Pedra de Toque
Todos os anos, nesta época dos Santos, desloco-me ao cemitério e visito, entre outras, a campa onde se encontra minha mãe, meu pai e minha avó materna.
A última a partir (1993) foi minha mãe. Sofri muito com o decesso dela. Senti-me desamparado e uns dias depois escrevi o texto que segue.
Mãe
Perdê-la é o corte cerce da raiz mais funda que nos liga à vida.
É o desaparecimento doloroso da protecção, do suporte, da tábua que nunca naufraga neste rio de tormentas.
Perdê-la é nunca mais ouvir por detrás do trinar do telefone, a voz aflita temendo que o silvo da sirene fosse connosco.
É a falta irremediável do mais sincero regozijo pelas nossas venturas, da tristeza mais sentida pelo nosso desgosto, que desde logo aliviava com o carinho mais puro, mesmo que a razão não existisse.
Perdê-la é a amarga sensação de não poder satisfazer os seus mimos, de não poder brincar com as suas perrices, de não lhe proporcionar todos os seus desejos, de não abraçar e beijar a sua ternura.
E é, também, um violento empurrão para a solidão, mesmo quando as palavras eram sussurros ininteligíveis, saídos da cara linda que a brancura do cabelo prateava, nas voltas a meu lado pela cidade nova.
Falar em saudade é pouco.
A sua memória eterna, é no momento, as lágrimas que o tempo cuidará em transformar em pérolas preciosas, a guardar para sempre no cofre que temos no peito bem ao lado do coração.
Porque herdamos a sua simplicidade, a sua bondade, os seus gestos, a sua maneira de andar, o formato de suas mãos, os traços da sua face, o desenho das suas unhas e, sobretudo, o sangue que nas veias corre.
Agora que a terra, esconde e come, só podemos com humildade preservar a lembrança e ensinar aos nossos, o amor sem limites, o mais querido e o mais rico legado, que nos deixou.
António Roque