O Factor Humano
Os rios impossíveis
(2)
Eram tão límpidas e transparentes as águas daquele rio, que nunca foram vistas por ninguém.
Como todos os rios da região, tinha as suas margens definidas por fileiras de amieiros e de salgueiros. Às vezes as suas folhas flutuavam, como pousadas no nada e afastavam-se lentamente. Nas zonas de maior inclinação, ouvia-se um rumor da corrente e viam-se as folhas a deslocarem-se mais depressa, em movimentos que denunciavam remansos e remoinhos.
Guiadas pelos monótonos ruídos das mós, as pessoas aproximavam-se do moinho, e olhavam com espanto para o mágico rodar das pedras, não fascinados pela farinha que elas produziam, mas porque lhes parecia que elas se moviam por vontade própria.
Fotografia de Inês Torrado
As trutas, sarapintadas de vermelho, pareciam voar, rio acima, agitando as barbatanas caudais e ziguezagueando contra uma corrente invisível.
Quando no ano da grande seca, já nos inícios do Outono, Manuel se abeirou do rio que ele tão bem conhecia, mas que nunca vira, deparou-se com os peixes deitados no fundo, repousando num sono eterno.
E ao atravessar para a outra margem, não sentiu a frescura que antes lhe repousava os pés.
Manuel Cunha (pité)