Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

24
Jan21

O Barroso aqui tão perto - Vilarinho da Mó


1600-vilarinho da mo (4)

1600-cabecalho-boticas

 

 

VILARINHO DA MÓ - BOTICAS

 

O nosso destino de hoje no Barroso aqui tão perto, é mais uma aldeia da freguesia de Beça, do concelho de Boticas, a última aldeia da freguesia a abordar, isto se não consideramos a Carreira da Lebre como uma aldeia, caso contrário é a penúltima aldeia cujo topónimo é Vilarinho da Mó.

 

1600-vilarinho da mo (123)

1600-vilarinho da mo (2)

 

Vamos já ao itinerário para lá chegar, que como é habitual saímos da cidade de Chaves pela EN103 (estrada de Braga), mas só até Sapiãos, onde devemos tomar o caminho de Boticas, logo à entrada, na primeira rotunda, seguimos as placas que indicam Cabeceiras de Basto e Ribeira de Pena, na segunda e terceira rotundas, idem, nesta última teremos pela frente o Centro de Artes Nadir Afonso, que deveremos contornar e já estamos na R311, que atravessa todo o concelho de Boticas, seguimos por ela até à Carreira da Lebre que também tem uma rotunda quase no final desta localidade, onde devemos seguir em frente, mas apenas por mais 1 Km, depois de atravessarmos a ponte sobre o Rio Beça e logo a seguir viramos à direita em direção a Carvalhelhos onde, na rotunda com a santa das águas no meio, seguimos em frente sempre por essa estrada até vermos em frente a empresa das águas de Carvalhelhos, aí tomamos um desvio à direita deixarmos Carvalhelhos para trás, seguimos sempre por essa estrada que a menos de 2K estamos no nosso destino. Ficam os nossos mapas para melhor localização.

 

mapa vilar-mo-1.jpg

mapa vilar-mo-2.jpg

 

Chegados lá, desfrute da aldeia, do seu casario, visite a capela de São Mamede e o Forno do Povo, esteja por lá o tempo que tiver de estar, a paisagem envolvente também se recomenda, os tanque e fontes, a vida da aldeia que ainda tem. É uma aldeia com o seu núcleo mais antigo bem conservado, sem grandes atentados pelo meio, com o casario novo ao longo das entradas da aldeia, como deve de ser, se for por lá no dia 17 de agosto, vai no dia da festa de S.Mamede.

 

1600-vilarinho da mo (90)

 

Depois de visitar a aldeia, não volte para trás, saia da aldeia em direção a Beça e aí, depois de atravessar a aldeia, na estrada, vire à esquerda que uns quilómetros mais à frente terá a EN103, no Alto Fontão, ai vire à direita em direção a Chaves, mas se quiser e ainda tiver tempo disponível, no mesmo Alto Fontão tem o acesso à serra do Leiranco, com vistas para a cidade de Chaves.

 

1600-vilarinho da mo (81)

 

Agora passamos à parte em que abordamos aquilo que se diz de Vilarinho da Mó nos documentos que temos e nas pesquisas que fizemos sobre a aldeia, pouca coisa mas foi o que encontrámos, com uma referência ao “altura” do São João e do São Pedro, isto na monografia  “Preservação dos Hábitos Comunitários nas Aldeias do Concelho de Boticas”:

 

1600-vilarinho da mo (89)

1600-vilarinho da mo (65)

 

Por altura do S. João (24 de Junho) e do S. Pedro (29 de Junho), em algumas aldeias do concelho ainda fazem as tranquilhas das ruas com paus e cancelas. Particularmente na freguesia de Beça, onde lhe chamam as trancheiras, para além de trancarem as ruas, também é costume colocarem os arados de pau e as grades, que apanham, na torre da Igreja. Por altura do S. Pedro roubam os vasos das flores às mulheres e colocam-nos nos largos junto aos poços, na igreja, capelas ou cruzeiros como nos disse um informante de Torneiros “no S. Pedro, que é o santo mais maroto, às vezes quando as raparigas se esquecem dos vasos, daquelas flores e assim, os rapazes apanham-nas e levam-nas lá p’ra capela e depois elas tem que as ir lá buscar”, de tal forma que algumas mulheres nesses dias escondem os seus vasos.

 

1600-vilarinho da mo (114)

1600-vilarinho da mo (83)

 

Noutras aldeias, tinham por hábito colocar os carros dos bois nos tanques das aldeias, em especial quando os donos, tentando impedir que lhos roubassem nesse dia, dormiam em cima deles. Cansados de mais um dia de labutas, adormeciam profundamente. Juntava-se, então, um grupo de rapazes, pegavam no carro e colocavam-no dentro do poço, com o dono a dormir, em cima.

 

1600-vilarinho da mo (38)

1600-vilarinho da mo (57)

 

Outros iam buscar os rebanhos das ovelhas às cortes, roubavam as cancelas das cortinhas e faziam uma cancelada no largo das aldeias; também os burros não estavam a salvo, por vezes iam buscar um à corte e prendiam-no à gramalheira do sino da igreja ou das capelas e punham-lhe um molho de erva para ele se baixar a comer e assim tocar o sino.

Em Beça e Vilarinho da Mó, por altura do S. Pedro também era hábito fazer um S. Pedro em palha, vestiam-no e colocavam-no junto ao principal tanque da aldeia com uma cana (por vezes com uma sardinha na ponta) a pescar.

 

1600-vilarinho da mo (72-75)

 

E agora, porque é (ou era) uma das atividades da época, um pouco comum a todas as aldeias do Barroso e de Trás-os-Montes, vamos abordar um dos seus temas. Assim, e com vossa licença, vamos à matança do porco.

 

1600-vilarinho da mo (95)

 

Mas antes exige-se uma pequena explicação para o “com vossa licença” que deixei no último parágrafo. O respeitinho sempre foi muito lindo, ensinavam-nos os mais velhos, e esta do “com vossa licença” também era uma forma de respeito, pelo ambiente em que se estava e por trazer o porco à conversa. Hoje em dia a tradição da matança do porco está cada vez mais em desuso, mas há poucas dezenas de anos rara era a família das aldeias que não tinham um ou mais porcos para matar. Era então comum as pessoas, sobretudo entre os mais idosos,  quando se referiam ao porco, pedirem sempre licença. Embora nunca tivesse perguntado o porquê desse pedir licença, penso que tinha a ver com a associação que se fazia do porco ao ele ser mesmo porco, viver num ambiente quase sempre sujo e cheio de porcaria. Porco que por muitas pessoas também era denominado por reco ou ceva (por cá – ceba), no caso deste último termo, vinha do cevar (cebar) o porco, ou seja, alimentar o porco para engordar e ter mais uns quilos na matança, mas também para as carnes ganharem camadas de gordura, que faziam toda a diferença para ser ter bom fumeiro e bons presuntos.

 

1600-vilarinho da mo (63)

 

Feita esta ressalva que serve também de introdução à “Matança do Porco” que vamos transcrever da  “Preservação dos Hábitos Comunitários nas Aldeias do Concelho de Boticas”

 

1600-vilarinho da mo (58)

 

A Matança do Porco

 

A matança do porco assume uma grande importância no ciclo anual das tarefas agrícolas e festivas, pois é simultaneamente uma tarefa produtiva e uma festa lúdica. A carne de porco é um dos alimentos base da gastronomia local, pelo que a matança do porco é vital para a economia familiar, assegurando grande parte das provisões de carne, além de constituir uma festa familiar e vicinal por excelência. A época da matança do porco decorre de Novembro a Janeiro, uma vez que o frio é um factor essencial para a conservação da carne.

 

1600-vilarinho da mo (56)

1600-vilarinho da mo (9)

 

Dada a importância que o porco assume na dieta alimentar dos agregados familiares exige especiais cuidados na sua criação e ceva, nomeadamente nos meses que antecedem a matança. Assim, as mulheres desvelam-se em mil cuidados no que se refere à sua alimentação que consiste fundamentalmente em alimentos produzidos localmente como centeio, batatas, couves e nabos. Tal é a preocupação constante que rodeia o trato deste animal que muitas vezes se prometem oferendas ao Santo António (Santo protector dos animais) para que o proteja das doenças e males ruins.

 

1600-vilarinho da mo (53)

1600-vilarinho da mo (52)

 

O dia da matança combina-se com antecedência. Convidam-se os familiares mais próximos, vizinhos e amigos que mais tarde retribuirão o convite por altura da matança dos seus porcos. Este aspecto insere a matança do porco no contexto da entreajuda tão característica desta região. No dia que antecede a matança se aos homens compete o arranjo do espaço onde vai decorrer a matança do porco e a loja onde serão dependurados depois de mortos, às mulheres compete toda a azáfama dos restantes preparativos: preparar os alguidares e restantes utensílios utilizados no decorrer da matança do porco. No final desse dia não se deita comida aos porcos para as tripas estarem limpas.

 

1600-vilarinho da mo (113)

1600-vilarinho da mo (51)

 

Todas as matanças são tristes, mas o dia da matança do porco é uma festa de comida, alegria e convívio. Como que um funeral invertido onde se celebra a morte, que garante o armazenamento de um alimento essencial para a subsistência.

Esse dia é especialmente trabalhoso para as mulheres da casa, vale nesses apertos a ajuda de familiares e vizinhas que dão uma mãozinha. Mais tarde essa ajuda será retribuída quando fizerem a matança dos seus porcos. Numa azáfama constante as mulheres preparam a parva ou mata-bicho para forrar o estômago aos convivas. Dispõem na mesa da cozinha um repasto variado (pão, queijo, carne, pataniscas de bacalhau, sopa, etc.) onde não falta o vinho e a aguardente para empurrar a comida e aquecer o corpo.

 

1600-vilarinho da mo (50)

 

Terminada esta refeição matinal, os convivas dirigem-se para junto da corte onde se encontram os porcos, ajeitam-se as ferramentas (o banco de madeira, as facas), arregaçam as mangas e dão inicio à festa. Enquanto um homem guarda a porta para não deixar fugir os animais, os restantes entram na corte agarram um porco e levam-no até ao altar do sacrifício, o banco onde será morto. Quando junto às cortes existem pátios fechados, soltam os animais para fora da corte e é ver os homens a correr atrás deles tentando apanhá-los, um agarra uma perna, outro o rabo, outro as orelhas e o focinho até que finalmente capturam o animal e o matam. Entre estes convivas é ao sangrador que cabe o papel de mestre de cerimónias e imolar o animal, uma mulher acompanha o desenrolar da matança e apara o sangue para um alguidar.

 

1600-vilarinho da mo (36)

1600-vilarinho da mo (48)

 

Enquanto isso, em casa, as restantes mulheres preparam o almoço da festa, dividindo as tarefas “uma tira o testo, outra mete a colher e outra deita o sal”. A mulher que recolheu o sangue regressa a casa com o alguidar, mexendo-o para evitar que coagule e prepara o sarrabulho. Este petisco muito apreciado nas terras do concelho, consiste no sangue cozido temperado com sal e que depois é servido partido aos pedaços com cebola cortada às rodelas ou alho cortado aos bocadinhos e temperado com azeite.

 

1600-vilarinho da mo (94)

 

Depois de mortos, os porcos são chamuscados (queimam-lhe o pelo), outrora com palha, carquejas ou giestas, agora utilizam um maçarico a gás e raspam a pele com uma faca ou lâmina. Em seguida lavam-nos com água, sabão, esfregam muito bem a pele e deitam água para limpar todas as impurezas que possa ter. Depois abrem os porcos e retiram-lhes as entranhas. Mais tarde as mulheres estremam as tripas (retiram a gordura que as envolve, utilizando-a posteriormente para fazer rojões).

 

1600-vilarinho da mo (47)

 

Todo este processo decorre em alegre cavaqueira entre os convivas, mas foi grande o esforço exigido e é altura de recuperar energias. Uma mulher leva o sarrabulho, pão, vinho e coloca um pano sobre o porco, que se encontra em cima do banco, servindo de mesa onde é colocada a travessa com o sarrabulho para os convivas comerem.

 

1600-vilarinho da mo (43)

1600-vilarinho da mo (31)

 

Recuperadas as forças e com o estômago mais aconchegado, pegam nos porcos, levam-nos para os baixos da casa onde os penduram e deixando-os assim um ou dois dias. Mesa de festa, mesa farta. O almoço é um autêntico banquete onde a tradição manda que se coma essencialmente carne do porco que se matou. Além do sarrabulho comem fígado frito, coração frito e rojões da costela. A esta junta-se um pouco da carne do porco que se matou no ano anterior, é sinal de bom governo da casa. Há ainda quem faça também um cozido com vitela, chouriça e frango. Como acompanhamento costuma fazer-se arroz e batatas. A este repasto não faltam muitas e variadas sobremesas: aletria, pão-de-ló, rabanadas, etc. Todavia, na freguesia de Fiães do Tâmega a refeição mais importante, de comemoração, é a refeição da noite, a ceia da matança, onde além dos manjares mencionados se come também o peito do porco que se matou, cozido.

 

1600-vilarinho da mo (21)

1600-vilarinho da mo (17)

 

Após o almoço, os homens entretêm-se a jogar às cartas e depois vão tratar do gado. Por seu lado as mulheres dividem as tarefas entre si, enquanto umas ficam a lavar a louça e arrumar a cozinha, as outras vão lavar as tripas, consoante as aldeias lavam-nas nos rios, corgos ou lavadouros, construídos para o efeito. Depois de lavadas, as tripas são envoltas em sal e conservam-se assim até ao dia em que se fizer o fumeiro.

 

1600-vilarinho da mo (14)

 

Uma excelente descrição, apenas faltam as brincadeiras e partidas desta festa que envolviam também as crianças, pelo menos aqui ao lado, no concelho de Chaves, uma delas era quando o “matador” dizia ter-se esquecido de afiar a faca e pedia a um dos putos para ir a casa de “fulano tal” pedir a pedra de afiar. Os putos que assistiam à matança pela primeira vez caiam sempre nesta, e lá iam a casa de “fulano tal” para daí a pouco chegarem ao lugar da matança com um pedregulho às costas, mas as brincadeiras mais comuns, era a dos putos esperarem que arrancassem as unhas aos porcos para depois as “vestirem ou calçarem” nos seus dedos, a outra, era esperarem pela bexiga do porco para a encherem de ar e depois de darem um nó na ponta da tripa se regalarem com uma futebolada com a bexiga cheia até que esta furava, o que não era fácil. Entre as tarefas da matança, a única em que deixavam as crianças participar, era na lavagem do porco, com uma pequena pedra de granito… e, claro, também participavam no comer dos petiscos e do sarrubulho. Isto é o que guardo na memória do meu tempo de puto nas matanças a que assisti.

 

1600-vilarinho da mo (12)

 

E agora sim, o vídeo com todas as imagens da aldeia de Eiras que foram publicadas até hoje neste blog. Espero que gostem e para rever aquilo que foi dito sobre as Eiras ao longo do tempo de existência deste blog, a seguir ao vídeo, ficam links para esses posts.

Aqui fica:

 

 

 

Agora também pode ver este e outros vídeos no MEO KANAL Nº 895 607

 

E quanto a localidades do Barroso de Boticas, despedimo-nos até ao próximo domingo em que teremos aqui a Carreira da Lebre.

 

BIBLIOGRAFIA

CÂMARA MUNICIPAL DE BOTICAS, Preservação dos Hábitos Comunitários nas Aldeias do Concelho de Boticas - Câmara Municipal de Boticas, Boticas, 2006

 

WEBGRAFIA

http://www.cm-boticas.pt/

 

 

 

Sobre mim

foto do autor

320-meokanal 895607.jpg

Pesquisar

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

 

 

19-anos(34848)-1600

Links

As minhas páginas e blogs

  •  
  • FOTOGRAFIA

  •  
  • Flavienses Ilustres

  •  
  • Animação Sociocultural

  •  
  • Cidade de Chaves

  •  
  • De interesse

  •  
  • GALEGOS

  •  
  • Imprensa

  •  
  • Aldeias de Barroso

  •  
  • Páginas e Blogs

    A

    B

    C

    D

    E

    F

    G

    H

    I

    J

    L

    M

    N

    O

    P

    Q

    R

    S

    T

    U

    V

    X

    Z

    capa-livro-p-blog blog-logo

    Comentários recentes

    • FJR

      Agora só existe o Quim "Xanato" mas dantes de um l...

    • Anónimo

      Obrigado. Forte abraço. João Madureira

    • cid simões

      Muito bonito.Saúde!

    • Rui Jorge

      Muito Bom Dia a todos. Encontrei este blog e decid...

    • Luiz Salgado

      Sou neto do abilio Salgado e Augusta de Faria Salg...

    FB