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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

16
Ago20

O Barroso aqui tão perto - Vilarinho Seco

Aldeias do Barroso do Concelho de Boticas


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Vilarinho Seco

 

Hoje é a vez de Vilarinho Seco vir a este blog, e para nós, com uma responsabilidade acrescida, isto porque Vilarinho Seco é uma das aldeias de visita obrigatória no Barroso, e a nossa responsabilidade é aqui acrescida porque temos de estar à altura de mostrar o porquê de ser de visita obrigatória.

 

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Ora poderia apresentar várias razões para a obrigatoriedade de uma visita a esta aldeia, poderia dizer como Miguel Torga ao respeito do Reino Maravilhoso “Começa logo porque fica no cimo de Portugal, como os ninhos ficam no cimo das árvores para que a distância os torne mais impossíveis e apetecíveis”, mas não vamos por aí, mesmo porque estas palavras de Torga se aplicam a todas as aldeias de Barroso e ao Reino Maravilhoso de Trás-os-Montes.

 

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Vilarinho Seco é de visita obrigatória pelas suas singularidades, pelos seus pormenores, pela sua vida e tradições, pela gastronomia, pela diferença e pela sua localização, mesmo no meio do Barroso e relativamente distante dos itinerários das estradas principais. É uma daquelas aldeias que se pode apresentar como uma aldeia típica do Barroso. Pois foi assim, que aos poucos, me foram descrevendo Vilarinho Seco ao longo dos tempos, o que ia aumentando a ansiedade de a conhecer.

 

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Irmos para uma terra desconhecida, rotulada com os melhores predicados, tem o seu risco, pois no nosso imaginário costumamos aumentar as expectativas para aquilo que nos espera, e muitas vezes ficamos desiludidos com o que encontramos no destino. É um bocado como quando marcamos férias para terras distantes, em que as fotografias do hotel e da envolvência são paradisíacas e quando lá chegamos vemos como as fotografias são enganosas, como transformam um deserto num oásis e sentimo-nos aldrabados…

 

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Pois eu por aqui não quero aldrabar ninguém, mas uma coisa vos digo, depois de todas as expectativas dilatadas pelo meu imaginário, quando fui pela primeira vez a Vilarinho Seco, fiquei surpreendido, pela positiva, pois o meu imaginário e espectativas tinham ficado aquém da realidade, mas atenção, e recorro novamente às palavras de Miguel Torga para esta chamada de atenção: “Embora muitas pessoas digam que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade e o coração”.

 

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Claro que se é dos que detesta o interior, as aldeias e o mundo rural, então não vá a Vilarinho Seco, vai detestar ver o gado na rua, enojar-se ao ver que fazem as necessidades em cima da calçada, ruas de casas antigas e velhas todas de pedra e à vista escurecida pelo tempo, e as pessoas que, principalmente em dias escuros e cinzentos de inverno, muito frios que até fazem congelar os tin-tins, com ou neve, saem à rua cobertas com capas esquisitas, todas iguais, de uma lã castanha escura prensada, tosca e áspera que até faz arrepiar, pastagens por todo o lado, e se lançar o olhar para o horizonte, só vê montanhas e mais montanhas, adornadas em primeiro plano por giestas que dá uma flor que cheira mal e pedregulhos, que aqui pela sua dimensão são autênticos penedos… tudo um horror, que dá para qualquer um ficar deprimido p´raí um ano inteiro ou mais… Pois se é desses, é melhor ficar em casa sentado no sofá ou ir dar uma volta pelo centro comercial mais próximo, que esses são sempre interessantes, cheios de luz e cor, com gente perfumada que veste bem…

 

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Ainda para os que detestam aldeias e o mundo rural, fica ainda outro aviso, se enganados caírem no Barroso, nunca caiam na asneira de comer num restaurante, tal como o que existe em Vilarinho Seco, por exemplo, pois esta gente a comer são mesmo alarves, principalmente nos cozidos à barrosã. Esta gente como o reco todo, ou quase, só deita fora as unhas, o pelo e os olhos, o resto vai tudo para o pote, incluindo as tripas do reco, que depois de lavadas as enchem com bocados de carne crua e uns temperos que só eles sabem, poem-nas a secar à lareira com muito fumo, daquele que se entranha na roupa e que nem os melhores perfumes das melhores perfumarias de Paris lhe conseguem retirar ou disfarçar o odor, mas voltando à tripa com carne crua dentro, que depois de passar 15 dias ou um mês ao fumo, a cortam aos pedaços e a comem assim mesmo – crua com um bocado de pão. Um horror. Mas nos cozidos vem de tudo o que o reco tem, as patas, o rabo, as orelhas, o focinho as tripas com carne dentro e a acompanhar, batatas e couves das terras à volta da aldeia, que antes de as plantarem ou semearem, enchem as terras de estrume , para dar outro sabor à batata e à couve.

 

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Enfim! Mas se não é desses esquisitos da cidade ou que, embora não sendo da cidade foram lá parar e já nem sabem o que é um reco (estes pseudo-citadinos são os piores, fazem figura nos restaurante de comida gourmet e ao chegarem a casa, para matar a fome que não saciaram no restaurante, atiram-se a um pedaço de chouriça com pão da encomenda que lhe enviaram da aldeia). Mas ia dizendo, se não é desses esquisitos citadinos, se é dos bôs, então, não deixe de ir a Vilarinho Seco, pois é de visita obrigatória da qual não se arrependerá, e depois, nunca ficará a conhecer o Barroso em todo o seu ser, se não conhecer estas aldeias de referência barrosão, e Vilarinho Seco é uma delas. Ah!, e se for por lá no inverno, não deixe de comer um dos cozidos que descrevi atrás, em que comem o reco todo. Os de Vilarinho Seco dizem ser dos melhores, e se forem lá, não perguntem ou procurem pelo restaurante de Vilarinho Seco, perguntem antes pela casa do Pedro, pois é na casa dele que se come um bom cozido, isto segundo me dizem, pois nunca lá comi, mas acredito que sim, pois no mínimo será igual ou parecido a outros cozidos à barrosã que eu tenho comido por lá, e o melhor, não paga nada por entrar, só paga à saída depois de comer… Se está mesmo a pensar ir lá comer um cozido, na sua época, durante o inverno, convém marcar antes, pois pelo Barroso, nestas casas conhecidas pela sua gastronomia, só marcando com alguma antecedência é que consegue um lugar à mesa, neste caso, à mesa do Pedro.

 

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E quase poderia acabar aqui o post, deixando o resto para as descobertas de quem quiser descobrir Vilarinho Seco, mas vou continuar, pois ainda há mais algumas imagens para mostrar, das centenas de imagens possíveis, pois apenas fica uma seleção abordando um pouco de toda a aldeia, mas também da sua história, usos e tradições. Continuemos então!

 

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Passemos à localização de Vilarinho Seco e como ir até lá, com partida como sempre da cidade de Chaves. Como poderão ver nos mapas que deixo a seguir, Vilarinho Seco fica a 45 quilómetros de Chaves. Tal como acontece com a maioria das aldeias do concelho de Boticas, o nosso melhor itinerário é via estrada nacional 103 (estrada de Braga) até Sapiãos, aí abandonamos a EN103 e rumamos até Boticas. Estando em Boticas, basta seguir as placas indicativas com a saída para Cabeceiras, Ribeira de Pena ou Salto, aliás Boticas só tem três saídas, uma para Chaves e Braga (via EN103, pela qual vamos,  mas em sentido contrário), outra também para Chaves, via Vidago, pela N311, e pela mesma N311, em sentido contrário, temos a saída para Cabeceiras, Ribeira de Pena, Salto e também Braga. É por esta que devemos ir, mais acima, lá no alto, atravessamos a Carreira da lebre e continuamos em direção a Salto e Braga. A seguir, sem sair da 311, e pela ordem que vou deixar, vai andando e vendo saídas para Carvalhelhos, Vilar, Campos, Viveiro, Bostofrio, Covas do Barroso e Agrelos, a seguir a esta última aldeia que fica próxima da estrada (Agrelos) a apenas 2,3 km terá uma espécie de cruzamento com saída à esquerda para Espertina e Antigo e à direita para as Alturas do Barroso, é pela saída das Alturas que deve sair, numa segunda placa, mesmo em cima da saída, também aparece Vilarinho Seco e Coimbró.

 

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Ainda antes de vermos o que dizem os documentos que temos sobre Vilarinho Seco, recomendamos como pontos de interesse para visitar em Vilarinho Seco, logo na entrada (seguindo o nosso itinerário) onde a estrada alarga, tem um moinho, bem interessante porque é diferente de todos os que conhecemos. Mais à frente, terá de se decidir por virar à esquerda ou à direita. Vire à direita e logo a seguir verá um passadiço em arco por cima da rua, logo após o qual terá um grande tanque/bebedouro com chafariz e um cruzeiro. Este conjunto está precisamente no centro da aldeia, e que conjunto, digno de se lhe tirar o chapéu. Pare por lá o tempo necessário para apreciar como deve de ser. Depois pode ir até ao fundo da rua principal e apreciar o casario típico de “arquitetura vernacular”, não gosto do termo mas parece que é assim que se diz.

 

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Depois de vista esta parte da aldeia, regresse à casa de partida, quando teve de decidir virar à esquerda ou direita. Mas agora vindo do lado direito siga em frente e esta na casa do Pedro que ocupa todo o lado direito da rua, até ao largo da capela. Em frente à casa do Pedro, existe uma eira com bar, que suponho ser também do Pedro. Aqui é também ponto de paragem obrigatória nem que seja e só para repor forças, isto se estiver aberto, pois pode-se dar o caso de não estar. Como nós passamos por lá sempre no dia 20 de janeiro, nesse dia, quase de certeza que está aberto.

 

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Geralmente é neste último largo, já na saída para as Alturas do Barroso, que se estaciona o popó. Aí podemos ver então a Capela, também interessante, uns espigueiros e as Casas do Pedro, a tal onde se comem os cozidos e outras coisas, pois convém não esquecer  que estamos no Barroso os a vitela barrosã também é recomendada. Do outro lado da rua, o tal bar com eira, também é um lugar a visitar e simpático. Mesmo se não comer na cas do Pedro, peça para dar uma vista de olhos à casa, que eles deixam e mostram.

 

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Vamos então às nossas pesquisas, pelo que encontrámos na monografia de Boticas – Preservação dos Hábitos Comunitários nas Aldeias do Concelho de Boticas:

 

Castro de Vilarinho Seco

Designação: Castro de Vilarinho Seco / Mena / Couto ou Côto dos Mouros

Localização: Vilarinho Seco (Alturas do Barroso)

Descrição: O castro de Vilarinho Seco, também conhecido como Couto dos Mouros, localiza-se a cerca de 1 km da aldeia de Vilarinho Seco, freguesia de Alturas do Barroso.

Quase na base da encosta do Castro, voltada a Poente, encontra-se a habitual fiada de pedras caóticas a assinalarem o alinhamento da muralha, totalmente derruída. Esta primeira linha de defesa começa num grande penedo, no lado Norte, segue para Sul e vai entestar noutro grande penedo. Apenas 2 m de muralha ligam este grande penedo a outro semelhante. Seguem-se 17 metros de ruínas de muralhas que entestam noutro penedo. Entre 20 a 30 metros acima da primeira muralha encontra-se a segunda, também derruída, que segue a crista do monte quase no alinhamento N/S, poucos metros adiante esbarra, no alto, num grande penedo. Nele se vê uma cruz gravada em sulcos pouco fundos. Esta segunda muralha esbarra em dois grandes penedos, sobranceiros a um despenhadeiro quase abrupto da vertente do lado Leste, encosta que é toda penedia contínua, com alguns penedos grandes, com 6 ou 7 metros de altura, encostados uns aos outros.

 

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Continua a monografia com as:

Festas e Romarias

Santa Cruz, 03 de Maio, Vilarinho Seco

  1. Paio,* 26 de Junho, Vilarinho Seco

Património Edificado

Capela de Sampaio, forno do povo, casas e relógio de sol.

 

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Ainda na monografia, os:

Fornos do Povo

Noutros tempos, quando quase todas as casas das aldeias coziam no forno do povo, foram estabelecidas regras de forma a organizar a sua utilização. Em quase todas as aldeias do concelho, onde este bem comunitário existia, havia a obrigação de quentar o forno, que andava à roda pelas casas dos lavradores da aldeia, que eram quem dispunha de meios para ir buscar lenha. Como, por exemplo, acontecia em Alturas do Barroso, “Todo aquele que tivesse uma junta de vacas para fazer o transporte da lenha, para aquecer o forno, era obrigado pelo uso e costume a aquecer o forno.” Era o chamado quentador, forno de quenta, ou cantador pois ele era, também, o responsável pela marcação da vez das pessoas que coziam a seguir a ele.

Assim, quem quisesse cozer, dirigia-se ao quentador, pedia-lhe a vez, para saber atrás de quem iria cozer, e colocava um sinal a marcar a sua vez. O sinal podia ser lenha, mato, etc. e à medida que iam cozendo, cada um tirava o seu sinal de marcação, para as pessoas saberem quem ia cozer a seguir e assim prepararem a massa.

 

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E continua:

Na maior parte das aldeias este uso acabou por desaparecer, são cada vez menos as pessoas que ainda utilizam estes espaços, muitas preferem comprar o pão já feito, a um dos inúmeros padeiros que diariamente percorrem as aldeias do concelho, do que terem que andar com trabalho para fazer a massa e cozer o pão. Assim, quem quer cozer aquece o forno e coze. Em Sapiãos, as pessoas ainda têm o hábito de colocar um lareiro junto à fornalha do forno, sinal que indica que alguém vai aquecer o forno e cozer. Normalmente quando do alguém coze, as outras pessoas aproveitam a quentura do forno e cozem a seguir, pois desta forma já não gastam tanta lenha. Em Valdegas (Pinho) apesar de já não existir a obrigação de quentar o forno, quem o acender é obrigado, pelo costume, a dar a vez aos que quiserem cozer a seguir a ele, durante essa semana.

Todavia, em Vilarinho Seco (Alturas do Barroso) este uso ainda vigora[i]. De quinze em quinze dias, um lavrador, ou seja, quem tem vacas ou tractor, aquece o forno, num sistema de rotatividade pelas casas da aldeia. Antigamente esta obrigação demorava cerca de um ano a dar a volta à aldeia, actualmente demora  aproximadamente oito meses, pois apesar de existirem cerca de 30 casas habitadas na aldeia, apenas 15 é que aquecem o forno. O forno tem que ser aquecido entre segunda e quarta-feira, depois quem quer cozer vai pedir a vez a quem o aqueceu.

Fazem broas, bôlas, bôlas de carne e bicas de cereais estremos, apenas milho ou apenas centeio, mistura centeio/milho ou centeio/trigo, a que em algumas aldeias chamam o pão casado, depende dos gostos e do cereal que predomina nas diferentes aldeias. Por altura da Páscoa costumam fazer os folares com carne ou sem carne.

(…)

Em Vilarinho Seco, sempre que o forno coze os vizinhos ainda se juntam lá para conversar.

 

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E continua a monografia com as tradições:

 

Mas em muitas outras aldeias existia a tradição dos motes do galo[ii], como por exemplo em Vilarinho Seco, cujo testamento do galo transcrevemos a seguir:

Testamento do Galo

Eis aqui o testamento

Que fez elegante galo

Quando tinha no pescoço

Aguda faca para matá-lo

Não haverá quem me console

Venham todos venham ver

O que fez um pobre galo

Quando estava para morrer

Já que estou em meu juízo

Testamento quero fazer

Para meus bens eu deixar

A quem melhor me parecer

Porém antes que se escrevam

As .......... derradeiras

Quero também despedir-me

Das amadas companheiras

Galinhas minhas amigas

Com quem sempre acompanhei

Vinde ver e compreendereis

O estado a que eu cheguei

Estou tão atribulado

Nesta nossa despedida

Que deixar-vos nesta hora

Decerto me custa a vida

Um conselho quero dar-vos

E vos falo bem sisudo

Que fujas quanto puderes

Dessas festas do Entrudo

E se acaso vos chamarem

Pila pila vos disserem

Não vades lá que é engano

Que apilar vos querem

Erguei-vos de madrugada

E a casa não torneis

Ficai estes dias fora

Para a Quaresma vireis

E se vires que há doença

Vede bem como andais

Que também vos pilarão

Quando menos vós cuidais

Daqui a sete semanas

Quando entrar o mês de Abril

Eu já estou a adivinhar

Que morrereis mais de mil

E aquelas que escaparem

Alegres passais os dias

Retirai-vos quanto puderes

Das funções de tais folias

Afirmaivos vede bem

Esta cor da minha crista

Nesta tão triste sorte

Esta noite se escreveu

A minha sentença de morte

Em nome da benta hora

Talvez seja a última vez

Que vós lhe poreis a vista

De mim pena não tenhas

Aos mais galos dai ouvidos

Que assim fazem as mulheres

Quando lhe morrem os maridos

Em tudo quanto vos disser

Tomai sentido e atento

Que eu principio agora

A fazer meu testamento

Deixo a voz da garganta

Aos galos meus companheiros

Para que cantem de noite

Em cima dos seus poleiros

Deixo mais a minha crista

Vermelhinha e tão bela

Ao galo mais lambareiro

Que puder ficar com ela

Deixo as penas do pescoço

De várias cores pintadas

Às meninas desta terra

Para andarem enfeitadas

Deixo as penas do corpo

Que são todas as mais honestas

Para as biatinhas da moda

Se enfeitarem pelas festas

Deixo as penas do rabo

Por serem as mais brilhantes

Para as meninas solteiras

Darem aos seus amantes

Deixo as unhas dos pés

Para as mulheres viúvas

Se arranharem à noite

Quando lhes morderem as pulgas

Deixo as pernas

Por serem cor amarela

Para todos os cães tomarem

Uma grande atacadela

O bico que me ia esquecendo

Deixo ao galo mais fraco

Para quando travar bulha

Fazer mais um bom buraco

O fígado e a moela

E a minha vontade inteira

Que as coma logo assadas

Quem for minha cozinheira

O papo que toda a vida

Me serviu de bom celeiro

Deixo ao homem mais honrado

Para a bolsa do dinheiro

Deixo o miolo das tripas

E toda a mais demasia

À mulher mais rabugenta

Que houver na freguesia

Ainda agora me lembrou

Já me ia esquecendo

Que das barbas não disponho

Mas deixá-las pretendo

E as deixo de boa vontade

Vermelhinha e tão belas

Àqueles mais desbarbados

Que quiserem servir-se delas

E os móveis da casa

Deixo ao meu testamenteiro

Que no meu falecimento

Fique dono do poleiro

Deixo por uma só vez

Que este meu corpo defunto

Não esqueçais de lhe juntar

Boa porção de presunto

Deixo por advertência

Aos mais galos machacázes

Se desviem ser vizinhos

Da escola dos rapazes

E se por acaso desprezarem

O conselho que vos dou

Daqui a vinte anos se verão

No estado em que agora estou

Deixo mais que o meu enterro

Seja feito com carinho

O que hão-de gastar em esmolas

O gastem antes em vinho

Deixo que todo o estudante

Que andar nesta lição

Dê um galo como eu

Que morra nesta função

E se um galo não derem

Dêem um bom coelho

E nenhum seja tão néscio

Que despreze o meu conselho

Agora torno a lembrar-me

E já me ia sendo erro

No nome da sepultura

No lugar do meu enterro

Deixo é minha vontade

Seja minha sepultura

Dentro dos corpos humanos

Que é melhor que na terra dura

Dos mais galos que morreram

Peço a todos em geral

Que não façam testamento

Que este p’ra todos vale

E vós meus estudantinhos

Já que assim o quereis

Degolai-me bem depressa

Que é favor que me fazeis

Todo o pai que tiver filhas

E dote para lhes dar

Meta-as todas num convento

Eu trato de as casar

Agora por nossos pecados

Estamos vendo em cada canto

Que todo o pai que tiver filhas

Logo se lhe faz o cabelo branco

 

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E estamos a chegar ao fim deste post dedicado a Vilarinho Seco. Muito mais haveria para dizer, mas ficará para uma próxima oportunidade, tanto mais que Vilarinho Seco continuará a fazer parte dos nossos itinerários do Barroso, com paragem obrigatória, nem que seja, e só, por alturas das celebrações do São Sebastião, nos dias 20 de janeiro. Esperemos que no próximo 20 de janeiro a pandemia do corona vírus já seja coisa do passado e permita continuar esta tradição que tanto enriquece o Barroso.

 

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E damos por terminado este post, que como de costume termina com um vídeo com todas as fotografias de Vilarinho Seco publicadas até hoje neste blog, mas também com excertos  de alguns vídeos das nossas passagens pela aldeia.

 

Aqui fica, espero que gostem:

 

 

E quanto a aldeias do Barroso de Boticas, Chaves, despedimo-nos até ao próximo domingo com a aldeia de Virtelo, mas entretanto, sexta-feira, teremos aqui mais um vídeo da aldeia de Lodeiro D’ Arque, esta do concelho de Montalegre.

 

BIBLIOGRAFIA

CÂMARA MUNICIPAL DE BOTICAS, Preservação dos Hábitos Comunitários nas Aldeias do Concelho de Boticas - Câmara Municipal de Boticas, Boticas, 2006

TORGA,  Miguel, O Reino Maravilhoso – “Portugal”, 1950 .

 

WEBGRAFIA

http://www.cm-boticas.pt/

 

 

[i] Nota do blog Chaves – Não apurámos se este uso ainda se mantém na atualidade, pois o documento de onde transcrevemos esta informação é de 2006, e nestes últimos anos, em termos de tradições, muita coisa se perdeu.  

[ii] A tradição dos motes do galo e carro do galo, é uma das brincadeiras de entrudo e consiste em juntam-se três rapazes no principal largo da aldeia, um coloca-se no forno do povo, outro no cruzeiro, seguram uma corda com o galo preso no meio e tentam acertar com ele ao que está a ler os motes de forma a atirarem-lhe com o chapéu ao chão. Este, enquanto lê os motes, com uma espada tenta afastar o galo da sua cabeça. No final oferecem o galo e o restante conteúdo do carro do galo. Carro este, um carrito de mão, que é enfeitado com flores levando as suas ofertas que, como manda a tradição, são compostas por um coelho, uma galinha, vinho do porto, doces e um galo. Depois fazem um cortejo com o carro pelas ruas da aldeia.  Esta tradição era dedicada ao professor da aldeia pelos alunos da escola primária. Tradição esta que com o encerramento das escolas primárias e ausência de professor, penso que também já não se realiza.

 

 

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