrado das multidões, o mordomo fez seguir na procissão, bem à vista dos músicos, uma guapa rapariga com um cântaro de vinho à cabeça. Tinha boa perna, a moça. Mas nenhum dos músicos lhe olhava para elas. Iam todos de olhos no cântaro do vinho, ansiosos por molhar a palheta. Entram capela dentro a passo acelerado, a dar as últimas. Ora enquanto assim estavam, os músicos nos acordes finais e a cachopa de cântaro à cabeça, o coto duma vela pegou fogo às saiolas do altar. Num gesto instintivo, a moça despeja o vinho nas chamas. Noutro, o Barral espeta-lhe uma bofetada e atira com ela de cangalhas e de cara à banda, desmaiada. Acode o mordomo, a família do mordomo, os vizinhos do mordomo: «Grandes malandros! Olha como puseram a criança! É fazer-lhes o mesmo...» «Vamos embora, rapazes!» ordenou o Mestre, vendo as coisas mal paradas. Ninguém foi manco. A pé, costa arriba, sob a torreira, mortos de fome, curtidos de sede... O Barral até chorava: «Ó companheiros, desculpai! Mas eu estava com um secão... Quando vi o vinho entornado, não me contive... Foi sem querer...»

 

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—        Coitados. No Verão, atiravam-se ao vinho para refrescar; no Inverno, à aguardente para aquecer.

 

—        Os ensaios eram à noite, no sobrado do Pinto, depois da ceia. Chegavam todos a tremer de frio, às escuras. «Acendei lá o petromax.» Mas ninguém se entendia com aquilo. Muitas vezes, quando chegavam a acender o candeeiro, era madrugada. Acabara a aula.

 

E o garrafão? «Oh, rapazes, que frio está! E se fôssemos buscar um garrafão de aguardente para aquecer?» Como não havia copo, bebiam pelo gargalo, cada um seu gole. Vigiavam-se uns aos outros. Ai daquele que se alargasse... Um dia um deles botou dois tragos...Pegaram-se... Espatifaram tudo...

 

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—        O busílis é que passavam o tempo frio a beber fiado e o quente a tocar para o calote.

—        E sempre empenhados.

—        Apesar de não dispenderem um tostão na farda ou no transporte.

—        Farda não usavam; transporte era o burro: cada qual o seu.

—        Daí o dito: dez músicos, vinte figuras...

—        O que trazia problemas de aboletamento nas aldeias a cujas festividades iam tocar: «Ai eu quero ir para casa de fulano, que é bom tratador...»

 

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—        O boleto dos músicos trazia sempre problemas. Um dos mais bicudos advinha do sestro que os hospedeiros tinham de, no fim dos banquetes, pedirem aos hóspedes filarmónicas para tocarem qualquer coisa: «Agora, que estão de papo cheio, botem lá uma peça para a gente apreciar.» Mas que alguns não tocavam a ponta dum corno... Esses tinham de ir sempre acompanhados por alguém que salvasse a honra do convento.

—        O que nem sempre acontecia. Uma ocasião, um foi parar a casa de certa cerimónia, com talheres individuais à mesa. Puseram-lhe uma travessa de cozido à frente, para ele se servir. Mas o indígena, que não estava habituado àquilo? Começou a comer directamente da travessa... «O senhor não se serve?» — acudiu a dona da casa. «Ai eu bem servido estou...» — respondeu o alarve, puxando a gamela para debaixo dos queixos...

 

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— Lembrais-vos de quando mestre Angelino tentou pô-los a marchar direitos e alinhados, ao som da caixa?

 

— Moeu tardes inteiras a treiná-los na eira. Escusado. Se um ia para a direita, outro cambava para a esquerda. Desistiu.

 

— Esse mestre Angelino, reformado não sei de quê, vindo de Braga, era um atadinho do caraças. Tudo lhe metia medo. E montar um jumento? Um espectáculo. Entrava por um lado da albarda, saía pelo outro. Agenciaram-lhe um burro grande, desses da Ribeira, ajaezado com selim e acessórios correlativos. Foram tocar a Pitões. Ao subir a Mourela, com a vereda quase a pique e o burro muito traseiro, mestre Angelina escorrega pela rabeira da montada, vai parar ao chão a cavalo no selim e ali fica, atarantado, sem atinar com uma saída para tamanha desgraça. Nisto chega o Manuel do Pinto, o Capador, montado num bom cavalo. Diz-lhe o Angelino: «Ó senhor Manuel! Foi por Deus o senhor aparecer... Acabou-se-me o burro...»

 

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—        O Manuel do Pinto era tangedor de pratos substituto. Um dia, durante uma exibição de muita responsabilidade, adormeceu e atrasou-se no compasso. O do bombo chincou-o. Ele sacudiu o sono e disparou sozinho por ali fora: Changla! Changla! Changla!: lá se foi o êxito da audição p'ró galheiro.

 

—        Os da pancada (bombo, pratos e caixa) eram os do couce. Ora o titular dos pratos, o Manuel do Cabra, tinha a mania de empiscar às moças. Um ano, nas Alturas, durante a procissão, as de Atilhó, que passavam o Inverno na pedincha, por terras de Espanha, umas sabidonas, vinham por trás e apalpavam-no... Era um pratinho ver o velho Manuel do Cabra a bater pratos e a furtar-se às apalpadelas, aos saltinhos dum lado para o outro, ante a risota das moças e o espanto do mestre, que não percebia o que se estava a passar.

 

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Imagens retiradas da página da Internet da Banda de Música de Parafita

 

—        Esse Manuel do Cabra não era o do revólver de madre-pérola?

 

—        Não. O do revólver chamava-se Manuel da Porta e tocava bombo. Um dia, ao rebaixar o salão duma corte, encontrou um revólver antigo, com a fecharia e o cano desfeitos, mas a coronha, de madre-pérola, intacta. Limpou aquilo muito bem limpinho e apareceu na festa de Veade de coronha a sobressair ostensivamente do bolso de trás das calças. As aldeias andavam despicadas por causa duma chega de bois, os de Veade viram aquilo, ficaram de cabelos em pé e foram avisar a guarda, antes que fosse tarde. E o Manuel da Porta, um pantomineiro de marca maior, a bater no bombo e a olhar para o outro lado, a fingir que não via nada... Um dos guardas aproxima-se por trás, deita a mão à coronha de madre-pérola, puxa, vê aquela porcaria a desfazer-se em ferrugem, mas não se dá por achado. Recua e diz para os delatores, que o aguardavam atónitos: «Eu nunca vi objecto assim! Mas que perigo... Nem me atrevo a tocar-lhe... Lixe-se lá o homem!»

 

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—        Para mim, uma das melhores é a do foguete...

—        Na Senhora da Saúde? Ai eu vi. Estava lá.

—        Iam a tocar na procissão, a caminho da capela da Senhora da Saúde. A calhelha é estreita e funda e os devotos formavam alas dum lado e doutro, de palanque nos campos. Nisto vem a cana dum foguete, viumvê...vvv..., espeta-se no carrulo ao Amadeu da Marcolina e ali fica ao alto, erecta e vibrátil como antena de extraterrestre. Vai o Serafim da Benta, que o seguia na forma, deita-lhe a unha, zás!, arranca-lhe a farpa. Poucos se aperceberam da manobra e a procissão continuou, na boa compostura. O melhor veio depois: o assombro do povo que não compreendia porque é que os músicos, sempre que estoirava um foguete, empinavam os trombones para o céu, pó, pó, pó-ró, girando ângulos de trezentos e sessenta graus sobre os calcanhares, atentos ao trajecto da cana... Porra!

(…)

In “História de Lan-Caprina” de Bento da Cruz, Editorial Notícias, Lisboa, Maio de 1998

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Ficamo-nos por aqui, na página 15 das “História de Lana-Caprina” de Bento da Cruz, no 1º capítulo do livro - “Os de Parafita”, que dedica aos músicos de Parafita, e ficamos por aqui não por se acabarem as histórias sobre os de Parafita, pois essas continuam livro adentro até à página 60, mas porque são em demasia para este espaço do blog, mas pela certa que de futuro teremos por aqui mais algumas destas histórias.

 

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E agora sim, o vídeo com todas as imagens da aldeia de Parafita que foram publicadas até hoje neste blog. Espero que gostem e para rever aquilo que foi dito sobre as Parafita ao longo do tempo de existência deste blog, a seguir ao vídeo, ficam link para esses post, onde por sinal contém mais histórias sobre os de Parafita, mas de um outro livro, “ Histórias da Vermelhinha”, também de autoria de Bento da Cruz.

 

Aqui fica o vídeo:

 

 

Agora também pode ver este e outros vídeos no MEO KANAL Nº 895 607

 

Post do blog Chaves dedicados à aldeia de Parafita:

 

https://chaves.blogs.sapo.pt/o-barroso-aqui-tao-perto-parafita-1443308

 

banda-2.JPG

Imagem retirada da página da Internet da Banda de Música de Parafita

 

Link para a página da Banda de Música de Parafita (de visita obrigatória):

 

https://www.bandaparafita.net/cms/

 

 

E quanto a aldeias do Barroso, despedimo-nos até amanhã, desta vez calhou assim, em que teremos aqui a aldeia de Torneiros, do concelho de Boticas.

 

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